Paciência, eleitor: votação deve demorar dobro do tempo gasto em 2014
Teve gente que levou cadeira, comprou comida e até perdeu o bom humor. Teve quem esperasse até algumas horas numa fila. No fim, 6,8 milhões de eleitores baianos (dos 10,3 milhões) saíram com o objetivo alcançado: fizeram o recadastramento biométrico. Só que, neste domingo (7), é possível que ela – a fila da biometria – volte a aparecer para eleitores de Salvador e outros 99 municípios baianos.
Com seis candidatos com números para serem digitados nas urnas, já dava para esperar uma votação um pouco mais demorada do que em 2014, quando havia um senador a menos. Agora, com a novidade da identificação através da biometria, o tempo médio esperado para que cada eleitor conclua o seu processo aumentou: passou de um minuto e 14 segundos, previsão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2014, para dois minutos, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA).
O presidente do TRE-BA, José Rotondano, fez um pedido: que os eleitores tenham paciência.
“É um sistema de votação eletrônica do próprio TSE, então, o TRE-BA não tem controle sobre isso. Pode atrasar um pouco o processo e votação. Essa vai ser a eleição mais demorada da história”, adianta o desembargador.
O próprio Rotondano faz uma estimativa: se, numa seção eleitoral com 400 eleitores aptos, todos aparecerem para votar e levarem dois minutos, dá mais tempo do que o previsto para os portões estarem abertos (das 8h às 17h).
Os últimos eleitores podem entrar nos locais de votação até 17h. No entanto, a votação em cada seção só termina depois que a fila acabar. Por isso, o presidente estima que é possível que a votação chegue até 21h em alguns locais de votação.
Na Bahia, estima Rotondano, haverá uma extrapolação de quatro horas do término do horário de votação. Uma alternativa para fugir das filas é votar no chamado ‘vácuo do horário de almoço’, entre as 12h e as 14h.
O caminho do voto
Depois que o eleitor digitar todos os números, o voto ficará computado na urna. Ao longo de todo o dia, todos os votos são armazenados e ficam ali, “esperando” a hora de começar a apuração.
“O sistema não comportaria a transmissão de um a um. Então, na hora que acabar o último eleitor, o presidente da seção vai imprimir um boletim para mostrar quantos votos existem na urna”.
Enquanto isso não acontece, os votos são criptografados e gravados em uma mídia chamada Memória de Resultados – algo que se parece com um pendrive. Como as urnas não têm conexão de internet, os votos de cada urna são enviados a um ponto de transmissão, que existe em cada zona, através de um software interno – um programa do próprio TSE. Nessa mesma lógica, cada ponto de transmissão emite os votos para TRE-BA, que funcionará como uma espécie de ‘central’ e, por sua vez, encaminha ao TSE.
Gerações de urnas
De acordo com Rotondano, as 37 mil urnas eletrônicas que estarão em atividade na Bahia não têm conexão com a internet. “Você tem aquela maquinazinha que aperta para fazer sanduíche em casa? A urna é exatamente isso. Não tem contato com internet, nenhum acesso para fraude”.
Após a votação, as urnas recebem um lacre produzido pela Casa da Moeda, cujas propriedades químicas impedem a sua violação, segundo o presidente do TRE-BA. Essas urnas são levadas para a sede do TRE-BA, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), onde ficam em um depósito de urnas.
Com urnas eletrônicas desde as eleições de 1996, hoje, o Brasil ainda utiliza os equipamentos da chamada ‘primeira geração’, que diz respeito ao registro totalmente eletrônico. Entre os que usam a urna eletrônica (muitos, como Alemanha e Irlanda ainda usam cédulas de papel), a maioria já migrou para a chamada segunda geração, como explica o pesquisador Mario Gazziro, pós-doutorando no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos e professor na Universidade Federal do ABC.
A segunda geração inclui, junto à urna eletrônica, uma impressora e um picotador de papel. Após o eleitor votar, uma cédula é impressa. É o chamado VVPAT– Auditoria Conferível em Papel, na tradução em português. É diferente do voto no papel, como ocorria no passado, porque é uma combinação das duas tecnologias.
“Antes, você podia botar outros papéis dentro da urna, tirar, substituir. Poderia ler o nome de outra forma. Agora, além de ter escrito como forma de expressão, tem um código de barras que carrega uma assinatura digital. Para fraudar aquilo, teria que ser a mesma tecnologia para fraudar uma transação bancária digital”, diz Gazziro. Esse sistema é adotado por países como Bélgica, Rússia, Canadá, Equador e México.
O custo estimado para que o TSE implantasse essas impressoras em todo o país é de R$ 1,8 bilhão. No entanto, já existem países que contam com a chamada urna de terceira geração – é o caso da Argentina (especificamente na capital Buenos Aires) e de algumas cidades do estado de Washington (EUA). Esse equipamento só tem um papel com um código QR. A apuração será através desse papel.
O próprio professor Gazziro coordena um projeto que, em 2014, desenvolveu uma urna de terceira geração. Segundo ele, esse tipo de equipamento coibiria que, após o voto, a pessoa utilize o voto impresso para negociar uma comprovação de venda de voto, já que o voto teria que ficar na própria urna.
“É uma urna segura, de baixo custo. Tem conexão com a internet, mas é segura. Tem uma assinatura digital, eletrônica, que vai junto o QR. É um número criptografado, para que ninguém, no caminho, jogue outro voto ali dentro”, afirma Gazziro. O sistema construído por eles já foi usado em pequenas eleições na universidade. Agora, ele espera que seja usado nos próximos pleitos para a escolha do reitor na USP e na UFABC.
“Nenhum país inteiro chegou a usar essa nova geração. O Brasil foi o primeiro a implantar a urna eletrônica no país todo. Bem que poderia ser o primeiro a usar a terceira em todos os estados”, diz o pesquisador.
A estimativa para a implantação da terceira geração é de metade do que se gastaria com a segunda geração.
Segurança no processo
Ele reforça que a comunidade acadêmica sempre acompanha o processo eleitoral, assim como os testes de segurança promovidos pelo TSE. “O TSE nunca deu nenhum indício de problema de fraude. Como representantes acadêmicos e da sociedade civil, se tivesse algum problema, nós seríamos os primeiros a falar”.
O promotor eleitoral Luiz Ferreira de Freitas Neto, da zona 189, que fica no Extremo-Sul do estado, também destaca a segurança do processo. O Ministério Público do Estado (MP-BA) é um dos órgãos que acompanha a realização do pleito. Para ele, se existir algum tipo de desconfiança na urna eletrônica, é devido à falta de conhecimento do sistema.
“Qualquer inovação tecnológica é contestada, por isso, vejo com naturalidade. Testes são feitos, várias coligações mandam representantes e, se houver qualquer problema, qualquer tipo de contingência, o responsável toma as medidas pertinentes no protocolo do TSE. Mesmo o cidadão, se perceber algum equívoco na urna, algo fora do natural, pode informar. Mas o sistema é tão auditado que dificilmente vai acontecer algum problema” , explica.
O MP-BA acompanha todas as fases do processo eleitoral – desde o registro de candidaturas e diplomações até o dia da votação. No dia da eleição, promotores eleitorais visitam as zonas eleitorais e conversam com mesários para saber da situação. “A Justiça eleitoral trabalhou muito e esperamos que o estado da Bahia tenha uma eleição correta, que tudo tenha tranquilidade”.
Organização dos Estados Americanos vai acompanhar eleições brasileiras
Essa será a primeira vez que a Missão de Observação Eleitoral (MOE), da Organização dos Estados Americanos (OEA), vai acompanhar as eleições no Brasil. A Bahia será um dos 12 estados que vai receber integrantes da missão, além do Distrito Federal.
Ao todo, serão 48 especialistas de 18 nacionalidades. Eles começaram a chegar no país no início da semana e devem atuar também no Ceará, Maranhão, Pernambuco, Amazonas, Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Outro grupo fará a observação do pleito fora do Brasil.
De acordo com a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, a missão “reforça a liderança brasileira na promoção da democracia e expressa o compromisso do país com um processo eleitoral cada vez mais plural e representativo”, disse, na assinatura do acordo de cooperação. O governo brasileiro convidou a OEA no ano passado.
Para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA), José Rotondano, o acompanhamento vai demonstrar a “cristalinidade e a lisura” do pleito.
“Vamos receber bem essa missão, dar todo o apoio, inclusive colocando pessoas com fluência em inglês para explicar todo o processo eleitoral”, afirmou o presidente do TRE-BA.
De acordo com a presidente da missão, Laura Chinchilla, o objetivo da visita é elaborar reflexões para que as autoridades eleitorais possam fortalecer e melhorar os processos de democracia eleitoral.
“É uma eleição que se desenvolve num clima especialmente tenso, dentro de uma grande polarização no debate, nas opções, no momento também de grandes desafios para o país, do ponto de vista econômico, político, de credibilidade institucional e de segurança”, afirmou Laura, que é ex-presidente da Costa Rica, em entrevista à emissora alemã Deutsche Welle.
Para o promotor eleitoral Luiz Ferreira de Freitas Neto, a iniciativa do governo brasileiro de convocar a OEA é “louvável”. “Eu recebo essa notícia com muita felicidade essa notícia, porque, certamente, a Justiça eleitoral vai ter um retorno positivo. São mais de 80 sistemas eleitorais de segurança embutidos nas urnas eletrônicas”.
O voto em outros países
Bélgica – segunda geração da urna eletrônica
Em 2012, a Bélgica fez testes com a urna eletrônica de segunda geração. Além disso, de acordo com o cônsul honorário do país na Bahia e em Sergipe, Stephane Perre, o país faz o reconhecimento biométrico com as impressões digitais e o reconhecimento facial dos eleitores.
Para cidadãos belgas que votam no Brasil, os votos continuam sendo no papel. Os belgas que moram fora de seu país costumam ter três opções: conceder uma procuração para que alguém vote por eles na Bélgica; ir até um dos consulados gerais ou à embaixada ou solicitar uma cédula de votação pelos Correios.
“Pode ser que tenha se tentado fazer um sistema eletrônico lá, mas (a tentativa) retrocedeu. O que a gente recebe é algo bem simples: constam os nomes dos candidatos e você faz uma cruz no candidato da sua escolha. Acredito que a urna eletrônica deve ser uma escolha de sociedade. Assim, a sociedade deve se mobilizar para não existir uma possível invasão”, opina.
Argentina – terceira geração da urna eletrônica
Na Argentina, onde a urna de terceira geração foi implementada em 2010, o cônsul-geral do país na Bahia, Pablo Virasoro, destaca que os avanços aconteceram na cidade de Buenos Aires. A nível federal, ainda se usa somente o papel tradicional, que é colocado em um quarto escuro e depositado em uma urna.
Os avanços em Buenos Aires dizem respeito a uma cédula com um chip de radiofrequência embutido, em que, num só documento, contém o registro digital e o registro impresso do voto. “Isso está em andamento para expandir. É possível que, nas próximas eleições, a migração já esteja finalizada. A ideia é incorporar tecnologia às votações”, diz o cônsul.
De acordo com Virasoro, assim como no Brasil, os cidadãos argentinos são obrigados a votar. A obrigação, porém, começa aos 16 anos, quando aqui ainda é facultativo. Além disso, não existe um documento como um título de eleitor – o próprio documento de identidade do país já funciona também como um registro eleitoral.
Coréia do Sul – voto no papel
Na Coréia do Sul, o voto ainda é feito de forma manual, usando somente o papel impresso. Em 2015, o embaixador Leong-Guan Lee, chegou a visitar o TSE para conhecer o sistema eletrônico de votação brasileiro e a unidade de tecnologia de informação do órgão. Na época, o embaixador declarou que achou o sistema “muito avançado”.
Além disso, os cidadãos coreanos não têm obrigação de votar. Como as votações costumam ser realizadas em dias da semana, aqueles que comparecerem às urnas têm direito a um dia de folga no trabalho.