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24 November 2024

Atençao Governador maternidade demite grávidas em Salvador

Mulheres se uniram por direitos trabalhistas: ‘Esse dinheiro tá fazendo falta’

Se quando se mexe com uma mexe com todas, experimente mexer com os filhos delas. O instinto materno, a injustiça e o drama financeiro que estão passando encorajaram 12 funcionárias grávidas e 13 de licença-maternidade de uma unidade de saúde do governo do estado a lutar por seus direitos. A grande ironia é que elas, apesar de gestantes ou de licença, foram demitidas de uma instituição que realiza partos, a  Maternidade de Referência José Maria de Magalhães Neto, no Pau Miúdo.

Após serem desligadas do Instituto Hygia, que administrava a unidade até agosto, elas não se calaram e organizaram uma espécie de “revolta das grávidas”. Por lei, elas não podem ser demitidas no período entre a confirmação da gravidez e cinco meses após o parto. Nesta quinta-feira (4), cinco gestantes e duas de licença- maternidade protestaram em frente à maternidade. Elas também já fizeram manifestações na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e procuraram o Ministério Público do Trabalho (MPT).

A onda de incertezas atingiu os funcionários da maternidade no dia 27 de julho deste ano. Foi quando saiu no Diário Oficial do Estado uma publicação informando que o contrato com a Hygia Saúde, que administrava o lugar há um ano e sete meses, estava se encerrando. Os 1.050 funcionários estariam, no mês seguinte, no olho da rua.

De acordo com a Sesab, o processo de contratação de uma nova empresa havia começado em novembro de 2017, mas a Hygia, que tentava permanecer no local,  tinha sido desclassificada por não conseguir comprovar a regularidade no pagamento do FGTS, entrou com um mandado de segurança.

Por conta disso, o processo de contratação não foi concluído. “Então, diante da situação de deterioração da prestação de serviços e para que seja garantida a assistência, optou-se pelo pela dispensa emergencial da Hygia”, explicou a Sesab, em nota. Quem assumiu, com contrato de 180 dias, de R$ 47,8 milhões, foi o Instituto de Gestão e Humanização – IGH.

Com a saída da Hygia, os funcionários da unidade entraram em aviso-prévio, com exceção das 12 mulheres grávidas e 13 de licença-maternidade. Mas, no dia 25 de agosto, todos foram desligados, incluindo as 25 mulheres. São pelos direitos de estabilidade que  elas lutam agora.

“Imagine uma mulher ficar desempregada no momento mais importante da vida dela. Essa situação é muito difícil. Você saber que tem seus direitos e que seu bebê tem seus direitos garantidos e ter que implorar por esses direitos é muito doloroso. Isso tá afetando as nossas gestações. Esse dinheiro está fazendo muita falta”, afirma a enfermeira Cássia Rosa, 35 anos.

A pior situação é a das 13 mulheres de licença maternidade. Essas sequer chegaram a receber aviso-prévio. “Comprei enxoval, berço, tudo, pensando nesse dinheiro. Estamos enxugando ao máximo para conseguir dar uma vida digna a ela”, disse a fisioterapeuta Nathalia Florence, 30, com a filha de três meses nos braços.

Sem leite
Na prática, o que se vê são grávidas sem condições de comprar enxovais, mães de licença maternidade desesperadas para pagar o plano de saúde dos bebês e até para comprar leite. A técnica de enfermagem Jocélia de Sá Barreto, 37 anos, ainda administra a falta do leite materno.

“Com essa situação toda, o meu leite secou. Tenho que comprar uma lata de R$ 48 por semana. Vou tirar esse dinheiro de onde?”, questiona Jocélia. Elleninha, de dois meses, toma seis mamadeiras por dia.

“Tem o leite que a gente tá se virando, tem o plano de saúde que meu irmão tá pagando. Tem as contas que minha mãe tá ajudando a pagar”, conta. O jeito, dizem, foi se unir. “Nós vimos que se a gente não se unisse não ia chegar a lugar nenhum. Estamos passando por uma humilhação e por isso estamos pedindo ajuda”, diz Cássia.

A técnica de enfermagem Jocélia ainda precisa administrar a falta de leite: “Secou”, diz
(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Recontratação
Boa parte das funcionárias – oito, das 12 gestantes – foi recontratada ainda em agosto pela nova empresa. As que estão de licença-maternidade continuam de fora. Mas, mesmo as recontratadas seguem sem direitos trabalhistas garantidos pelo antigo empregador.

“Tivemos que nos humilhar muito para sermos recontratadas. Um desgaste muito grande. E ainda não recebemos o que prevê nossos direitos”, protesta a técnica de enfermagem Caroliny Santos, 28. Segundo cálculos feitos por sindicatos que representam as mulheres, os débitos da Hygia com os antigos colaboradores chega a R$ 9 milhões. A empresa foi procurada pelo CORREIO, mas não se pronunciou até o fechamento desta edição.

Hoje trabalhando na mesma maternidade pelo IGH, a  técnica de enfermagem Marismara Lemos teme que os direitos trabalhistas não sejam honrados pela antiga empresa. Ela conta que, quando foi chamada para assinar o aviso de demissão, não sabia que estava grávida. O combinado era que ela trabalhasse por mais 15 dias – que seriam pagos. Ledo engano.

“Não temos previsão de quem vai pagar e nem se vão pagar. É tudo muito inseguro. Mesmo estando trabalhando por outra empresa agora, ainda temos que garantir nossos direitos com a anterior. Os nossos direitos estão sendo roubados”, desabafa Marismara.

Sindicatos
Quando procurada pelos trabalhadores, a Hygia Saúde se defendeu afirmando que a Sesab, que realiza o intermédio do contrato, não havia repassado as verbas. A Sesab nega (leia mais abaixo).

Seis sindicatos atuam junto com os funcionários para tentar mediar acordos. Entre os demitidos, há atendentes, psicólogos, técnicos, enfermeiros e médicos, que procuraram o Ministério Público do Trabalho (MPT) e fizeram audiências de concliliação.

Jeane de Oliveira, 35, técnica em nutrição, ficou durante o contrato da Hygia prestando serviços à maternidade. O contrato da empresa foi rompido justamente no dia em que seu filho nasceu. “Até agora só recebi 60% do meu FGTS. Estou correndo atrás. Não há explicação e é um jogo de empura-empura”, conta. Nos seus cálculos, feito junto com o sindicato e um advogado, a antiga empresa lhe deve R$ 13 mil.

Nathalia carrega a filhinha de três meses: enxoval foi comprado, mas o dinheiro não veio
(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

MPT media impasse entre Sesab e Hygia
Os seis sindicatos que representam os funcionários da Maternidade José Maria de Magalhães Neto procuraram o Ministério Público Federal para denunciar as demissões de 1.050 trabalhadores. Sem dar atenção específica ao caso das gestantes, o órgão informou que está conduzindo uma mediação entre os sindicatos, o Instituto Hygia e a Sesab. Na segunda de três reuniões, foi definida a liberação de quase R$ 2 milhões para pagar o FGTS pendente dos demitidos.

O valor foi depositado no final do mês, mas as grávidas e os outros funcionários ainda não puderam sacar. “Falta a chave para fazer o saque. Eles pagaram retroativo desde janeiro até julho”. O MPT não deu informações sobre a última reunião, no dia 1º de outubro.

“Na última, não ficou nada definido. Eles disseram que era para a gente procurar a Justiça”, afirmou a nutricionista Laíse Barreto, 36 anos, uma das gestantes.

Segundo o MPT, ao encerrar o contrato de gestão da maternidadeo, o Instituto Hygia alegava não ter recebido todas as parcelas previstas para conseguir honrar com as verbas rescisórias. Em nota, porém, a Sesab garante que “não tem mais nada a pagar à instituição”. E emenda. “Quanto às questões trabalhistas, devem ser buscadas junto ao MPT”.

A Sesab explicou também que, durante a nova concorrência, a Hygia impetrou mandado de segurança após ter sido eliminada na fase de habilitação “em decorrência da não comprovação de regularidade relativamente a débitos trabalhistas e ao FGTS”. Segundo a secretaria, “este fato está impedindo a conclusão da concorrência pública”. A Hygia foi procurada pelo CORREIO, mas não se manifestou até o fechamento desta edição.

O MPT diz ainda que, até o dia 12, deverão ser encaminhados pelo Hygia aos sindicatos os termos de rescisão de contrato de trabalho. Com eles, os demitidos poderão dar entrada no pedido de seguro-desemprego e sacar o FGTS. A procuradora Rita Manovanelli, que conduz a mediação, afirmou que “a situação é complexa, mas as partes estão se dispondo a encontrar soluções, mesmo que parciais”.

“Tivemos que nos humilhar muito para sermos recontratadas”, protesta a técnica de enfermagem Caroliny Santos
(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Funcionários podem pedir indenização, diz advogada
O fim do contrato entre o governo do estado e a Hygia Saúde, que administrava a Maternidade de Referência José Maria de Magalhães Neto até agosto, não exclui a responsabilidade da empresa em honrar o pagamento dos direitos trabalhistas das funcionárias.

Quem explica é Adriana Wyzykowski, professora de Direito Trabalhista na Ufba, Uneb e Faculdade Baiana de Direito. “Todos os direitos trabalhistas a essas gestantes estão resguardados. Se a empresa continua a existir, independentemente da troca do contrato, essas gestantes, inclusive, podem pleitear reintegração no vínculo empregatício durante o curso dessa estabilidade gestante, que vai da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”, afirma.

No caso das empregadas que já estão fora do período de estabilidade, ainda é possível pedir uma indenização – tanto pelo fato de terem sido demitidas durante esse período, quando por danos morais. O cálculo da indenização deve ser feito a partir do patamar salarial que a empregada teria durante a estabilidade. O descumprimento de qualquer direito relativo ao trabalho da mulher, coforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ainda implica em multa ao empregador.

“Se a gente parar pra pensar, a própria integridade dela é colocada em xeque quando a gente pensa no estado gestacional e no próprio aleitamento materno posteriormente. Então, é possível sim falar em uma indenização por dano moral”, afirma a especialista.

Caso haja falência da empresa, as ações são reunidas em juízo e, então, são levantados os bens que a empresa possui para tentar, com isso, fazer o pagamento a partir do crédito trabalhista.

Segundo Adriana Wyzykowski, a estabilidade às gestantes faz parte de uma política social de proteção ao trabalho feminino, que busca combater a ideia de que a mulher é um custo empresarial. “Num primeiro momento da história do direito do trabalho, o trabalho feminino era visto como uma espécie de custo, e é justamente essa a ideia que se deseja combater”, diz.

O grupo de mulheres já protestou também na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT)
(Foto: Divulgação)