A trágica morte causada por um sanduíche que fez multinacional mudar embalagens
“Pai, me ajude. Não estou conseguindo respirar.”
Essas foram as últimas palavras de Natasha Ednan-Laperouse, uma adolescente britânica que sofreu uma reação alérgica mortal em um avião depois de comer o sanduíche que havia acabado de comprar no aeroporto de Heathrow, em Londres.
O ingrediente responsabilizado pela reação foram sementes de gergelim, que faziam parte da massa do pão e não eram visíveis.
A rede em que ela comprara o sanduíche é a multinacional Pret a Manger, que sob as regulações alimentares em vigor atualmente no Reino Unido não tem a obrigação de indicar os ingredientes de todos os lanches que vende.
A morte de Natasha ocorreu em 2016, mas suas causas só vieram a público recentemente, gerando forte comoção entre os britânicos – a ponto de a premiê Theresa May pedir uma revisão das leis de embalagem no Reino Unido e de a Pret a Manger anunciar, neste mês de outubro, que passaria a listar todos os ingredientes contidos em seus produtos, inclusive os alergênicos.
Neste domingo, mais uma morte voltou a colocar a Pret a Manger sob os holofotes: um segundo cliente parece ter tido uma reação alérgica a um sanduíche, segundo informações da própria multinacional. Desta vez, trata-se de um sanduíche vendido como sendo livre de laticínios, mas a Pret a Manger afirma ter sido enganada pela fornecedora do iogurte presente no lanche, o qual continha proteína de leite.
A empresa Coyo, que vendeu o iogurte à rede, afirma, porém, que a “causa verdadeira” da morte ainda é desconhecida e que as acusações da Pret a Manger são “infundadas”.
Parada cardiorrespiratória
Natasha, de 15 anos, viajava à cidade francesa de Nice com seu pai, Nadim Ednan-Laperouse, em 17 de julho de 2016.
Antes do voo, ela comprou uma baguete de alcachofras, azeitona e tapenade (patê de azeitonas e alcaparras) em uma das centenas de estabelecimentos que a Pret a Manger opera no Reino Unido.
Pouco depois de comer o sanduíche, Natasha começou a se sentir mal e a ter dificuldades para respirar.
“Todo o corpo dela ficou coberto por enormes manchas vermelhas, como se tivesse sido picado centenas de vezes”, relata seu pai.
A mãe de Natasha, Tanya, relembra o telefonema que recebeu do marido naquele dia de 2016.
“Ele me ligou e disse que Natasha iria morrer em um minuto, talvez dois, e que eu tinha que me despedir dela”, conta. “Ele me falou: ‘esta é a única oportunidade, você tem que dizer adeus’.”
No mesmo dia, a adolescente morreria de parada cardiorrespiratória em um hospital de Nice, a despeito de seu pai ter aplicado nela duas injeções de epinefrina durante o voo.
Natasha, que era alérgica a gergelim, não tinha como saber que o sanduíche – que não tinha sementes visíveis – continha tal ingrediente, uma vez que, segundo as leis britânicas, alimentos “artesanais” embalados na hora não precisam ter etiqueta advertindo contra possíveis alergênicos.
Apenas restaurantes e estabelecimentos que vendem produtos embalados têm a obrigação de informar aos clientes se algum dos 14 alergênicos mais comuns – por exemplo, amendoim, ovos, leite e gergelim – estão presentes na composição.
No Brasil, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que passou a vigorar em 2016 determina que embalagens de comidas e bebidas devem obrigatoriamente trazer informações sobre a presença de substâncias que comumente causam alergias.
Desde a morte da filha, os pais de Natasha estão em campanha pública para mudar as leis de embalagem britânicas, que dizem terem sido responsáveis por uma “roleta russa” contra a vida da sua filha.
Na semana passada, uma investigação para esclarecer a morte da adolescente foi iniciada e, como consequência, a Pret a Manger anunciou a mudança na descrição da embalagem de seus produtos.
Outros seis casos de reação alérgica em 2015 no Reino Unido foram atribuídos a sanduíches da rede.
Clive Schlee, diretor-executivo da Pret, afirmou que a empresa “lamenta profundamente” a morte de Natasha.
“Esperamos que essas medidas nos ajudem a promover uma mudança na indústria, para que as pessoas com alergias estejam tão protegidas e informadas o quanto for possível.”
Outras empesas alimentícias britânicas estudam adotar medidas semelhantes.
A premiê May, por sua vez, afirmou que o caso da adolescente foi “absolutamente trágico, e nossos pensamentos estão com a família e os amigos dela. (…) Obviamente temos de prestar atenção a esse problema e analisar a responsabilidade das empresas individualmente”.