Dez falas de Mandetta que desafiaram Bolsonaro em meio à crise política do coronavírus
Uma sequência de falas dissonantes em relação às posições do presidente da República marcou o caminho do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, até a iminente demissão. Enquanto o discurso de Jair Bolsonaro passeou nas últimas semanas entre o negacionismo e a aposta na cloroquina, o ministro apertou a fala em defesa da ciência e do isolamento social como forma de conter o avanço da pandemia.
Com a condução da crise aprovada por mais de 70% dos brasileiros, segundo as pesquisas – o dobro da aprovação do presidente – Mandetta se sentiu mais à vontade para traçar no Ministério da Saúde uma narrativa paralela à do presidente. O resultado é a crise política mais insensata dos últimos tempos, em que vemos o presidente contrariar recomendações feitas pelo ministro que ele mesmo nomeou. E que, portanto, o representa.
Separamos algumas das frases de Mandetta que desafiaram a posição de Bolsonaro nas últimas duas semanas, e que mostram o afastamento entre o ministro e o presidente. São 10 falas, em que as posições de Mandetta e Bolsonaro se afastam.
As primeiras, no dia 28 de março, ocorreram após as carreatas feitas em diversos pontos do país para estimular a “volta à normalidade”, que tiveram o apoio do presidente. Bolsonaro chegou a compartilhar imagens da carreata em Balneário Camboriú, que ocorreu dois dias antes. Mandetta foi crítico ao movimento durante a fala que fez para marcar os primeiros 30 dias da pandemia no Brasil.
Em 30 de março, Bolsonaro já havia assumido a posição de franco atirador em relação aos governadores. O presidente adotou a narrativa de que os governadores serão responsáveis pela recessão pós-pandemia, e passou a defender a tese de “isolamento vertical”, para que as pessoas saudáveis voltassem ao trabalho. Mandetta, no entanto, defendeu as medidas tomadas pelos estados em coletiva de imprensa.
Ainda em defesa das medidas de isolamento social, no dia 3 de abril o ministro voltou a pedir que as pessoas sigam as determinações dos governadores em coletiva de imprensa. E apontou para a gravidade da pandemia.
A esta altura, incomodado com a insubordinação do ministro, e com o protagonismo de Mandetta, Bolsonaro já havia transferido os boletins diários sobre a pandemia para dentro do Palácio do Planalto, para que a Saúde dividisse a narrativa com outras pastas.
A situação com o ministro já estava insustentável para o presidente, que no dia 5 de abril disse a apoiadores que pensava em demitir ministros que “viraram estrelas”. No dia seguinte, vazou a notícia de que Mandetta seria demitido e substituído pelo ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra. Uma reunião ministerial foi convocada no fim da tarde, e Mandetta não participou da coletiva de imprensa diária sobre a situação da pandemia.
Nos bastidores, o núcleo militar trabalhou pela permanência do ministro no governo, avaliando que a saída dele traria, naquele momento, prejuízos à imagem de Bolsonaro. Mais tarde, Mandetta veio a público para dizer que permanecia no cargo. E alfinetou o presidente.
Abertamente contrário à condução que a equipe do Ministério da Saúde dá à pandemia, Bolsonaro passeia pelas ruas de Brasília, toca em apoiadores e causa aglomerações – tudo o que o órgão federal não recomenda. Em um vídeo publicado nas redes sociais, o ministro não cita o presidente diretamente, mas fala sobre atos e consequências.
Em visita a um hospital de campanha em Goiás, na companhia do presidente Jair Bolsonaro – que voltou a desrespeitar as recomendações do próprio Ministério da Saúde, causando aglomerações – Mandetta disse que as pessoas lamentariam mais tarde por não terem levado a sério as orientações de isolamento. E deu a entender que o presidente estava incluído.
A gota d´água: no domingo (12), em entrevista ao Fantástico, na rede Globo, o ministro reclamou dos “sinais opostos” nas mensagens que o governo federal traz à população brasileira. E fez críticas ao comportamento do presidente, sem citá-lo diretamente.
Na segunda-feira, Mandetta teria dito que se arrependeu das afirmações e admitido que foi longe demais. O episódio o fez perder o apoio dos militares, que foi fundamental em sua manutenção no cargo, a despeito de discordar do presidente da República. A ala militar do governo teria visto a atitude como insubordinação, um erro imperdoável.
A demissão de Mandetta é considerada como certa no Palácio do Planalto. O presidente estaria em busca de um nome para substituí-lo, e o ministro confirmou na coletiva de imprensa de quarta-feira (15) que se comprometeu a ficar até que o novo comandante da Saúde se apresente. A expectativa é que a demissão ocorra ainda esta semana.