O Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou o jornalista Rubens Valente, repórter especial da Folha de S.Paulo, e a Geração Editorial a indenizarem por danos morais o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a publicarem a decisão condenatória nas próximas edições do livro Operação Banqueiro. A obra, lançada em 2014, narra a prisão e os bastidores da soltura do banqueiro Daniel Dantas na Operação Satiagraha, da Polícia Federal, em 2008.
A defesa de Rubens informou que vai recorrer ao próprio STJ e ao STF. Segundo o jornalista, a decisão tomada nessa terça-feira (12) pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça representa uma ameaça à liberdade de expressão e de imprensa, pois não houve, na opinião dele, qualquer ofensa à honra de Gilmar. “O livro não contém nenhuma inverdade, nenhum erro material e nenhum xingamento ou ofensa pessoal a Gilmar Mendes”, afirma o jornalista.
Gilmar era o presidente do STF quando concedeu um habeas corpus a Daniel Dantas, principal alvo da Satiagraha, anulada pelo STJ em 2011. O ministro alega, em sua defesa, que o autor do livro o acusou de parcialidade em sua atuação como juiz, distorceu sua biografia e deturpou o contexto da concessão do habeas corpus.
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Contestações do ministro
Ele contesta oito pontos – dos quais um não consta do livro, mas faz parte de uma entrevista dada por Rubens à revista Carta Capital. Entre os itens que, segundo Gilmar, causaram dano à sua imagem estão:
– a citação da crítica feita pelo então juiz Fausto De Sanctis, que conduzia a Satiagraha, ao pedido de Gilmar para investigá-lo na Corregedoria do TRF da 3ª Região. “Trata‑se de uma peça tão bizarra, que De Sanctis depois mandou plastificá‑la, como recordação. O documento informa a abertura de uma investigação contra o juiz”, narra o texto;
– a referência de que o ministro não se declarou suspeito de julgar habeas corpus movido em favor de Dantas pelo escritório de advocacia de Sérgio Bermudes, no qual sua mulher, Guiomar Mendes atua. Essa relação foi questionada três anos depois pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quando o ministro decidiu, três vezes, libertar o empresário Jacob Barata Filho, preso na Lava Jato. Barata era defendido pelo escritório de Bermudes. Além disso, o ministro havia sido padrinho de casamento da filha do empresário;
– a manifestação de que o pai de Gilmar foi prefeito de sua cidade natal, Diamantino (MT), pela Arena, partido de sustentação da ditadura militar;
– a transcrição do bate-boca entre Gilmar e o então ministro Joaquim Barbosa. “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas no Mato Grosso”, disparou Joaquim;
– a divulgação de um desentendimento entre Gilmar, quando integrante do Ministério Público, e o então procurador-geral da República Aristides Junqueira. “Mendes demonstrou uma capacidade extrema de levar a sério suas contendas. Àquela época, já não seria diferente. Mendes decidiu rumar para o Executivo, o que acabou por interromper sua carreira no Ministério Público”, diz passagem do livro’;
Rubens alega que Gilmar Mendes cita uma passagem que não foi escrita em sua obra: “Sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular”. O jornalista diz que a declaração foi distorcida e retirada do contexto de uma entrevista dada por ele à Carta Capital.
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Absolvição na primeira instância
A disputa judicial entre Gilmar, de um lado, e Rubens e a Geração Editorial, por outro, começou na primeira instância, na qual o autor e a editora saíram vitoriosos. O juiz Valter André de Lima Bueno, da 15ª Vara Cível de Brasília, concluiu que não havia nenhuma informação errada ou falsa e que não existia, em todo o livro, qualquer ofensa ou xingamento contra o ministro.
“O juiz também confirmou que eu tentei, durante vários meses, ouvir o ministro para o livro, mas ele se recusou a me receber em audiência. O ministro teve ampla oportunidade de se manifestar antes da conclusão do livro para oferecer a sua versão sobre os fatos, mas se calou, aguardou o lançamento do livro e abriu uma ação civil para pedir indenização pecuniária por supostos danos morais”, reclama Rubens Valente. Gilmar pedia R$ 100 mil em indenização, mas o juiz mandou o ministro pagar R$ 5 mil de custas processuais.
Gilmar Mendes recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em setembro de 2016, a 6ª Turma do TJDFT reverteu a decisão e condenou Rubens e a Geração Editorial a pagarem R$ 30 mil, cada, ao ministro. O jornalista afirma que jamais foi chamado pelos desembargadores a apresentar qualquer esclarecimento.
“Nunca quiseram sequer um depoimento meu pessoal. Jamais fui instado a apresentar testemunhas ou novos documentos. Jamais manifestaram a necessidade de eu aclarar um ou outro ponto da obra. Jamais recorreram a um perito em português e interpretação de texto”, reclama o repórter.
Na ocasião, porém, o TJDFT negou o pedido dos advogados do ministro para publicar a condenação em revista de grande circulação nacional sob o argumento de que o dispositivo da Lei de Imprensa que previa o direito de resposta havia sido considerado inconstitucional pelo Supremo.
Insatisfeitos com a decisão, tanto Gilmar quanto Rubens Valente e a editora recorreram com recurso especial ao STJ. O ministro pediu, com base no Código Civil, em vez da Lei de Imprensa, que a condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal fosse publicada em novas edições do livro – pedido que acabou sendo atendido. Já o jornalista e a empresa tentaram, sem sucesso, reverter a condenação.
“Peça bizarra”
Em longa nota publicada no Facebook, Rubens Valente diz que está sendo condenado por algo que jamais escreveu. “Para que não reste dúvida, este é o trecho pelo qual estou condenado pelo TJDF: ‘Mendes também enviou uma comunicação à Corregedoria do TRF da 3ª Região, que abriu um procedimento. Trata-se de uma peça tão bizarra, que De Sanctis [juiz da Satiagraha] depois mandou plastificá-la, como recordação’. Onde está a frase ofensiva à honra de Gilmar Mendes?”, questiona.
O jornalista também contesta a isenção do ministro Marco Bellizze, que relatou a ação vencida por Gilmar Mendes no STJ, para julgar o caso. Segundo Rubens Valente, Bellize assinou um manifesto em favor do ministro e já participou de evento patrocinado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual Gilmar é um dos sócios.
O advogado César Klouri, que defende o autor do livro, diz que vai recorrer tanto ao STJ quanto ao Supremo. “A decisão viola a liberdade de expressão de maneira muito ampla e absurda. A obra escrita pelo Rubens Valente simplesmente retrata fatos notórios, ocorridos e amplamente divulgados pela imprensa, de forma compilada. Ele ofereceu espaço para o ministro Gilmar Mendes falar antes mesmo da publicação. Foram várias as tentativas. Ele não quis. Essa decisão é contrária até às próprias decisões do STJ, porque não há ilícito civil, dano moral objeto de reparação. Não é objeto de invencionice ou chacota que tenha ofendido a dignidade do ministro”, contesta o advogado.
Veja a íntegra do texto publicado por Rubens Valente na página de seu livro no Facebook:
“Gilmar Mendes quer que eu lhe pague R$ 100 mil por um livro que não tem nenhum erro, dado falso ou ofensa pessoal. O relator do meu caso no STJ, Marco Bellize, assinou um manifesto em favor do ministro.
Rubens Valente (*)
Há 4 anos, eu e a editora Geração Editorial fomos absolvidos pela Justiça do Distrito Federal em uma detalhada sentença do juiz da 15ª Vara Cível de Brasília, Valter André de Lima Bueno. Após meticulosa análise do livro “Operação banqueiro”, lançado em 2014, o juiz concluiu que não havia nenhuma informação errada ou falsa e que não existia, em todo o livro, nenhuma ofensa ou xingamento contra o ministro do STF Gilmar Mendes. O juiz também confirmou que eu tentei, durante vários meses, ouvir o ministro para o livro, mas ele se recusou a me receber em audiência. O ministro teve ampla oportunidade de se manifestar antes da conclusão do livro para oferecer a sua versão sobre os fatos, mas se calou, aguardou o lançamento do livro e abriu uma ação civil para pedir indenização pecuniária por supostos danos morais.
A conclusão do juiz Valter Bueno é simples e objetiva: “Em síntese, não foi demonstrada a divulgação de informação falsa ou o intuito difamatório nos trechos relacionados na inicial, não sendo o caso, portanto, de acolher a pretensão do autor [Gilmar Mendes]. […] Em nenhum momento pude verificar intenção difamatória nos escritos do autor. O relator limitou-se a narrar fatos, valendo-se, é bom que se ressalte, de poucos advérbios ou adjetivos. De resto, os juízos de valor eventualmente emitidos são absolutamente indissociáveis da atividade de alguém que escreve sobre algo”.
O livro trata de dezenas e dezenas de pessoas, mas apenas uma, Gilmar Mendes, decidiu entrar com ação judicial contra mim e contra a editora. Ele queria receber R$ 200 mil por supostos danos morais. O juiz de primeira instância mandou o caso ser arquivado e estipulou que o ministro deveria pagar R$ 5 mil de custas processuais.
Mas Gilmar Mendes recorreu ao Tribunal de Justiça do DF com exatamente as mesmas reclamações que já pontuavam a petição inicial que fora rejeitada pelo juiz. O advogado Cesar Klouri mostrou, em nossa defesa, o absurdo das alegações, como explicarei adiante.
Desde então, nunca fui ouvido pessoalmente pelos três desembargadores da 6ª turma do Tribunal de Justiça do DF que julgaram o recurso. São eles: Hector Valverde Santana (relator), José Divino (revisor) e Vera Andrighi (vogal). Nunca quiseram sequer um depoimento meu pessoal. Jamais fui instado a apresentar testemunhas ou novos documentos. Jamais manifestaram a necessidade de eu aclarar um ou outro ponto da obra. Jamais recorreram a um perito em português e interpretação de texto. Até que, no dia 14 de setembro de 2016, reuniram-se em uma sala e decidiram nos condenar a pagar R$ 60 mil ao ministro do STF, acolhendo vários dos argumentos que, segundo o juiz de Direito da primeira instância, eram exagerados, equivocados ou simplesmente inexistentes. O ministro queria receber R$ 100 mil de cada um, o TJ baixou para R$ 30 mil de cada um.
O acórdão da decisão no TJ demonstra que houve uma série de discordâncias entre o relator e o revisor. Várias das afirmações peremptórias e conclusões incorretas feitas pelo relator são desmentidas na sequência pelo revisor. O revisor verificou que simplesmente eu nunca escrevi coisas que me foram atribuídas pelo relator. Desafio todos os professores de redação do Brasil a discordarem, por exemplo, que quando escrevi que um documento enviado por Mendes sobre o juiz Fausto De Sanctis foi considerado “bizarro”, eu não estava dizendo que Gilmar Mendes era “bizarro”. O adjetivo está obviamente vinculado ao documento, não à pessoa. Além disso, bizarro significa diferente, fora do comum, não podendo ser confundido com um palavrão.
Para me condenar, o desembargador relator Hector Valverde escreveu que, ao definir o documento emanado por Mendes como “bizarro”, a obra “ultrapassou a informação de cunho objetivo, havendo adjetivação e utilização de frases ofensivas à honra do apelante, mormente em virtude da tentativa de desclassificação de sua atuação no exercício da magistratura”. Onde, senhores, onde?
Até o desembargador revisor concordou que não é nada disso. Ele escreveu: “O fato de haver chamado o requerimento de abertura de sindicância apresentado pelo apelante [Mendes] contra o magistrado Fausto de Sanctis de ‘bizarra’ não constitui categoria de ofensa moral indenizável, pois é dirigida à peça processual e não ao seu subscritor”.
Para que não reste dúvida, este é o trecho pelo qual estou condenado pelo TJDF: “Mendes também enviou uma comunicação à Corregedoria do TRF da 3ª Região, que abriu um procedimento. Trata-se de uma peça tão bizarra, que De Sanctis depois mandou plastificá-la, como recordação”. Onde está a frase ofensiva à honra de Gilmar Mendes?
Curiosamente, o próprio Gilmar Mendes já usou a palavra “bizarra” para se referir a uma decisão de seu colega de Supremo, Ricardo Lewandowski, quando da sessão do impeachment da presidente Dilma no Senado:
http://oglobo.globo.com/…/decisao-que-permite-dilma-ocupar-…
Acusações vazias como essa pontuam toda a peça dirigida por Gilmar Mendes contra a obra. Outro exemplo, a famosa discussão no plenário do STF em que o então ministro Joaquim Barbosa disse que Gilmar Mendes não estava falando com seus “capangas” no Mato Grosso. Ao citar essa discussão na peça contra mim, Gilmar Mendes disse que ela ocorreu no contexto de um debate sobre regime previdenciário, o que meu livro não citou _não citou por ser um dado totalmente lateral. Mas, na decisão do TJDF que nos condenou, a discussão no livro foi “colocada fora do contexto em que efetivamente ocorreu, tem o intuito unicamente de associar a imagem do apelante, de forma negativa, ao ruralismo”.
É, para mim, inacreditável que eu seja condenado por uma discussão acompanhada por milhões de pessoas na TV. Mas foi exatamente que isso ocorreu. Como qualquer criança alfabetizada é capaz de entender, quem associou Mendes ao “ruralismo” foi o ministro Joaquim Barbosa, não eu.
Em outro ponto absolutamente incrível eu estou condenado por algo que eu jamais escrevi. Pode haver violência maior contra um jornalista? Eu provo que não escrevi, e mesmo assim me condenam. Como se diz, processo kafkiano? Gostaria que algum magistrado me explicasse a legalidade de um ato como esse decidido por uma turma do TJDF. Gilmar Mendes alegou, sem juntar qualquer prova, que eu fui responsável por um pequeno texto divulgado pelo site “Portal dos Jornalistas”, um “perfil” sobre mim, no qual há informações curtas sobre o livro “Operação banqueiro”. Eu sequer sabia que havia um “perfil” meu no portal. Somente após a abertura da ação é que tomei conhecimento. Encaminhei ao portal os dados para a atualização e mudança do “perfil”.
Como podia ser facilmente verificado no link hoje desativado, informava-se que a atualização a meu pedido ocorrera em agosto de 2015, portanto depois da ação aberta em 2014 pelo ministro Gilmar Mendes. No texto atualizado já não constava qualquer dos trechos atribuídos indevidamente pelo TJDF para me condenar. A página foi retirada do ar certamente pelo portal: http://www.portaldosjornalistas.com.br/jorna…/rubens-valente
Relatoria
Mostramos no processo no TJDF que o relator do caso, Hector Valverde Santana, tinha ou teve vínculo profissional com o IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), que vem a ser propriedade de Gilmar Mendes. Isso deveria bastar para que o desembargador se abstivesse de atuar no caso, mas não bastou.
Em sua defesa, o desembargador escreveu: “Não reconheço a alegada suspeição, uma vez que não existe o alegado vínculo empregatício com a instituição supracitada”. Ele anexou um ofício assinado por Dalide Barbosa Alves Corrêa, diretora-geral do IDP, mas no documento deixou de salientar o restante da informação prestada por Dalide: um Recibo de Pagamento a Autônomo no valor de R$ 2.640,00 do IDP para o desembargador Hector Valverde. O que confirmou a informação que havíamos trazido ao processo. Segundo Dalide, o desembargador fez uma “prestação de serviços educacionais caracterizada pela eventualidade”. Ou seja, o desembargador pode não ter tido um vínculo empregatício, mas tinha sim um vínculo institucional e foi sim remunerado pelo IDP, como ele próprio informou. Ele recebeu sim R$ 2,6 mil do instituto cujo dono é o autor da ação na qual ele funcionou como relator para nos condenar.
Neste link já retirado do ar (temos a cópia), o desembargador Hector Santana aparecia como integrante do quadro docente do IDP: http://www.idp.edu.br/institucional-rodape/corpo-docente
Em seu currículo Lattes, o desembargador Hector Valverde confirmou, como “vínculo institucional” no ano de 2009, a atividade de professor visitante do IDP. Vejam: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do…
O desembargador informou: “IDP. Vínculo institucional 2009-2009. Professor visitante, Enquadramento funcional: Professor. Carga horária: 4”.
Esses fatos não seriam o suficiente para o desembargador evitar atuar neste caso? Infelizmente não foram, ele se manteve relator e votou pela nossa condenação.
Situação semelhante voltamos a viver nesta semana. Nesta terça-feira (12), uma Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou o nosso recurso e um outro, de Gilmar Mendes. Nós recorremos pela absoluta injustiça da decisão do TJDF, Mendes recorreu para que a indenização fosse aumentada de R$ 60 mil para R$ 200 mil.
Infelizmente tenho a informar que o relator do nosso caso no STJ, o ministro Marco Aurélio Bellizze, também não se declarou eticamente impossibilitado de atuar no caso, muito embora tenha assinado um manifesto pessoal, não institucional do STJ, em defesa de ninguém menos que o autor da ação contra nós, Gilmar Mendes. O manifesto assinado por Bellizze diz que críticas dirigidas por um juiz a Gilmar Mendes representavam “perigoso precedente contra toda a magistratura brasileira e também contra todos os fundamentos do Estado Democrático de Direito”. Aqui a íntegra do manifesto assinado pelo relator:
https://jornalggn.com.br/…/ministros-do-stj-criticam-juiz-q…
Além disso, o ministro Bellizze também participou de pelo menos um evento de peso patrocinado pelo IDP de Gilmar Mendes, um seminário em Lisboa, Portugal. Neste vídeo, o ministro do STJ concede entrevista na capital portuguesa. Ao fundo, o banner do IDP de Gilmar Mendes:
https://www.youtube.com/watch?v=1NTHEHv4grA
A presença de Bellizze como uma das estrelas do “VI Fórum Jurídico de Lisboa 2018” foi anunciada em vários canais de mídia, como aqui:
https://forumjuridicodelisboa.com/palestrantes/
Este é o magistrado que relatou o nosso recurso contra a decisão equivocada do Tribunal de Justiça do DF. Em cortes colegiadas como o STJ, o voto do relator tem grande peso, pois nem todos os ministros têm tempo para avaliar com cuidado as provas de um processo e acabam se fiando na palavra do relator que em tese foi o que mais estudou o assunto. Nesse contexto, quais seriam as nossas chances no julgamento de 12 de fevereiro? A Turma não acolheu nosso recurso.
Considero as decisões do TJDF e do STJ graves precedentes contra a liberdade de expressão, de imprensa e de opinião. A decisão do TJDF diz que nosso livro atingiu a imagem e honra de Gilmar Mendes mesmo que eu não tenha cometido nenhum erro formal e escrito nenhum palavrão contra ele no livro. Já imaginaram quantos jornalistas e autores poderiam ser condenados com esses mesmos pressupostos? Estamos condenados porque em tese atingimos a honra e a imagem de um ministro do STF _homem público, remunerado com recursos públicos originados dos impostos de todos os cidadãos_ simplesmente porque narramos, de forma detalhada, seu papel na anulação da Operação Satiagraha. Papel fartamente documentado, comprovado e publicamente conhecido por milhões de brasileiros.
Um dos pontos atacados por Gilmar Mendes tem a ver com um trecho do livro no qual expliquei que, mesmo tendo relações com advogados que atenderam o banqueiro Daniel Dantas, ele decidiu julgar dois habeas corpus, concedendo ordens de interesse do investigado. A narrativa do livro antecede em muito o caso do empresário Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus” no Rio de Janeiro. Em agosto de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, suscitou à presidente do STF, Cármen Lúcia, duas arguições de impedimento, suspeição e incompatibilidade de Gilmar Mendes, relator de um habeas corpus impetrado por Barata Filho. Um dos pontos levantados por Janot foi o fato de a mulher de Mendes, Guiomar, trabalhar no escritório do advogado Sérgio Bermudes. Esse advogado representou interesses de Barata em diversos processos judiciais.
Janot escreveu: “O fato de Barata Filho e Lélis Teixeira serem clientes do escritório de advocacia em que trabalha a esposa de Gilmar Mendes o torna suspeito/incompatível para atuar como magistrado no caso, principalmente na condição de relator de HC. Por serem clientes, Barata Filho e Lélis Teixeira se tornam devedores da esposa do ministro do STF, ainda que indiretamente, pois ela possui evidentemente participação nos lucros da sociedade advocatícia”.
Mas o que exatamente eu apontei no livro “Operação banqueiro”? As ligações de Mendes com o escritório de Sérgio Bermudes, que havia defendido Daniel Dantas. Escrevi isso três anos antes de a PGR concordar, em outro caso, que é no mínimo um assunto de interesse público e traz à tona a atuação profissional do magistrado. Mas por ter apontado essa relação, eu estou condenado pelo TJDF. Que crime ou erro cometi? Nenhum. Basta ver que a PGR chegou às mesmas dúvidas que as minhas.
Sobre todos os pontos levantados por Gilmar Mendes contra o meu livro, eu tenho a consciência absolutamente tranquila. Não errei, não injuriei, não caluniei nem menti. Aqui volto a lembrar a decisão do juiz Valter Bueno, que efetivamente leu a obra e deu uma decisão corajosa e brilhante.
Se outras pessoas de bom senso e algum conhecimento de Português e Direito também se dispuserem a ler esse processo ficarão espantadas com a quantidade de absurdos engendradas contra mim e a editora Geração Editorial.
Em que pese todo o narrado acima, continuamos acreditando no Judiciário brasileiro e vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal, a “casa” de Gilmar Mendes. Esperamos que o nosso recurso seja ponderado com máximo rigor, que sejam produzidos os levantamentos necessários para o correto julgamento da matéria e acreditamos que a verdade vai prevalecer: o livro não contém nenhuma inverdade, nenhum erro material e nenhum xingamento ou ofensa pessoal a Gilmar Mendes.
(*) Rubens Valente, 49. É jornalista profissional há 30 anos, formado pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), e nunca foi condenado em nenhuma instância do Judiciário até a ação de Gilmar Mendes. Recebeu dois Prêmios Esso, dois Grandes Prêmios Folha de Jornalismo e dois Prêmios de Excelência Jornalística concedida pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e o prêmio do Movimento de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, entre outros. Repórter associado da ‘Folha de S Paulo’ em Brasília, trabalhou no jornal ‘O Globo’ e na imprensa de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.”