Data de Hoje
30 September 2024

Carteiras de estudante rejeitadas colocam entidade sob suspeita

Após serem impedidos de pagarem meia-entrada em estabelecimentos culturais com a carteira de estudante emitida pela Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas de Salvador (Ames Salvador), estudantes relatam que documento adquirido ao preço de R$ 15 é inválido. A Ames Salvador se defende e afirma que possui respaldo jurídico.

Apesar da afirmativa, a entidade não possui Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), documento importante nos procedimentos de validação da identificação estudantil. De acordo com a Lei 12.933/13, lei da meia-entrada, o padrão nacional único da carteira de identificação estudantil (CIE) é fixado por entidades estudantis nacionais.

Ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) compete a certificação digital do documento. Esse certificado possui um conjunto de informações codificadas sobre o estudante, o chamado certificado de atributos, que, de acordo com a portaria nº 78 do ITI, deve ser emitido por entidade estudantil que atue como pessoa jurídica.

Celulares são usados para verificar as carteiras por meio do QR Code
Celulares são usados para verificar as carteiras por meio do QR Code

Um dos coordenadores da Ames Salvador, Vitor Aicau, afirma que a instituição possui CNPJ ativo e que a reportagem poderia adquirir mais informações sobre isso com o contador da entidade, Bruno Tito. Esse, por sua vez, afirmou que, no momento, a entidade não possui CNPJ e que o documento está em fase final de constituição. “Hoje, o processo de CNPJ está em tramitação e deve está pronto dentro de uma semana”, afirma Tito.

Em meio à discussão, o estudante Bruno Muniz, 19, afirma que foi impedido de pagar meia-entrada no cinema do Shopping Paralela, em março, sob alegação de invalidade da carteira da Ames Salvador. “A carteira de estudante era de papel e estava plastificada. A atendente disse que o QR Code (código com informações pré-estabelecidas) não funcionava. Foi constrangedor. Achei o preço muito barato e decidi fazer o documento. Também vi outras pessoas reclamando que era de papel. Eu não denunciei, pois não tenho tempo para ficar nessa briga”, diz.

Vitor rebate as denúncias e afirma que a entidade estudantil não recebeu nenhum tipo de denúncia nesse sentido. “Se não fosse válido, teríamos recebido denúncias. O nosso cartão é em PVC, possui QR Code. Para emitir carteira estudantil, a entidade precisa ter vínculo com o estudante. Eles devem acreditar que a entidade luta pela causa. A Ames surgiu em 2016, como um movimento de baixo para cima, em contraponto ao movimento estudantil engessado que há em Salvador”.

Checagem

Ao mesmo tempo, o coordenador da União Estadual dos Estudantes (UEEs), Gilcimar Brito, que afirma ter recebido cerca de 60 estudantes que tiveram algum problema com cartão da Ames Salvador, este ano, acredita que muitos estudantes conseguem usar a carteira de estudante e pagar meia-entrada com o documento da Ames Salvador, pois os estabelecimentos comerciais não agem de maneira que deveriam.

“Os estabelecimentos não fazem a parte deles. Se fizessem a leitura completa do documento, QR Code, banco de dados, site da própria entidade e analisassem o certificado de atributos a coisa seria diferente. Qualquer estudante de computação faz um banco de dados, mas e a parte da burocracia? Do certificado de atributo? É o certificado que dá legalidade jurídica ao documento”, critica.

De acordo com a Portaria 78, os certificados de atributos gerados deverão estar disponíveis em banco de dados para validação. “A especificação simbológica do QR-Code deverá remeter ao endereço de internet que proverá acesso ao banco de dados para possibilitar a obtenção do certificado de atributo associado à CIE emitida, que deverá ser validada por aplicação eletrônica”, detalha a portaria. No caso da Ames Salvador, o QR Code direciona para um banco de dados com informações do estudante, mas sem o certificado de atributo.

PREÇOS VARIAM ENTRE AS ENTIDADES

A emissão de carteira estudantil pode ser realizada por meio de entidades nacionais, a exemplo da União Nacional dos Estudantes (Une), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), via internet, ou diretamente por meio de entidades estudantis em nível estadual e municipal, diretórios centrais dos estudantes (DCEs) e centros e diretórios acadêmicos.

A ação direta de inconstitucionalidade (Adi) 5108, de 2016, tirou a obrigatoriedade das entidades estudantis estaduais e municipais estarem vinculadas às nacionais. A emissão de carteiras é uma das principais bases de aquisição econômica das entidades estudantis. Nesse sentido, recai uma outra questão: o preço da  emissão dos documentos. No âmbito nacional, a carteira custa R$ 35 mais frete. No âmbito regional, os preços variam. Com base nisso, Vitor acredita que as acusações tem por fundamento briga de mercado. “Nós não lesamos o bolso do estudante. Achamos que o preço de R$ 15 é justo”, ressalta.

Em contrapartida, Gilcimar retruca ao destacar que, se a Ames Salvador atuasse com todas as exigências legais não teria como garantir o preço de R$ 15. “Também queremos preços baixos. A diferença é que nós temos custos. Pagamos o escritório, advocacia, escritório de contabilidade. Temos despesas e mantemos todas as documentações e obrigações legais em dia. Não se trata do valor da carteira, mas quando você não tem nenhuma dessas obrigações naturalmente o valor da carteira é baixo”, afirma o coordenador da UEEs.

UEEs fez boletim de ocorrência por uma suposta tentativa de clonagem
UEEs fez boletim de ocorrência por uma suposta tentativa de clonagem

A movimentação econômica das entidades estudantis é variável e depende de cada entidade, de quantas carteiras fazem, se tem outras fontes de financiamento. Em 2018, a UEEs movimentou cerca de R$ 25 mil, de acordo com Gilcimar. Também representante da Ames Salvador, Augusto Mateus Souza não soube especificar  quanto foi a movimentação econômica da entidade e que a Ames Salvador confecciona uma média de 40 carteiras por dia

*Sob supervisão da jornalista Hilcélia Falcão