BRASÍLIA — Começa nesta terça-feira, às 9h, na sede da Funarte, no Rio, o “processo de construção” da Política Nacional das Artes, que vai determinar as ações do Ministério da Cultura (MinC) para as áreas de música, artes visuais, artes cênicas, livro e leitura. Mas será preciso esperar até 2016 para ver a política em prática. Segundo o ministro Juca Ferreira, a meta é debater com artistas, produtores, pesquisadores e empresários de diferentes regiões do país antes de definir o papel do Estado em cada área. O resultado sai “no fim do ano, no máximo até março”, ele diz. Enquanto imagina 2016, porém, o MinC precisa lidar com 2015. E se ajustar a um orçamento 21% menor após os cortes anunciados pelo governo (em protesto, servidores da Cultura farão greve de 24 horas nesta quarta). Em entrevista ao GLOBO, Juca Ferreira fala de metas e crise e revela: o ministério já estuda cobrar taxas para financiar os artistas, a exemplo do que acontece no setor audiovisual.
O ministério lança (nesta terça) o “processo de construção” da Política Nacional das Artes. O que é esse “processo”?
Vamos ouvir, debater e, assim, construir políticas para as artes que respondem aos desafios do século XXI. Junto, vamos repensar a Funarte porque, como instituição, ela está num estado lamentável. A gente precisa saber qual deve ser o papel do Estado junto à música, à dança, ao teatro, ao circo, à literatura. Cada linguagem tem seus estrangulamentos e desafios. No caso da música, por exemplo, a indústria se desorganizou quase completamente. E a música floresce no Brasil inteiro, as pessoas estão produzindo, mas não há estruturas de visibilização e comercialização. E o comércio pela internet, hoje a economia mais poderosa da música, não paga direito autoral corretamente.
O ministério pretende entrar na briga por pagamento de direitos na web?
A lei sobre direito autoral que foi aprovada nos dá responsabilidade de reestruturar o sistema de fiscalização e acompanhamento do direito autoral. No caso da internet, inclusive, não cabe ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) fazer a arrecadação, então um dos temas que discutimos com os músicos é a necessidade de um modelo pra garantir o direito dos músicos no Brasil.
‘A gente precisa saber qual deve ser o papel do Estado junto à música, à dança, ao teatro, ao circo…’
Com criação de um órgão regulador?
Pode ser. Não quero adiantar esse assunto porque há inclusive posições diferentes entre os músicos. Estamos discutindo e vamos definir um modelo com os artistas. E também interferir nos órgãos internacionais. Outros países vivem o mesmo problema. Então, a gente quer ajudar a criar uma ordem mundial que garanta que a economia da internet pague direito autoral. Vamos debater com ONU, Unesco, Ompi (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) e também com América Latina, Mercosul.
E como ficam os direitos no mundo físico e a relação com o Ecad?
A lei agregou a responsabilidade de o ministério acompanhar e fiscalizar. Acredito que no começo julho a gente vá ter a assinatura da regulamentação da lei. Aí ficará definido.
O senhor citou a música. E o que está em pauta para as artes visuais, por exemplo?
Temos investido nos museus, já há uma estrutura de galerias razoável, e a presença da arte brasileira se intensifica no exterior. É preciso dar visibilidade a mais artistas, claro. Mas há coisas que funcionam, então o papel do estado é menor. Vamos ouvir as demandas do setor.
O presidente do Instituto Brasileiro dos Museus (Carlos Roberto Brandão) manifestou interesse na Casa Daros, que fechará neste ano. Há uma negociação real?
Queremos ver se eles entram em entendimento conosco para que se possa manter a atividade cultural ali. O presidente do Ibram já está em conversa com os suíços. Quem sabe um sistema de comodato?
E para o teatro, no que o ministério pensa? Um dos setores que mais reclamam do fim da Rouanet, defendido pelo senhor, é o teatro.
Mais ou menos. A maioria é a favor da mudança. São tão poucos os que têm acesso à Rouanet… Principalmente se você considerar o território brasileiro. A grande discussão é artista consagrado ou não. E a gente não tem preconceito com os artistas que se consagraram com seu trabalho, o problema é que esse não pode ser o critério para se ter acesso a uma lei que corresponde a 80% do dinheiro que o governo federal tem para incentivo e fomento da cultura. É preciso abrir os critérios. O principal deve ser a relevância da obra. A outra discussão é: somos favoráveis à parceria público-privada, mas, toda vez que a área privada se associar à área pública, ela deve botar alguma coisa. O que a gente está exigindo é que coloque 20%. É a contrapartida da empresa ao fortalecer sua marca apoiando uma peça ou um show. E esse dinheiro iria para o Fundo Nacional das Artes, gerido por uma comissão de representantes do ministério, dos artistas e das empresas. Como é com o Fundo Setorial do Audiovisual.
Mas os fundos não sofrem contingenciamento também?
É contra isso que a gente vai procurar vaciná-los. Essa é uma discussão interna do governo, que não publicizo pra não dificultar, mas precisamos ter garantia de não contingenciamento e de que a renúncia fiscal vai ficar no mesmo nível. Só nos interessa se for, ao menos, mantido o patamar do que é disponibilizado pela Rouanet (R$ 1,3 bilhão em 2014). A gente não fará reversão se houver queda ou contingenciamento.
O Fundo do Audiovisual corre risco de contingenciamento para já?
Algum risco, corre. Uma das minhas batalhas é reduzir ao máximo o impacto do contingenciamento sobre o orçamento da Cultura porque ele já é tão pouco (o valor aprovado era de R$ 3,3 bilhões, mas passou para R$ 2,6 bilhões, após os ajustes do governo). E significa tão pouco para equilibrar a economia do Brasil…
Descontadas despesas, ficam R$ 320 milhões para investimentos. A Biblioteca Nacional já perdeu funcionários, a Cinemateca Brasileira perderá. Haverá mais cortes de terceirizados?
Acredito que não.
Onde se vai cortar então?
Essa adaptação está sendo feita agora. Primeiro, quero lembrar que contingenciamento, em princípio, é provisório. Há ministérios que não gastam o orçamento todo até o fim do ano, então em novembro, dezembro, o governo faz um remanejamento, e quem tiver capacidade de gastar é candidato a ter parte dos recursos de volta. Vamos executar tudo. Então, temos esperança de recuperar parte do que foi contingenciado. As negociações não foram suspensas.
Onde não haverá cortes?
Nos programas prioritários, como os Pontos de Cultura, a construção da Política Nacional das Artes, o PAC das Cidades Históricas.
Mas o PAC sofreu cortes.
Caiu alguma coisa, mas o fundamental será preservado. E vamos procurar distribuir para que o trauma seja o menor possível.
O senhor tem esperança de que o Procultura (que substitui a Lei Rouanet) seja votado neste ano? Como articula isso?
Total. Parte disso é segredo, mas estamos trabalhando publicamente, debatendo no país inteiro. Mostrando que há espaço para todos nas novas regras do fomento. O que vamos fazer é estabelecer um critério público. Queremos projetos escolhidos por sua relevância cultural.
Mas quem vai decidir o que tem relevância?
Uma comissão de artistas, produtores, investidores e representantes do ministério. A Lei Rouanet hoje passa por 300 pareceristas, que avaliam apenas se os projetos estão aptos a captar e, depois, checam a prestação de contas de quem usou. São técnicos. As empresas é que definem de fato quem recebe. A comissão de escolha vai substituir o departamento de marketing das empresas. Como é no Fundo Setorial do Audiovisual.
Estamos a um ano dos Jogos Olímpicos. Qual será a participação do MinC?
Não estávamos no comitê de organização, mas a presidente nos incorporou. Ainda não sei quanto de recurso vamos ter. Já há um comitê cuidando de abertura e encerramento. O que devemos fazer é participar da programação cultural durante os jogos. Estamos nos mexendo, só preciso saber dos recursos.
‘Estamos pensando em cobrar pequenas taxas de quem vive da economia das artes e da cultura’
É que na Copa…
Foi um desastre. E isso não vai acontecer. A Olimpíada é muito maior, um período excepcional para gerar interesse pelo país e por nossos produtos culturais.
Estamos em junho, discutindo o ano que vem; 2015 é um ano perdido?
Estamos em discussões para corrigir distorções e anacronismos, revitalizar a Funarte. Isso não é impedimento para tocar o barco para 2015. Já recuperamos Pontos de Cultura, regulamentamos e Lei Cultura Viva, vamos botar editais na rua assim que sair o orçamento (uma reunião na segunda-feira ainda vai definir detalhes dos editais), a presidente vai sancionar a Lei de Direito Autoral, e vamos anunciar a parte que cabe ao MinC. Formaremos uma comissão pra discutir internet. Estamos pagando o que precisávamos aos museus. O Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, que estrava atrasado, vai sair.
Fala-se que o ministério estaria pensando em criar um imposto para as outras artes a exemplo do que faz com a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). Isso está em estudo?
Estamos pensando. A gente não quer ficar sentado no orçamento. Primeiro, vou defender que a parte da arrecadação das loterias que nos cabe vá diretamente para o Fundo Nacional da Cultura. Hoje, esse dinheiro não está vindo. E estamos pensando em cobrar pequenas taxas de quem vive da economia das artes e da cultura. A economia da cultura tem uma característica que é o fato de todos viverem da criação. O camarada compõe uma música, o empresário promove os shows e a gravação, há a divulgação. Então, existem vários elos da cadeia que vivem do criador. Se não houver investimento na criação, não há todo o resto da economia. Logo, é preciso criar um mecanismo que dê retorno para promover o desenvolvimento da criação. Como na Europa, nos EUA. Taxas pequenas que não incidam de forma pesada, mas deem uma bela contribuição para o orçamento.
Taxar a cadeia é uma medida polêmica…
A Condecine também foi. Ainda há contestação. E veja como ela ajudou o cinema. Mas, agora, vamos rodar o país inteiro discutindo propostas para a Política Nacional das Artes. Estou otimista.