Família acusa policial de matar jovem em estrada: ‘Mal conseguia falar de tão bêbado’
Ao avistar um acidente na BR-420, trecho de São Sebastião do Passé, João*, assim como outras pessoas que passavam no local, ficou impressionado com a cena: um motociclista caído no asfalto a cerca de 50 metros da moto, que exibia sinais de uma colisão frontal e fatal.
Mais adiante, ele viu um carro com a frente toda destruída por conta do impacto e pensou: “Esse matou o cara mesmo”. Mal sabia João que o corpo no asfalto era de seu irmão, o pedagogo Denilson Nunes de Santana, 26 anos.
A moto de Denilson foi atingida de frente no dia 24 de março deste ano. Segundo a família da vítima, que só divulgou o caso agora, o GM Celta (JPS-8207) invadiu o sentido contrário da via. O motorista do carro é o escrivão da delegacia de Santo Amaro, José Raimundo Santana Filho, conhecido como Zé Raimundo.
Segundo parentes da vítima, o policial civil estaria embriagado e fugiu do local do acidente com ajuda de terceiros. Apesar de o acidente ter ocorrido em São Sebastião do Passé, a ocorrência foi registrada na delegacia de Santo Amaro, unidade à qual o escrivão é lotado.
Denilson morreu após a moto que pilotava ter sido atingida por carro de policial civil (Foto: Divulgação) |
No entanto, o caso é investigado pela delegada Joana Angélica, titular da delegacia de São Sebastião do Passé. No inquérito que apura o acidente foi anexado um vídeo em que o policial aparece sentado ao volante, ensanguentado e atordoado. Também fazem parte da investigação, imagens tiradas do local do acidente, como uma foto que mostra uma caixa de cerveja dentro do carro do policial.
João contou à reportagem do CORREIO que teve uma espécie de ‘premonição’ antes da morte do irmão. Dois dias antes do acidente, ele teve um pesadelo com um acidente de carro.
“Neste dia, eu acordei assustado. Sonhei que um amigo de Maragogipe tinha morrido em um acidente de carro, uma colisão frontal. Ainda no sonho, eu chegava perto e via que o morto era uma pessoa que só andava de moto e me questionava: ‘Mas como de carro, se ele só anda de moto?’. Quando acordei, fiquei horas com um mal-estar, sem saber o que era. Acho que era um aviso”, contou o rapaz, emocionado.
Acidente
O acidente aconteceu por volta das 16h30 do dia 24 de março, um domingo. Denilson tinha deixado a casa da namorada, em Valéria, bairro de Salvador, e seguia para Maragogipe, onde morava. Segundo os parentes do pedagogo, o Celta vinha fazendo zigue-zague e em um determinado momento, atingiu a moto, uma Honda vermelha, de frente.
“Ele (o policial) estava visivelmente embriagado. Mal conseguia falar de tão bêbado que estava. Soubemos que ele saiu da delegacia e parou em algum lugar para beber antes de pegar a estrada. Por irresponsabilidade, meu irmão está morto agora. Era um rapaz cheio de sonhos. Vivia para estudar. Tinha acabado de passar em um concurso público. Queremos que se faça justiça”, desabafou João.
Denilson se preparava para começar a trabalhar na prefeitura de Cachoeira. Ele tomaria posse no dia 28, quatro dias após sua morte.
Moto de Denilson: atingida por carro de policial |
Parentes de Denilson disseram que após bater na moto, o policial tentou fugir com o carro, mas o motorista de um micro-ônibus o impediu. “Ele (o motorista do micro-ônibus) ficou revoltado com a irresponsabilidade e usou o veículo para bloquear o carro onde estava o policial”, contou João.
Mesmo assim o policial conseguiu sair do local contando com ajuda de terceiros. “Ele fugiu em um carro branco que apareceu lá. Saiu antes da polícia e dos peritos”, relatou o irmão da vítima. Momentos depois, chegaram policiais civis e militares.
Ocorrência
A ocorrência do acidente registrada na Delegacia de Santo Amaro diz que Denilson foi encontrado de bruços às margens da rodovia. O documento ao qual o CORREIO teve acesso resume o acidente na frase “que a motocicleta havia colidido frontalmente com o veículo tipo GM/Corsa”, como se a colisão tivesse sido provocada por Denilson.
Na ocorrência consta ainda que o GM Celta é “de propriedade do escrivão da Polícia Civil José Raimundo, porém não foi possível constatar no momento se era o mesmo que conduzia o referido veículo, pois não havia ninguém no local”.
Outro trecho do documento relata que os veículos não estavam na mesma posição em que aconteceu o acidente, pois “populares já haviam colocado a motocicleta no acostamento e o GM Celta foi encontrado às margens, próximo ao viaduto que liga a BR-420 a BR-324, para evitar outros acidentes”.
Investigação
Apesar de ter sido realizada em Santo Amaro, a ocorrência foi encaminhada para onde de fato o caso deveria ter sido registrado: a delegacia de São Sebastião do Passé.
“As investigações serão dadas continuidade pela Delegacia a qual realmente pertence o fato. Apesar de o fato ter sido registrado em unidade diferente, segue aguardando a emissão do laudo do local do acidente para se dirimir qualquer dúvida, se tinha marca de frenagem no asfalto, quem invadiu a via de quem, os impactos”, declarou a delegada Joana Angélica, titular da unidade de São Sebastião do Passé.
Apontado pela família do pedagogo Denilson Nunes como o responsável pela colisão, o policial proprietário do carro envolvido na colisão esteve na delegacia de São Sebastião do Passé há apenas duas semanas.
“Ele alegou que não veio antes porque não estava se sentindo bem. Primeiro, vamos ouvir as testemunhas e os parentes da vítima. As investigações estão iniciadas. Preciso ainda do laudo pericial, que apontará não só a causa do acidente como outros fatores, se os veículos foram retirados do local, por exemplo. Ele, o policial, será o último a ser ouvido”, disse a delegada Joana Angélica à reportagem.
O CORREIO ligou para a delegacia de Santo Amaro e um policial informou que o escrivão José Raimundo não foi trabalhar nesta segunda-feira, 22, porque está de atestado médico.
Testemunhas fotografaram caixa de cerveja no carro do policial |
Vídeo
Em um vídeo, ao qual o CORREIO teve acesso e foi anexado ao inquérito policial que investiga o acidente, o policial civil José Raimundo Santana Filho aparece sentado ao volante, ensanguentado e atordoado. As imagens foram feitas por populares que tentaram, inicialmente, impedir que o escrivão da delegacia de Santo Amaro deixasse o local da ocorrência.
“As imagens que chegaram à Polícia Civil servirão de orientação para dirimir as dúvidas que poderão existir”, disse a delegada Joana Angélica. Além disso, faz parte do inquérito também as fotos tiradas do local do acidente, entre elas, uma imagem que mostra uma caixa de cervejas dentro do carro usado pelo policial.
“Nós não temos dúvidas de que ele bebeu antes de dirigir, e não foi pouco, e por isso matou meu irmão. Enviamos para a delegada vídeos e fotos que comprovam o estado de embriaguez dele”, declarou João, irmão de Denilson Nunes.