Data de Hoje
28 September 2024

‘Nosso governo não é antidemocrático”, afirma Mourão

O presidente da República interino, Hamilton Mourão, almoçava, na última quarta-feira, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentando solucionar a crise com o então secretário da Receita, Marcos Cintra, quando o presidente Jair Bolsonaro telefonou e resolveu a questão. Cintra estava fora do governo. A cena relatada por Mourão mostra algo que, na avaliação do vice-presidente, vale para o todo o governo: “Uma coisa que todo mundo precisa entender é:  Quem é o decisor? O presidente Jair Bolsonaro. A gente pode ter um monte de ideias, mas a palavra final é dele”, diz com a mesma tranquilidade com que se refere ao clima seco em Brasília.O fato de o presidente ter a palavra final, diz Mourão, não pode ser confundido com um governo autoritário: “Nosso governo não é antidemocrático”. Tampouco passar a ideia de que há espaço para qualquer atitude de confronto em relação aos outros poderes, por mais que os tuítes de Carlos Bolsonaro possam sugerir algo nesse sentido. “Se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, alguém estaria dando bola? Ninguém. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e é vereador do Rio de Janeiro, o pessoal diz: “oh, meu Deus do céu, a família Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil”. Não é assim.

Nos 40 minutos em que recebeu a reportagem do Correio, ele foi incisivo ao dizer que as Forças Armadas nunca quiseram ter protagonismo no governo e, àqueles que temem riscos de retrocessos na democracia, avisa: “Não há espaço para isso”. Adepto das franquezas no trato, o general é ainda mais direto quando se refere à questão da Amazônia. “A gente terminou reagindo com o fígado em vez de reagir com a razão”, admite.

No cargo de presidente interino, enquanto Bolsonaro se recupera de uma cirurgia de hérnia, Mourão segue despachando em seu gabinete no anexo II do Palácio do Planalto, onde recebeu o Correio na última sexta-feira. Na entrevista, discorre com naturalidade sobre diversos temas. Sobre eventuais erros de Bolsonaro, no entanto, ele evita comentar: “Não compete a mim, publicamente, tecer críticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso”.

“Se o presidente for candidato à reeleição e quiser que eu vá com ele, muito bem. Se ele precisar de outra pessoa para compor uma chapa mais forte, ok”(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Será um desafio para o governo sair desse constrangimento a que o país foi colocado em relação a Amazônia? Às vezes por causa de declarações mal-entendidas lá fora, ou respostas atravessadas de lá de fora… Como o senhor vê essa questão que vai ser objeto de discussão na ONU?

Vamos buscar fazer uma análise bem fundamentada. O mundo inteiro, já de algum tempo, está com os olhos postos na Amazônia. Ao longo dos últimos 20 anos, houve, realmente, uma visão mais profunda sobre o papel da Floresta Amazônica em relação ao clima mundial com teses, às vezes, corretas e, outras, totalmente estapafúrdias, como aquela que diz que a Amazônia é o pulmão do mundo. Algo que foi comprovado: que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Praticamente 50% do bioma da Amazônia é área preservada. Ou é área de proteção ambiental ou é terra indígena, que, em tese, tem que permanecer intocada. Então, compete ao governo, por meio dos seus órgãos de fiscalização impedir que essas áreas sejam exploradas de forma ilegal. A área de proteção ambiental, em hipótese alguma, e a terra indígena têm que ser de acordo com os desejos dos índios que habitam cada uma dessas regiões.  Bom, então 50% preservados. Nos outros 50%, apenas 20% podem ser explorados, de acordo com nossa legislação ambiental. Aí vamos para a questão das queimadas. Todo ano tem 7 de setembro. E todo ano em agosto, setembro e outubro o pessoal derruba árvore e queima porque é uma forma, digamos assim, tradicional de preparo da terra naquela região, uma forma errada. Então, o governo tem que se preparar, explicar por que essas coisas ocorrem e, dentro da nossa capacidade, buscar impedir que essas queimadas ocorram.  E aí tem que haver o quê? A assistência técnica, rural, de modo que esse produtor que aprendeu com o avô, com o pai, mude a forma. E óbvio, existem, também, na Amazônia, três figuras que são complicadas: o madeireiro, o grileiro e o garimpeiro. Então temos que buscar formas para que a população que já se estabeleceu naquela região tenha o seu sustento sem comprometer a biodiversidade, sem comprometer a integridade da floresta e o país tem que buscar as formas mais corretas. Temos uma legislação e temos que buscar fazer cumprir a legislação. O próprio ministro Ricardo Salles, agora em uma entrevista recente, reconheceu que nos comunicamos mal a respeito desse assunto. A gente terminou reagindo com o fígado em vez de reagir com a razão.