Motorista que teve perna amputada em batida relembra acidente: ‘Cheguei a imaginar que não iria suportar’
Mesmo sem uma perna, diz não estar arrependido: “Salvei muitas vidas”
Ao baixar os olhos e enxergar o vazio que tomou o lugar onde estava sua perna direita, o motorista de ônibus Jenilton Souza Santos, 40 anos, poderia sentir arrependimento. Poderia se arrepender por ter desviado do carro e do “vulto” que o fechou e o fez bater em um poste.
Mas, não. Em meio ao turbilhão de acontecidos, arrependimento é algo que não passa pela cabeça do rodoviário. Perdeu a perna e salvou dezenas de vidas. “Em nenhum momento me arrependo do que eu fiz, porque, graças a Deus, realmente, eu pude salvar outras pessoas. É o instinto, né, o instinto do motorista, você tentar livrar do perigo”, afirmou.
Tudo aconteceu tão rápido que Jenilton nem percebeu que o vulto que lhe “fechou” era um caminhão de lixo. Era quase 20h de quinta-feira, 23 de março, altura da Baixa da Égua, Avenida Vasco da Gama, quando ele deu uma guinada para a esquerda – da linha IAPI/Barra –, depois de ver outro carro descer a ladeira em alta velocidade em sua direção. O primeiro acidente grave em seis anos de profissão.
“Eu só vi um vulto na minha frente e não identifiquei. Quando puxei pra esquerda, vi a roda do carro bater no meio-fio. Foi quando veio o choque. Passageiros e o cobrador disseram pra mim que tinha sido um caminhão de lixo”, lembrou Jenilton, no conforto de sua cama, 14 dias após o acidente que deixou outras 22 pessoas feridas.
Resgate
Para ser retirado das ferragens, o rodoviário teve a perna direita amputada. O resgate só aconteceu quatro horas depois do acidente, às 19h50. Até lá, foi só dor. “Quando o poste desceu na minha perna, achei que ele tinha me esmagado. Senti uma dor imensa. Cheguei a imaginar que não iria suportar”, lembrou. O motorista teve a virilha atravessada por uma barra de ferro do ônibus que dirigia.
Em duas semanas, tudo mudou na rotina da casa. Mas Jenilton dificilmente tira o sorriso e a expressão de tranquilidade do rosto. A exceção é quando fala da única filha, Carina. Emocionado, ele lembra que, no momento do acidente, ela e a esposa, Lourilene, terminavam de fazer os doces para uma pequena comemoração pelos 15 anos da garota. “Era a véspera do aniversário, mas quando eu fui tirado das ferragens foi no dia do aniversário dela, 24”, disse.
Mudança
A rotina de Jenilton, que começava logo cedo “em cima do volante”, levando Carina até a escola, não existe mais. Agora, quem leva e busca a garota é o padrinho dela, que também mora na Caixa D’Água, bairro onde Jenilton e a esposa vivem há 18 anos.
Jenilton também ainda não parou para pensar em como será para fazer atividades, até então, simples, como ir e voltar de casa, já que não há transporte público na rua onde ele mora – a Manoel Drumond – e é preciso percorrer mais de mil metros até o Largo do Tamarineiro para chegar ao ponto de ônibus.
Natural de Ilhéus, no Sul da Bahia, casado há 18 anos com a vendedora Lourilene Nunes Santos, 45, e pai de Carina, que acabou de completar 15 anos, Jenilton faz questão de agradecer pela vida e pelo apoio dos amigos e familiares. Até ontem, Jenilton já tinha recebido visitas do pai e de um irmão, que moram em Ilhéus, além de duas tias. A mãe ainda não conseguiu vir.
“Uma coisa que tá me fortalecendo muito é isso, é amizade, é a família rodoviária, que tá ali o tempo todo colada. Mandaram mensagem para minha mulher dizendo que iam disponibilizar um ônibus para vir pra cá, e ela disse ‘não, pelo amor de Deus, vai ser muita gente’. Ela fica o tempo todo querendo me preservar”, brinca, rindo, Jenilton.
Além dos colegas, o motorista também conta com o apoio da sogra e dos cunhados. “Um dia vem um, outro dia vem outro, mas tem sempre alguém aqui, todo mundo se ajudando e todo mundo sendo forte, não deixando o outro desmoronar. Ele falava mais no acidente, mas tem falado menos. A gente também fica evitando”, disse a mulher.