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30 November 2024
Prédio terá 30 andares e mais de 100 metros de altura (Foto: Divulgação)

Instituto dos Arquitetos tenta impedir construção de prédio de luxo na Barra

A construção de um prédio residencial de luxo com 30 andares na Ladeira da Barra, orla de Salvador, motivou uma ação civil pública que pede a suspensão da construção do edifício. De autoria do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento Bahia (IAB-BA), a ação apontou a falta de adequado estudo prévio de impacto de vizinhança para a obra, que tem vista para o Porto da Barra, Baía de Todos-os-Santos, em uma região com patrimônios tombados e com monumentos históricos.

A empresa responsável pelo La Vue, a Porto Ladeira da Barra Empreendimentos SPE Ltda, informou que os pareceres e as licenças foram autorizados por órgãos responsáveis, como o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC) e Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom). O Iphan e a Sucom confirmam a autorização, enquanto o IPAC negou ter participado do processo ao G1.

O desembargador Jirair Meguerian, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em decisão de 7 de dezembro, determinou a suspensão temporária do andamento das obras do La Vue e a comercialização de unidades até que a primeira instância julgasse o mérito. No mesmo dia, a juíza Luísa Ferreira Lima Almeida, da 16ª Vara Federal, em primeira instância, ordenou a continuidade das obras ao revogar a liminar, de acordo com a defesa da empresa. Na segunda-feira (14), o desembargador Meguerian novamente se manifestou e considerou “prejudicado” o pedido de liminar por ele julgado já que o processo foi avaliado pela juíza. O IAB vai dar continuidade ao processo a partir da ação civil pública.

Área na Ladeira da Barra onde prédio será contruído (Foto: Alex de Paula/G1)

Área na Ladeira da Barra onde prédio será contruído (Foto: Alex de Paula/G1)

A presidente do IAB, a arquiteta Solange Araújo, apontou que o órgão não é contra o empreendimento por conta do local onde está sendo erguido, mas devido à altura do prédio. Segundo ela, a torre vai prejudicar a visibilidade da paisagem e também dos patrimônios tombados. “Esse prédio vai ser uma violência enorme para o entorno”, diz.

No entorno do prédio estão a Colina de Santo Antônio e a Igreja de Santo Antônio da Barra, que são tombados pelo Iphan. Solange Araújo cita ainda o Cemitério dos Ingleses. Mais abaixo, perto do Porto da Barra, há no local o Forte de Santo Antônio e o de Santa Maria. “A paisagem é especial porque se tem inúmeros monumentos preservados e que precisam ter a paisagem assegurada. Esse prédio impacta negativamente na paisagem do entorno, considerado que nenhuma outra edificação do local é tão alta. Todas as outras têm altura média de 35 a 37 metros, mesmo nível da Igreja de Santo Antônio. Essa edificação terá o triplo disso”, destacou.

A presidente do IAB critica ainda o parecer liberado pelo Iphan e que fundamentou toda a autorização para a construção do prédio. De acordo com Solange Araújo, o estudo técnico foi elaborado por um funcionário do Iphan que não tem a formação exigida de arquiteto. Além disso, IAB indicou que o empreendimento teve parecer contrário do Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização (Etelf), órgão extinto que integrava Iphan, Ipac e prefeitura. Na ocasião, apesar de existir, o novo parecer, que reconsiderou o anterior, teria partido apenas do Iphan e não teria sido debatida no Etelf, informam as fontes consultadas.

“A pessoa que assinou no Iphan não tem formação de arquiteto e isso é ilegal. Somente um profissional deveria ter assinado. O IAB, desde o início, está tentando intervir junto à Sucom e a órgãos do patrimônio, mas não tem conseguido êxito. Não houve nenhum acordo. A gente defende que a visibilidade daquela área de preservação seja assegurada. O Iphan e Ipac precisam rever essa autorização dada para construção”, enfatizou.

O engenheiro civil e coordenador técnico do Iphan, Bruno Tavares, que elaborou o estudo técnico, disse que a autorização foi emitida no final de 2014 e considerou que a construção do prédio não vai impactar os patrimônios históricos tombados na região. A pesquisa levou em consideração um polígono que delimita o entorno dos bens protegidos se eles podem ou não sofrer impacto. E, nessa estimativa, contou que o empreendimento ficou fora da área do polígono definido, o que sustentou a decisão. “O parecer que foi dado é todo baseado de ele estar fora da poligonal. A fundamentação foi o fato de estar fora da poligonal. E a poligonal foi feita por arquiteto e urbanistas. O Iphan se manifesta sobre o bem protegido e os valores dos bens protegidos, e não sobre os valores culturais. O Iphan deu inicialmente parecer favorável, o IAB recorreu e não fomos notificados das últimas decisões”, disse Tavares, na terça (15), à reportagem. Aspectos como sombreamento de praias ou impacto na paisagem, segundo ele, não são responsabilidades do Iphan.

Apesar de citado pela empresa responsável e pelo Iphan, o Ipac informou que não participou da decisão e não emitiu parecer favorável para a viabilidade do prédio. Através da assessoria de comunicação, o órgão apontou que não poderia deliberar sobre algo que não é da própria responsabilidade, já que o prédio fica distante dos bens tombados em âmbito estadual, como o Forte São Diogo e o Edifício Oceania. O G1 entrou em contato também com a Sucom, que não se posicionou sobre o assunto porque está em trâmite judicial, indicando a Procuradoria do Município.

Canteiro de obras de empreendimento no bairro da Barra (Foto: Alex de Paula/G1)

Canteiro de obras de empreendimento no bairro da Barra (Foto: Alex de Paula/G1)

Responsável pela defesa do município, o procurador Mario Pinto informou que a decisão da Sucom foi baseada nos pareceres do Iphan e do Ipac. “A questão é de verificação do caso concreto. Eles fazem estudos técnicos e dizem se a construção vai impactar o monumento ou não. Os estudos concluíram que não teria impacto significativo que justificasse ou impedisse a construção. Isso é um estudo técnico e é feito para cada caso concreto. A Sucom é um órgão operacional e a procuradoria analisa sob aspecto jurídico. Sucom não opina sobre gabarito, respeitaria o que viesse do Iphan”.

Pareceres do Iphan, do Ipac e da Sucom

De acordo com dados dos processos judiciais, o prédio, na Avenida Sete de Setembro, tem altura de 106,98 m e é formado por quatro pavimentos de garagem – duas no subsolo -, dois de cobertura, e mais 23 andares, totalizando 30. São 24 apartamentos. Ao lado, o Grande Hotel da Barra tem quatro pavimentos.

Na manifestação sobre o pedido de liminar, o procurador municipal citou texto do Iphan que aponta condições favoráveis para a implantação do prédio. No parecer, o Iphan justifica que o morro da Mansão dos Mariani fica na poligonal do entorno e é uma “importante moldura para a paisagem do outeiro”, de modo a preservar a cobertura vegetal, “visível de diversos pontos da área em estudo, fazendo o contraponto entre o skyline das edificações, o outeiro e a encosta, com sua confluência com o mar”. Além disso, indicou que o prédio será construído em área fora da poligonal do entorno dos bens tombados, “além de estar em área com ocupação bastante heterogênea e com a presença de grandes edificios no mesmo lado da Ladeira da Barra e na Avenida Princesa Isabel”. Por fim, disse que o fato do empreendimento estar perto dos bens tombados “não é determinante para a sua reprovação”.

A defesa municipal descreve o parecer técnico do Ipac, de número 34/2014, de 25_12.2014. Nele, segundo o procurador, o Ipac teria concluído, do ponto de vista de patrimônio, que seria viável a proposta para a construção do empreendimento, com a ressalva de que se deveria “obedecer aos parâmetros estabelecidos pelas legislações vigentes para a área em questão, a exemplo da Legislação Municipal de Uso e Ocupação do Solo, PDDU e ouhos”. “Caso haja qualquer modificação na referida proposta será necessária nova anuência do IPAC, visto de tratar de vizinhança de Bens tombados pelo Estado”, afirmou o Ipac em parecer.

Em resposta à ação, a defesa do município considerou a posição do Iphan e tenta isentar a participação de agentes municipais. “Estando o projeto apto a ser aprovado sob a ótica da lei municipal, a única pendência legal imposta ao empreendedor seria o licenciamento junto ao Iphan. Tanto este órgão federal como o Ipac, entidade estadual, conforme amplamente demonstrado e reconhecido na petição inicial, manifestaram-se favoráveis ao empreendimento. Diante disto não restava outro caminho à Sucom senão o de respeitar o Direito vinculado do administrado à licença”, apontou. “Diante disso, somente o Iphan é que teria legitimação para postular em juízo o que de direito em relação a defesa do tombamento do entorno ou reposicionamento ou modificação do projeto”, reiteirou.

Moradores criticam

A Associação dos Moradores e Amigos da Barra (Amabarra) se posiciona contra a obra, por conta da altura. De acordo com a vice-presidente da entidade, Sônia Garrido, um prédio com esse gabarito abre precedente para outros casos parecidos. “Nos surpreendemos muito com a autorização de um prédio tão alto em uma área tão repleta de monumentos históricos. Tudo numa proximidade muito grande. E um prédio desse passa a descaracterizar ainda mais a paisagem, a harmonia existente. E existindo um precedente, a possibilidade de outros prédios surgirem, comprometendo ainda mais a paisagem, é muito grande. Os moradores da Barra são contrários à continuidade do prédio”, afirmou.

Por Alan Alves e Tatiana Dourado / G1