Aras blinda Bolsonaro e enfrenta reação da Lava Jato e de outros procuradores
Procuradores e ex-procuradores ligados à força-tarefa da Lava Jato engrossam as críticas feitas por outros membros do Ministério Público ao atual procurador-geral da República, Augusto Aras. Na avaliação das fontes ouvidas pelo Congresso em Foco, a atuação do PGR mira exclusivamente o benefício próprio – mais precisamente, uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Com essa nomeação em mente, sustentam os críticos, Aras tem sido omisso e promovido o aparelhamento do Ministério Público para atender a interesses do governo federal.
As críticas também são feitas por procuradores que sempre atacaram a Lava Jato. A atuação do procurador-geral, neste caso, é rechaçada tanto pelos chamados lavajatistas quanto pelos antilavajatistas.
Para Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador aposentado e antigo membro da Lava Jato em Curitiba, a gestão de Aras desarmou o sistema de investigações de combate à corrupção que havia na procuradoria. “O PGR está entregando aquilo pelo qual ele foi escolhido. Tem cometido uma série de erros na condução”, avalia.
Segundo ele, as articulações de Aras para chegar ao STF são um jogo complexo. “Ao mesmo tempo ele precisa agradar dois senhores: o presidente para ser indicado e o Congresso para não ser rejeitado. Acredito que nesse aspecto ele tem condições de atingir o objetivo porque o jeito de agradar tanto um quanto outro é não fazer nada e acho que é exatamente isso que ele vai fazer, vai continuar na posição de omissão”.
Outro integrante da Lava Jato ouvido sob condição de anonimato pelo Congresso em Foco aponta que após ter assumido o cargo de PGR, Aras mandou, por meio da sub-procuradora Lindora Maria Araújo, um ofício circular para as procuradorias dos estados para que o mantivesse informado sobre notícias de ilícitos envolvendo governadores.
“Isso é óbvio, remeter para lá as notícias. O que aconteceu é que estava proativamente colhendo informações para uma ação específica, algo intencional, planejado, fora do padrão”, diz a fonte.
“Todo mundo sabe que Raquel [Dodge] deixou sem assinar casos denunciáveis contra alguns figurões. Diz-se que a denúncia de Rodrigo Maia está lá na mesa dele parada há meses. Coincidentemente, Rodrigo Maia está pianinho. Torço para que não, mas receio que algo ruim possa estar acontecendo aí”, comenta.
Por meio de sua assessoria, Aras informou que o ofício não foi para que as Procuradorias “mantivessem a PGR informada”. “O ofício foi para que as Procuradorias remetam à PGR os procedimentos envolvendo governadores de Estados que indiquem a existência de ilícitos. Nos termos do artigo 105 da Constituição, compete somente ao procurador-geral da República processar os governadores perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, disse.
“Qualquer expediente (representação, notícia de fato) que aponte ilícitos de governadores deve ser encaminhado à Procuradoria-Geral da República para análise da dra. Lindora Maria Araújo, responsável pelas ações penais no STJ”, complementou Aras.
Segundo o procurador-geral, o envio do ofício se deu após informações de arquivamentos, na primeira instância, de procedimentos que noticiavam crimes envolvendo governadores, sobretudo relacionados à aplicação de verbas para o combate à covid-19.
Atuação da Lava Jato
A saída do Moro também teria impactado o ânimo de Aras em relação à Lava Jato. Na avaliação de Carlos Fernando, Aras pode ter se arrependido de ter pedido a abertura de inquérito no STF porque “de certa forma, há pessoas o culpando por ter perdido o controle dessa situação, passando o controle para o STF”.
Na visão do procurador aposentado, o inquérito não deve ir adiante. “Ele não vai tomar nenhuma atitude realmente em relação ao Bolsonaro porque ao que tudo indica o objetivo dele é a cadeira no Supremo.”
Outro lavajatista ouvido pelo Congresso em Foco afirma que Aras não atrapalhou a Lava Jato, mas também nunca apoiou a operação. As posições tomadas pelo procurador-geral têm incomodado a maioria dos procuradores, “menos os ideologicamente cegos de direita”, conforme definiu um deles.
Questionados se acreditam que Aras tem um perfil próximo ao do ex-PGR Geraldo Brindeiro, lembrado como “engavetador-geral da República” nos anos 1990, os procuradores são taxativos: ele engavetava, mas não fazia perseguição. “Parece coisa de várzea, difícil de acreditar. Se (e digo se) o que houver for uso da máquina para perseguir, é pior com certeza. Com o tempo, a depender do quanto for explícito e do quanto as informações se espalhem, é mais preocupante”, diz a fonte.
Carlos Fernando Lima aponta que atualmente a instituição está mais forte e pondera que Aras tem muito mais investigações na mão do que o antes. “A Lava Jato está lá, mas ele vai fazer isso [engavetar] com parcimônia, sem alarde e sem pressa. Se não vai ser o engavetador, vai ser o procrastinador da República.”
Críticas à esquerda
Aras também enfrenta críticas à esquerda, inclusive de procuradores contrários à Lava Jato. Eugênio Aragão, membro do MP até 2017 e ex-ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff, é contundente: “No início eu disse que a escolha dele foi legítima [por não integrar a lista tríplice da ANPR]. Agora, o Bolsonaro escolhe alguém à sua imagem e semelhança, a escolha dele não podia ser de um cara bom.”
Mesmo desagradando a diferentes alas da procuradoria, Aragão não acredita em uma rebelião da classe, mas avalia que os “lavajatistas” devem dar mais trabalho a Aras. “Eles estavam perdidos porque de certa forma tinham apoiado o Moro, mas quando ele foi para o ministério, eles esperavam que o Bolsonaro teria consideração pelo MP, mas ele vai lá e coloca o Aras lá e trai o MP”.
Por um lado, diz o ex-ministro, eles não podiam se manifestar porque o Moro estava no governo e, por outro, porque Bolsonaro tinha nomeado Aras fora da lista tríplice fechada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), seguida pelos ex-presidentes Lula, Dilma e Michel Temer. “Essa situação agora clareou no momento da saída do Moro e todos eles viraram antibolsonaristas. Agora eles se tornaram mais ousados em relação ao Aras. Acho que com a saída do Moro ele terá mais trabalho com essa turma. E, por isso, talvez o Aras não pegue pesado com o Moro, porque sabe que vai ter dor de cabeça”, diz.
Outro integrante do Ministério Público Federal afirmou ao Congresso em Foco em condição de anonimato que Aras sempre priorizou sua bem-sucedida carreira de advogado na Bahia, que acumulou – com respaldo da lei – com a atuação como procurador da República. Mesmo assim, segundo esse interlocutor, ele nunca escondeu dos colegas que o grande sonho de sua vida era ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Essa foi a carreira dele, falando aquilo que o freguês quer ouvir. Na época do PT era aquilo e hoje é isso. E ele só tem um sonho na vida dele que é ser ministro do STF e fará tudo para chegar lá. No momento em que Bolsonaro está forte, ele está ao lado do presidente, mas se Bolsonaro se enfraquecer e ele começar a ver que não tem chance de sobrevivência, rapidamente vai criar um protagonismo do outro lado. Se ele vir que a vaga vai ser distribuída pelo vice, ele rapidamente vai fazer o papel de derrubar o Bolsonaro”, avalia.
A posição de Aras
Em resposta às críticas dos procuradores, Augusto Aras afirmou que seu compromisso é “cumprir o biênio conferido ao procurador-geral da República com seus grandes desafios e múltiplas funções. Entre elas, chefiar o Ministério Público da União e presidir o Conselho Nacional do Ministério Público.”
O PGR diz ainda que seu empenho, neste momento, “está centrado no enfrentamento à epidemia da covid-19 e na preservação da ordem jurídica que mantém a democracia participativa em nosso país.”
Com relação ao processo do ex-ministro Sergio Moro, o PGR defendeu que “se não quisesse investigar, não teria pedido abertura de inquérito. Todas as diligências apontadas pelo ex-ministro como sendo necessárias para elucidar os fatos foram prontamente solicitadas ao Supremo Tribunal Federal e estão sendo acompanhadas pela equipe da PGR.”