Data de Hoje
27 November 2024

Dívida de aluguel pode ser descontada de salário, decide STJ

Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em uma ação de despejo por falta de pagamento de aluguel permitiu o desconto mensal de parte da dívida no salário do devedor. A decisão da ministra Nancy Andrighi abre precedente para que outras ações tenham o mesmo desfecho. Conhecida como penhora de salário, a forma escolhida para o pagamento da dívida, na maioria das vezes, só é permitida para casos de pensão alimentícia.

 

A advogada especialista em direito imobiliário Layanna Piau explica que este tipo de decisão abre um precedente persuasivo para as futuras ações, ou seja, foi uma interpretação que serve apenas para esta ação específica, mas que pode servir de base argumentativa para casos semelhantes. “O advogado pode usar como reforço da argumentação no caso dele. E quem julga pode se posicionar sobre o caso com base nessa decisão. A decisão vale nessa lógica de persuasão e de reforço argumentativo”, explica a advogada.

 

O desdobramento do caso foi bem recebido por representantes do mercado imobiliário, que apoiam a decisão para casos semelhantes, o que traria mais segurança jurídica e garantias para investidores do setor de locação de imóveis. Esta é a opinião do presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), Cláudio Cunha.

A gente sempre vê decisões como essa de forma positiva. Isso vai fomentar a adimplência e dar mais uma garantia para os proprietários de imóveis e de investidores. Eles vão se sentir mais seguros para investir no mercado de locação. É um apoio para garantir o retorno do valor investido para a aquisição do imóvel e posterior locação”, avalia Cláudio Cunha.

 

Ele alerta, inclusive, que antes de o inquilino decidir qual o tipo de imóvel alugar, identifique se o valor a ser gasto mensalmente se adéqua ao orçamento familiar. “Isso é necessário para que a família possa ter tranquilidade, e aumenta a tranquilidade da relação comercial, tanto para as pessoas que alugam quanto para quem está alugando”, afirma o presidente da Ademi-BA.

 

Atenção do mercado

 

A decisão chama a atenção dos representantes do mercado, investidores e advogados porque, geralmente, a penhora de salário para pagamento de dívidas é um assunto que ninguém ousava discutir no passado, segundo o advogado especialista em direito imobiliário Bernardo Chezzi.

 

“Era a mentalidade do Código de Processo Civil de 1973, mas isso vem mudando, tanto que o espírito do Novo Código de Processo Civil de 2015 é o de não proteger tanto assim o devedor, dando uma devida atenção ao crédito e ao credor. O próprio artigo 833 do Novo Código já possibilita essa penhora quando o salário é de valores mais altos”, explica o advogado.

 

Este é o caso da decisão recente da ministra Nancy Andrighi, que indicou o desconto de 10% do valor do salário do devedor para o pagamento da dívida de aluguel. Nesse processo, o entendimento da ministra foi o de que o valor descontado não comprometia a dignidade do devedor.

 

O salário é considerado impenhorável porque é destinado para o sustento familiar. No caso em questão, o valor do salário do devedor era alto, e a decisão entendeu que o desconto não iria comprometer as necessidades básicas da família do devedor.

 

Segundo o advogado Bernardo Chezzi, o desconto de 10% só vale neste caso. “Foi o valor considerado razoável para que o credor pudesse ser atendido, mas que também garantisse que o devedor ainda tivesse recursos para a sua subsistência. Esse é um valor que será estipulado caso a caso, conforme as particularidade: salário do devedor, valor da dívida, família, etc.”.

Chezzi entende que a decisão pode servir de base para outras ações semelhantes, por ser o STJ um tribunal superior e copiado por outros tribunais, um ponto positivo para a resolução dos casos e proteção daqueles que não receberam aluguéis em atraso.

 

“Em uma cobrança, por exemplo, o locador poderia fazer referência a essa decisão, pedindo que fosse aplicada a mesma interpretação, convalidada pelo próprio STJ. É importante no Brasil que se prestigiem os bons pagadores, e não que os ruins prejudiquem os demais e todo o sistema de habitação no país. Essa decisão é importante porque melhora as condições das locações imobiliárias”, diz o advogado.

 

A situação de inadimplência de aluguéis e a ausência de garantias para o pagamento de dívidas em atraso sempre foram preocupações do setor, segundo o presidente do Sindicato de Habitação da Bahia (Secovi-BA), Kelsor Fernandes. Dados do Secovi-BA apontam que as ações de despejo em Salvador, em maio, cresceram quase 24% em relação ao mesmo período do ano passado.

 

Apesar de a situação de inadimplência ser preocupante para quem aluga, o representante do Secovi-BA afirma que esse tipo de decisão não pode servir para todos os casos de inadimplência, excluindo os casos de pessoas que têm salários baixos. “Essa ação serve para aqueles que têm capacidade financeira e se negam a pagar. Há ações de despejo por vários motivos. E a penhora de salário seria útil para aqueles casos em que as pessoas entram no imóvel e deixam de pagar por meses, anos, às vezes contando até com a morosidade da Justiça, para que não sejam obrigados a pagar”. É o caso da decisão em questão, em que o devedor arrastava a dívida por 10 anos.

 

>> A penhora do salário

 

Dívidas –  A penhora do salário para pagamento de dívidas ainda é um ponto polêmico, na maioria dos casos, permitida apenas em casos de pensões alimentícias. O caso do STJ permitiu a penhora de 10% do salário para o pagamento de uma dívida de aluguel.

 

Precedente – A decisão pode servir de força argumentativa em casos semelhantes e foi bem recebida por representantes do mercado imobiliário por dar mais garantias jurídicas em casos de inadimplência de aluguéis.

 

Casos – A penhora não valerá para todos os casos. Como o salário é considerado  impenhorável, o desconto para o pagamento de dívidas de aluguel só ocorreria se o valor   não comprometesse o sustento e a dignidade do devedor e de sua família.

 

Morosidade – Como ações de cobrança podem durar anos na Justiça – nesse caso específico, a ação se arrastava há 10 anos –, a esperança é que traga mais celeridade a processos semelhantes.