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27 September 2024

Serviço de coleta de lixo entra no radar do MP-BA

Síndico no Residencial Parque Universitário II, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador (RMS), Mário Nobre relembra com surpresa das vezes em que recebeu relatos de aparecimento de escorpiões no terceiro andar de prédios do conjunto. “Imagine um animal desses chegando até uma altura dessas”, conta, com ar de incredulidade.

De acordo com ele, a razão disso não está nas simples habilidades de “escalada” do aracnídeo, e sim na coleta de lixo da cidade. Mário reclama que os bichos aparecem por causa da demora da Jotagê, empresa responsável pelo serviço, em retirar os resíduos descartados pela população. “Isso atrai baratas, principal alimento dos escorpiões”, diz o síndico.

Apesar das críticas que recebe pelo serviço no município, a Jotagê tem contrato de R$ 21,8 milhões com a prefeitura para coleta de resíduos sólidos. A cifra é vultosa, como tem se tornado cada vez mais comum em negócios do tipo.

Mas os valores milionários que municípios baianos têm desembolsado na contratação de empresas com este fim entraram no radar do Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Segundo a coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo (Ceama) do órgão, promotora Cristina Seixas, o combo contratos milionários-fiscalização frouxa do cumprimento deles pelas administrações municipais abre brechas para irregularidades.

Em entrevista ao A TARDE, Seixas afirma que o peso do lixo coletado, parâmetro mais comum usado pelas empresas para cobrança do serviço, é um método “equivocado” e propenso a burlas.

“O problema mais evidente disso é a falta de prestação de contas de quanto de lixo vai para o aterro. O lixo vai molhado, vai misturado. Por que a gente não vê iniciativas para reduzir a produção de lixo? Porque grande parte dos aterros tem concessões privadas que ganham por peso”, aponta.

Cristina Seixas diz que há tendência em privatização no que diz respeito ao saneamento básico – a gestão dos resíduos sólidos está debaixo deste guarda-chuva. Algo que, na avaliação da promotora, pode levar a uma “precarização futura” na prestação do serviço.

“Quando o poder público faz alguma parceria com o particular, não tem essa eficiência na cobrança da prestação do serviço. É necessário que o poder público seja mais responsável quando delega e concede ao particular a realização desses serviços”, cobra a promotora.

Para intensificar a fiscalização do cumprimento dos contratos, o MP-BA tem demandado ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) que adote as medidas necessárias para verificar melhor a prestação dos serviços. Em nota, o TCM disse que tem estudado junto ao MP-BA as ações para fortalecer essa inspeção.

No entanto, destacou que observa, na prestação de contas dos municípios, se os recursos para área têm sido bem aplicados. Quando há suspeita de irregularidades, são abertos termos de ocorrência ou processos de auditoria dos contratos.

O secretário de Meio Ambiente de Simões Filho, Elias Melo, reagiu às declarações de Cristina Seixas. “Nós desconhecemos irregularidades. A promotora deveria esclarecer melhor esse assunto”, sugere. Ele destaca também que o gestor do contrato com a Jotagê e fiscais da prefeitura fazem aferição da pesagem do lixo que chega ao Aterro Metropolitano Centro, onde é feito o descarte.

Aditivo

Em dezembro do ano passado, um aditivo ao contrato com a Jotagê gerou polêmica na cidade. A prefeitura acrescentou R$ 1,4 milhão ao valor total do negócio, elevando o total a quase R$ 22 milhões. A empresa alegava que as falhas na coleta aconteciam porque a cifra anterior era insuficiente.

A TARDE visitou bairros na zona urbana do município. Diferentemente do que se vê nos distritos mais distantes, a sede do município encontrava-se com as ruas limpas, lixeiras plásticas instaladas nos postes, garis varrendo as vias públicas. Mas nem sempre foi assim.

Várias manifestações foram feitas pela população de janeiro a julho do ano passado reivindicando melhorias no serviço. “Já foi bem pior. O mau cheiro causava ânsia de vômito. O centro da cidade era um lixão a céu aberto”, conta o mototaxista Joseilton Barros, 57 anos.

A gari Cristina Batista, 42 anos, diz que a situação melhorou com o contrato atual. “Teve um aumento no número de trabalhadores. Agora há uma cobrança maior por parte da empresa e da prefeitura para que as ruas fiquem sempre limpas”, avalia Cristina.

A reportagem também visitou bairros da periferia, onde se encontravam lixeiras instaladas e contêineres de ferro, onde os moradores depositam os sacos de lixo. “A coleta acontece regularmente. A instalação do contêiner ajudou bastante. Antes, jogávamos o lixo aí mesmo, na margem da rua. Pelo menos diminuiu a sujeira que ficava aí, atraindo moscas e ratos”, ressalta a pequena comerciante Simone Soares, do Conjunto Palmeiras.

Sem plano

A cidade ainda não tem plano de gestão integrada de resíduos sólidos nem de saneamento básico. Os dois estão em fase inicial de elaboração, segundo a prefeitura. O MP-BA abriu dois inquéritos para acompanhar a situação. Para a promotora de Meio Ambiente da cidade, Patrícia Ramos, há “morosidade” da gestão em relação aos planos.

POVOADOS TAMBÉM ENFRENTAM PROBLEMAS COM COLETA DE LIXO

Por causa do mau cheiro e do excesso de moscas, o ex-operário da fábrica Poty Manoel dos Santos, de 64 anos, fechou seu pequeno comércio, localizado no povoado Palmares. Ele vendia almoços, lanches, sucos e refrigerantes, mas, devido às falhas no sistema de coleta de lixo, teve que desativar seu pequeno comércio  às margens da Av. Poty. A  20 metros de onde o seu estabelecimento  está localizado fica um ponto de coleta de lixo. “Os fregueses reclamavam muito do fedor e das moscas. Era um mau cheiro arretado. Quem vai comprar em um local assim? Fica difícil, né?”, desabafa ele.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Elias Melo, diz que não eram de conhecimento da pasta os problemas do povoado Palmares e que uma equipe de técnicos da prefeitura seria enviada para verificar e solucioná-los.

Mas a dona de casa Maria Cleusa, 50 anos, lembra que esta situação já perdura por dois anos. “Tinha uma  caixa de madeira para o depósito do lixo. No início do ano passado, retiraram e não colocaram outra no lugar”, relata. Ela  destaca ainda que todos os moradores jogam lixo nesse ponto de coleta. Sem o contêiner, os cachorros rasgam os sacos e o vento espalha sujeira pela rua. “Os garis não juntam o lixo que está fora dos sacos. Toda a sujeira fica aqui. Precisamos de uma solução. O sentimento é que fomos abandonados”, reclama a dona de casa.

A TARDE procurou o diretor da  Jotagê Engenharia, Jorge Goldenstein, mas a empresa respondeu apenas por nota,  apontando que os contêineres são instalados de acordo com a demanda e em concordância com a prefeitura.

Falha na coleta

Já na comunidade Santo Antônio do Rio das Pedras, além da falta de contêineres para  depósito do lixo, os moradores denunciam que há falha na coleta. “O carro deveria passar às segundas, quartas e sextas-feiras. Mas tem dias desses que não aparece por aqui. O lixo fica jogado na rua. Essa situação é revoltante”, dispara a estudante Midiã de Jesus, de 20 anos.

O morador Jurandir Araújo, 44 anos,  avalia que há um descaso do poder público com a comunidade. “Gasto boa parte do meu salário com a compra de sprays para matar insetos e de  veneno para ratos”, ressalta. “Estamos esquecidos aqui. Ninguém olha por nós”, lamenta.

Jurandir Araújo aponta lixo na rua, destacando descaso com população | Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE
Jurandir Araújo aponta lixo na rua, destacando descaso com população | Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE

Questionada se há falhas na coleta na comunidade de Santo Antônio do Rio das Pedras, a empresa Jotagê Engenharia limitou-se a responder que a coleta é realizada às segundas, quartas e sextas-feiras, entre 14 horas  e 16 horas.

O secretário municipal Elias Melo avalia que problemas na coleta de lixo podem acontecer, mas que a prefeitura atua para melhorar o serviço. Enfatiza que 12 novos conjuntos habitacionais foram construídos nos últimos anos em Simões Filho, o que levou a um aumento da população da cidade em 25%, na última década.

Ainda de acordo com o secretário, a maioria dos condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida foi construída na comunidade de Santo Antônio do Rio das Pedras e a prefeitura ainda não conseguiu resolver 100% os problemas do lixo na comunidade, de forma a atender à demanda.

Sobre falhas por parte da empresa coletora, o secretário afirma que, caso a Jotagê Engenharia não cumpra com os seus deveres, será notificada e autuada, conforme estabelecido em cláusulas contratuais. Garante, também, que uma equipe técnica, do quadro efetivo da prefeitura, realiza visita às comunidades para analisar a qualidade do serviço de coleta de lixo.