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28 November 2024

E Agora, Brasil?: ‘Não há espaço político para retrocesso no combate à corrupção’, diz Moro

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, defendeu ontem que os diferentes projetos que tratam da execução da pena após a condenação em segunda instância evoluam de maneira simultânea no Congresso. Os textos em tramitação propõem a alteração para permitir prisão após a condenação em segundo grau por vias diferentes: mudança no Código de Processo Penal (CPP) ou emenda à Constituição. Moro participou do seminário “E Agora, Brasil?”, organizado pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, com o patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado vai analisar na semana que vem uma proposta que prevê alterações no Código de Processo Penal. Um projeto de lei precisa de maioria simples, em votações na Câmara e no Senado, para ser aprovado. Já a CCJ da Câmara aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera o formato de recursos que chegam aos tribunais superiores, possibilitando a prisão após a decisão em segunda instância. O rito de uma PEC, no entanto, é mais demorado: o texto precisa do aval de três quintos dos deputados, além de ter de passar, antes, pela comissão especial instalada ontem na Casa.

— É uma decisão que cabe ao Congresso. Vai depender da formação da maioria política para um (projeto) ou outro. Entretanto, não são mutuamente excludentes. Nada impede que se aprove o projeto de lei, que tem a vantagem de ser mais rápido, e, concomitantemente, tramite a Proposta de Emenda Constitucional, que é mais lenta, mas é mais difícil de, eventualmente, ser derrubada. Há certo sentido de urgência que justificaria, na minha opinião, que se seguisse os dois caminhos — disse Moro.

O ministro evitou entrar em confronto direto com o Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente reviu o entendimento que vigorava desde 2016 e passou a proibir a prisão após a sentença de segundo grau. Moro, no entanto, classificou a mudança de posição como um revés. O titular da Justiça tem atuado junto a deputados e senadores com o objetivo de acelerar o andamento das propostas que possibilitariam a execução antecipada da pena.

— Respeitamos o Supremo Tribunal Federal, só achamos que essa não é a melhor solução para o país. Após o precedente do Supremo, algumas pessoas que estavam condenadas, cumprindo pena em segunda instância, estão sendo colocadas em liberdade. Não são só casos de corrupção, há casos graves de assassinatos, por exemplo. É importante que recuperemos a execução em segunda instância — afirmou o ministro.

Segundo Moro, o fato de cinco ministros do STF terem defendido que a atual redação da Constituição já permitiria a prisão antes do trânsito em julgado, sem ferir a presunção de inocência, demonstra que o Congresso poderia fazer a mudança via projeto de lei. Ele também levantou a hipótese de a própria Corte alterar novamente o entendimento, depois da aposentadoria dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.

— Dois magistrados que votaram pela exigência do trânsito em julgado podem se aposentar nos próximos anos, então existe a chance pela mudança de composição da Corte — avaliou Moro.

O ministro defendeu a execução após segunda instância como uma forma de combater a impunidade, diminuir a reincidência, além de trazer resultados mais efetivos para a segurança pública. Moro citou o caso do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que já havia sido investigado por corrupção nos anos 1990, mas só foi preso em 2017, depois que a Polícia Federal apreendeu R$ 51 milhões em espécie em um apartamento vinculado a Geddel.

— Ele (Geddel) foi investigado na década de 1990 pela CPI dos Anões do Orçamento. Aliviaram para ele, não foi punido. Qual foi a consequência? Em 2017, apareceu o apartamento dos R$ 50 milhões. O pessoal diz: “Ah, mas a pessoa custa muito para o Estado”. Sim, mas e o criminoso solto? Difícil estimar. No caso do Geddel Vieira, pelo menos R$ 50 milhões, mas acredito que deve ter custado bem mais — comparou Moro.

O ministro acrescentou que não acredita na chance de retrocessos no combate à corrupção, como ocorreu na Itália após a Operação Mãos Limpas, e citou como um dos motivos a atenção que a população passou a dedicar ao assunto.

— Não vejo espaço político para retrocessos significativos, ainda que possam ocorrer reveses momentâneos. Vejo, por exemplo, o movimento de congressistas para restabelecer a execução em segunda instância. Temos mais motivos para ter boas expectativas.

Moro disse também que não vê a possibilidade de que ocorram grandes manifestações no país, acompanhando o movimento que acontece no Chile:

— Não vejo no cenário brasileiro a ocorrência de episódios como temos visto em outros países. No Chile, também não se via essa perspectiva e elas ocorreram, mas a situação do Brasil parece bastante diferente.