Bell Marques assina acordo e muda letra polêmica de música
A música Cabelo de chapinha, interpretada pelo cantor Bell Marques, ganhou nova versão. Acompanhado dos autores – Filipe Escandurras, Fagner e Gileno – ele esteve nesta segunda-feira, 14, no Ministério Público da Bahia e participou de reunião para contornar polêmica sobre suposto conteúdo racista e sexista.
O ex-líder da banda Chiclete com Banana teve encontro com as promotoras de justiça Márcia Regina Teixeira (Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher) e Lívia Maria Vaz (Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação).
Na reunião, cantor e compositores assinaram um termo de ajustamento de conduta para fazer adequações, eliminando os trechos que causaram polêmica após o lançamento da música na semana passada.
“Tive o prazer de conhecer pessoas que me falaram mais um pouco sobre o momento político da discriminação e do racismo contra a mulher negra. Os compositores resolveram fazer as modificações necessárias para assegurar que nenhuma mulher se sentisse desrespeitada”, consta de comunicado do cantor.
Além da alteração na letra, o acordo prevê que Bell participe de campanhas de combate ao racismo e ao machismo no Carnaval.
Mudanças
Com as modificações, em vez de “minha nega, vai lá no salão, faz aquele corte que seu nego gosta de te ver”, a letra passa a conter “minha deusa, dia de salão, lindo é seu jeito, todo mundo gosta de te ver”.
Outra adequação: sai “ô, mainha, mas eu só gosto do cabelo de chapinha, mainha. Ô tá liso, tá lisinho. Tá liso, tá lisinho”, dando lugar a “ô, mainha, eu também gosto de cabelo de chapinha, mainha, ô tá lindo, tá lindinho. Tá lindo, tá lindinho”.
Confira a nova letra:
Com esse amor ninguém pode
Só água na cabeça
Pra apagar o fogo
Cabelo crespo, cabelo liso, cabelo black, cabelo loiro
Minha Deusa, dia de salão
Lindo é seu jeito, todo mundo gosta de te ver
Me traz seu coração
Que esta noite só vai dar eu e você
Com esse amor ninguém pode
Só água na cabeça
Pra apagar o fogo
Ô, mainha,
Eu também gosto do cabelo de chapinha, mainha
Tá lindo, tá lindinho, tá lindo, tá lindinho
Para a promotora de justiça Márcia Teixeira, “é importante ter artistas com a popularidade de Bell como aliados. Foi importante ele se colocar à disposição e mostrar que deseja colaborar contra todas as formas de discriminação”.
Secretária de Políticas para as Mulheres, Olívia Santana estava no Ministério Público quando Bell assinou o documento. Para ela, a postura do cantor foi “acertada”, ao se dispor como aliado dos órgãos de combate à violência contra a mulher e de combate ao racismo. “Essa atitude de reconhecer o erro é fundamental para que a gente possa corrigir práticas discriminatórias”, disse Olívia.
Polêmica
Após anunciar pelo Facebook que sua aposta para o Carnaval é a música “Cabelo de Chapinha”, o cantor Bell Marques virou um dos nomes mais comentados da internet. A letra da música foi considerada machista e racista por muitos fãs e movimentos sociais.
“A música atinge duplamente a mulher, em especial a mulher negra. Fala de um homem que espera adequação da imagem da sua parceira ao gosto dele. E tem abordagem racista, quando ratifica as opressões que os corpos negros vêm sofrendo. É a imposição de um padrão estético que não nos contempla”, explicou a antropóloga Naira Gomes, idealizadora do movimento Empoderamento Crespo, à reportagem.
Um dos compositores da música, Filipe Escandurras também falou sobre a canção: “A música é alegre, como a maioria das minhas canções. Quis mostrar que existem outras formas de dizer ‘eu te amo’. Afinal, a mulher é minha, tenho o direito de escolher e pedir para ela colocar o corte ou o vestido que eu mais gosto”.
O artista também usou sua rede social para se solidarizar com o autor da letra. “Muito boa essa forma gentil que o compositor encontrou para enaltecer sua amada e que deveríamos aplaudir, pois essa é a mensagem da música: gentileza e amor”, disse Bell.
Diferentemente de Bell e Escandurras, a ouvidora-geral da Defensoria Pública, a socióloga Vilma Reis, acredita que a música pode contribuir para a violência doméstica. “Muitas mulheres vivem situações extremas de violência, porque as coisas foram tratadas como brincadeiras. Uma sociedade que opina na estética vai querer exercer controle social sobre o corpo dessa mulher”, diz.
A advogada Dandara Pinho, que também presidente da Comissão Especial de Igualdade Racial da OAB-BA, já tinha adiantado que a música podia virar caso da Justiça. “‘Cabelo de Chapinha’ é uma agressão, pois reforça o poder dos homens, incentiva o machismo e quebra a autonomia feminina, quando a mulher precisa fazer algo para agradar a seu parceiro”.