Estrangeiros têm futuro incerto no programa Mais Médicos
Quando foi selecionada para ingressar no programa Mais Médicos, em agosto de 2013, a profissional Maria Andrea Wissner, 45, deixou a Argentina e partiu, junto com o maridos e os dois filhos, para trabalhar em uma Unidade de Saúde da Família (USF) de Salvador.
A mudança alterou a rotina de toda a família, sobretudo das crianças, de 9 e 12 anos, que precisaram abandonar o ano letivo para ingressar, no ano seguinte, em uma escola particular da capital baiana.
De acordo com o edital do Mais Médicos, em agosto deste ano, o vínculo da médica com o programa será encerrado. No entanto, faltando quatro meses para o final do contrato, ela e os demais profissionais que compõem a primeira turma ainda não foram comunicados oficialmente sobre o desligamento ou renovação do contrato com o programa federal.
A mesma sensação de incerteza é compartilhada pelo médico suíço Miguel Andino Depallens, 30, que trabalha há três anos na Unidade de Saúde Básica (USB) no bairro de Arenoso, em Salvador.
Em 2013, ele pediu demissão do emprego em um hospital e chegou a Salvador junto com a esposa e a filha, que, na época, tinha apenas oito meses de vida. O médico deixou não apenas o país natal, mas uma vida confortável e estabilizada para prestar um serviço no posto que há 15 anos não contava com um médico clínico.
Hoje, ele torce para permanecer no programa, não apenas por conta das mudanças que o encerramento do contrato pode acarretar, mas pela possibilidade de dar continuidade ao trabalho de saúde pública que desempenha na comunidade.
“O trabalho vai além do consultório. Fazemos terapias comunitárias, palestras, entre outras atividades, com o intuito de fazer um serviço preventivo”, disse.
A população também clama pela renovação do contrato de Miguel, tanto que solicitou ao médico a criação de uma petição online para solicitar a permanência dele no posto. O abaixo-assinado conta, hoje, com cerca de 1.500 assinaturas.
“Tenho interesse em continuar na comunidade e no país, pois fui bem acolhido e sei que a população estava precisando de uma atenção maior, de um tratamento humanizado. Mas é necessária uma comunicação oficial, e com antecedência, para que a gente possa nos organizar, saber sobre o nosso futuro”, disse.
Revalidação
Segundo informações da assessoria de comunicação do Ministério da Saúde (MS), conforme a Lei do Mais Médicos (nº 12.871, de 2013), a possibilidade de renovação do contrato após os três anos está condicionada ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), aplicado para reconhecer diplomas obtidos no exterior.
De acordo com o representante da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) no Programa Mais Médicos, Ângelo Castro Lima, o vínculo de cada profissional com o programa será finalizado gradativamente e de acordo com os diferentes tipos de contrato.
Suíço torce para seguir com trabalho no bairro (Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE)
Para os médicos portadores de CRM, ele afirma que “existe a expectativa e forte tendência de terem seus contratos renovados, caso tenham interesse e uma boa avaliação”. Aos intercambistas, foi solicitado que revalidassem os seus diplomas durante o prazo de vigência do contrato. Os que o fizerem até a data de término do programa, deverão ter o mesmo destino dos portadores de CRM.
Já os médicos cooperados pelo contrato com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) deverão retornar a Cuba após três anos. Porém, o contrato poderá ser prorrogado por mais três anos ou ser utilizado para a vinda de outros médicos, evitando, desta forma, a ausência de médicos nos postos de saúde.
No entanto, ainda não há previsão de quando serão emitidos comunicados oficiais aos participantes do programa. “Cada situação descrita deverá ter um tratamento diferenciado em relação à possível renovação. Aguardamos orientações detalhadas do Ministério da Saúde de como isto deverá acontecer”, disse.
A assessoria do MS, entretanto, informou que não há previsão de quando serão emitidos comunicados oficiais e orientações sobre o assunto aos estados que receberam os profissionais.
Na Bahia, maioria é de fora do país
Perto de completar três anos, o programa Mais Médicos conta, hoje, na Bahia, com 1.474 médicos, distribuídos em 370 municípios por meio de duas instituições supervisoras – Secretaria da Saúde do Estado da Bahia e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Cerca de 80% do total de participantes do programa são estrangeiros, oriundos, principalmente, de países como Argentina, Benin, Bolívia, Cuba, Espanha, Haiti, México, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela.
Além de driblarem o desafio da língua e da cultura, alguns precisaram enfrentar a falta de estrutura física dos postos de saúde onde foram alocados, carência de medicamentos, dentre outros problemas relacionados à rotina do trabalho.
No entanto, apesar dos percalços, o sentimento de dever cumprido durante o período em que atuaram no programa é ainda maior do que as dificuldades. O médico suíço Miguel Depallens conta que trabalhar com a comunidade do Arenoso foi um grande aprendizado. “Estou satisfeito com o trabalho que desempenho em Salvador. Tive espaço para aprender com as pessoas e com os cursos de especialização”, disse.
Humanização
Para a médica argentina Maria Andrea Wissner, sua vinda para a capital contribuiu para pequenas, porém significativas, mudanças culturais no posto de saúde do bairro de Mussurunga.
“Eles entravam na sala e pediam a receita para o remédio. Eu negava e exigia que ele fosse examinado antes de receitar qualquer substância. Os que aguardavam do lado de fora também reclamavam da demora das consultas. Mas, uma vez dentro da sala, eles se sentiam bem, relatando os problemas e estabelecendo uma relação mais próxima com o médico”, afirmou.
Atarde