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25 September 2024

Pandemia obriga venda de imóveis, e placas de “vende-se” se acumulam na capital

A pandemia apertou o orçamento de muitos brasileiros, que passaram a usar das mais diversas alternativas para pagar as contas com mais tranquilidade. Ter mais dinheiro nesse momento de crise foi um dos motivos que fizeram o funcionário público Roberto, 50 anos, vender sua casa em Vilas do Atlântico. Ele não é o único. De acordo com o Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Bahia (Creci-BA), a quantidade de imóveis usados postos à venda aumentou em 20% desde abril.

Segundo o diretor de Patrimônio do Creci-BA, José Alberto de Vasconcellos, são imóveis de 2 e 3/4, entre R$ 200 mil e R$ 800 mil, nos principais bairros comerciais como Costa Azul, Pituba, Itaigara, Barra, Brotas e Imbuí.

Alguns proprietários são empresários que estão com os seus negócios parados e precisam de dinheiro para pagar as dívidas que já tinham e os débitos que surgiram com a pandemia. “A grande maioria quer usar o dinheiro para manter suas empresas durante a pandemia, como se fosse um capital de giro”, disse Vasconcellos.

Ele destacou outros fatores que alavancaram a oferta de venda de imóveis em Salvador. “As pessoas estão sem empregos e, por isso, querem vender para morar no interior, onde o custo de vida é menor e tem onde ficar na casa de parentes. Outros estão vendendo para ir morar de aluguel”, relatou Vasconcellos.

Segundo o diretor do Creci-BA, os bairros mais tradicionais, como Pituba, Imbuí e Brotas, possuem mais imóveis disponíveis. “Esses bairros são maiores e também são bairros bem localizados”, disse.

Preços
Roberto já pensava em vender sua casa em Vilas do Atlântico antes da pandemia para se mudar para um imóvel menor. O fator decisivo não foi só a necessidade de fazer uma reserva, mas também a oportunidade de comprar uma casa por um valor mais baixo. “O imóvel estava mais barato do que seria fora da pandemia. Isso foi bom pois também sobra um dinheiro já que não sabemos o que vai ocorrer daqui para a frente. Eu já tinha a intenção de vender e a situação da pandemia pesou ainda mais na decisão”, afirmou.

Assim como foi possível comprar um imóvel mais barato, Roberto também teve que baixar em mais de 30% o valor de venda da sua residência para conseguir fechar a transação cerca de 4 meses depois de colocar a casa à venda.

“Em março, o valor era maior pois o abatimento era só de 10%. Entretanto, a casa não vendeu e eu negociei até reduzir o valor em 30%. Ainda assim, fiz uma permuta. Eu recebi uma sala comercial em um prédio novo, e o restante será pago em um financiamento”, disse o proprietário, que já tinha recebido outra propostas de permuta antes de fechar com o comprador.

Diferente do que ocorreu com Roberto, o mercado imobiliário como um todo não tem registrado grandes descontos, afirma Vasconcellos. “O preço não caiu muito, eles estão equilibrados. Quem tem que vender para usar o dinheiro pode até vender mais barato, mas os preços não baixaram tanto, não temos preços imperdíveis”, apontou.

O corretor de imóveis Paulo Sérgio afirmou ter observado uma queda de cerca de 10% nos valores de venda de casas e apartamentos. “Nesse primeiro momento, os proprietários entenderam que, diante das dificuldades da pandemia, o mercado deu uma travada. Eles tiveram que flexibilizar para realizar as vendas”, afirmou.

Costa Azul
O CORREIO percorreu o Costa Azul, onde é possível enxergar os anúncios de vendas de imóveis. Na rua principal, a Artur Azevedo, há edifícios com mais de uma placa de venda ou dois edifícios colados com vários anúncios.

A placa “vendo ou alugo” no primeiro andar do Edifício Vila Real, número 461, é um retrato fiel da crise. “Antes, o proprietário só queria alugar. Por causa da pandemia, o inquilino preferiu não ficar mais aqui e foi embora para o interior no mês passado. Então, por conta da crise, o proprietário decidiu também vender”, disse uma funcionária do prédio.

Um apartamento do Edifício Belmar, no número 1060, está à venda desde o mês de março. “O antigo inquilino foi embora e desde então o dono não consegue vender. E olha que aqui é rua principal e tem policiamento direto, mas mesmo assim está difícil vender. Tem vários apartamentos aqui nesta situação”, disse o porteiro.

Anúncio de venda de imóvel no Costa Azul (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Já o Edifício Marina Cravo, no 1082, um apartamento está à venda antes da pandemia. “O antigo morador foi embora para Morro de São Paulo há cinco meses. Algumas pessoas vieram aqui para ver o apartamento. Mas com o coronavírus, raramente há visitas para o imóvel”, informou também porteiro.

Na Pituba e no Itaigara, onde tem maior atuação, o corretor Luiz Pinheiro diz que vontade de se mudar para um local capaz de atender melhor as necessidades de cada morador tem sido um dos maiores responsáveis pela compra e venda de imóveis na região.

“Eu questiono o motivo da venda, mas nem todos falam. Os que me contam dizem que estão procurando um imóvel maior pela necessidade de estarem de home office”, disse.

Existem imóveis que ficam mais tempo no mercado, apontou Pinheiro. Há nove meses, o corretor tem uma cobertura à venda. “Por ser cobertura, é um público diferenciado. As coberturas são mais buscadas no verão. Eu tenho mostrado a cobertura, mas ainda não achei um comprador”, disse.

Corretor nos bairros de Armação, Stiep e Costa Azul, Paulo Sérgio também afirma que os consumidores têm buscado se mudar para imóveis maiores. “As pessoas continuam com as mesmas perspectivas de crescimento. Alguns querem se mudar para um local melhor. Mas cada um tem seus anseios”, comentou.

Retomada
A venda de imóveis voltou a crescer após um período estagnada. De acordo com o diretor do Creci-BA, os meses de março e abril registraram uma queda de 80% nas vendas. A melhora aconteceu a partir de maio e, agora, o mercado está quase no mesmo patamar de antes da pandemia.

Vasconcellos disse que outros fatores devem impulsionar a roda da economia. “Acredito que esta é também uma boa época para fazer negócios. Além da oferta, os bancos estão concorrendo. Os juros caíram. Antes os juros chegavam a 10%, 12%. Hoje, estão a 7% e 8%. Isso faz com que aumente o poder de compra”, declarou.

O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), Cláudio Cunha, afirma que o que mudou foram as vantagens comerciais para a compra de um novo imóvel, como os juros baixos e a maior facilidade de conseguir financiamento. “No primeiro momento, todo mundo queria se informar sobre o que estava acontecendo. Com a demanda reprimida, o momento de investimento satisfatório para o imóvel, a baixa taxa de juros e as novas linhas de crédito, as pessoas puderam ter a oportunidade de trocar de imóvel. Isso aquece o mercado pois o imóvel anterior vai para a venda”, explicou.

O crédito facilitado e as baixas taxas de juros permitiram que o consumidor tivesse acesso a imóveis de valores maiores, garantiu Cunha. Dos três contratos fechados durante a pandemia pelo corretor Luiz Pinheiro, que trabalha com foco nas áreas de Pituba e do Itaigara, dois foram pagos com financiamento. “A procura por imóveis está bem grande. Eu fiquei surpreso com a demanda do mercado. Os financiamentos são influenciados pela taxa de juros lá embaixo. Outros colegas têm me dado o mesmo retorno”, disse.

A maioria compra imóveis para morar, segundo Cunha, mas o momento é uma oportunidade para investir no setor imobiliário.

“O imóvel transmite segurança. O aluguel rende em torno de 5% ao ano, o que é um grande atrativo para investimento”, explicou.

A mesma opinião é compartilhada pelo presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-Ba), Kelson Fernandes. “Mesmo com todas essas dificuldades, investir em imóveis é o melhor negócio, principalmente porque imóvel nunca deixará de render”, indicou.

O analista imobiliário e diretor do Instituto de Cultura Imobiliária (ICI), Nilson Araújo, aponta que muitos investidores estão de olho no mercado imobiliário. De acordo com eles, quem já pensava em comprar uma casa ou um apartamento antes da pandemia deve ter mantido o planejamento. “Antes da pandemia, quem pensava em comprar o imóvel já tinha o recurso. Existem muitos perfis de compradores e esse que já tem os recursos é um deles. Para quem perdeu o emprego, a estabilidade também foi perdida e isso torna a compra de um imóvel algo temerário”, disse.

Geralmente, o investidor não precisa de financiamento, segundo Araújo. “O investidor normalmente tem recurso, quem não dispõe que recorre às financeiras e isso pode valer para uma oportunidade, como um imóvel vendido muito abaixo do valor de mercado”, afirmou.

Atenção antes da compra
Apesar do ambiente propício para comprar um imóvel, a psicóloga e educadora financeira comportamental, Meire Dantas Cardeal, ressalta que é preciso avaliar alguns aspectos antes de fazer a compra. “A finalidade da compra, o custo versus benefício da aquisição, além de informações sobre a economia, novos hábitos da população e características do imóvel quanto à liquidez devem ser levados em conta”, afirmou.

Também não é porque um imóvel chamou atenção que o consumidor deve usar toda a sua reserva para garantir a oferta. “A compra não é recomendada para quem vai investir todo o dinheiro que possui. A análise deve considerar, também, a finalidade se para moradia ou investimento, pois, para esse último, deve ser considerada a instabilidade e indefinição da economia. Ainda está difícil enxergar os próximos anos, estão ocorrendo mudanças rápidas de comportamento e hábitos que influenciam diretamente as relações com a moradia e com o local de trabalho”, indicou a educadora financeira, que ainda ressaltou que atenção e consultoria na área são fundamentais nesse momento.

Em caso de financiamento de um imóvel, é necessário calcular o impacto das prestações no orçamento, analisar as condições de financiamento nos agentes financeiros e o valor que será dado como entrada, que não deve comprometer a reserva de emergência, afirma Cardeal. “Também devem ser analisados custos de manutenção desse novo imóvel como condomínio, IPTU, se estão no mesmo patamar do atual, os impactos no orçamento e incluir no investimento possíveis despesas com reforma”, afirmou.

Tempo no mercado
Muitos imóveis estão à venda desde março. O diretor do Creci-Ba explicou que o inchaço está relacionado com os valores fora do mercado. “Quem está procurando para comprar faz comparativos e tem oferta que não vende, por que está fora do mercado, só faz inchar. Tem 300 imóveis anunciados, mas só 100 se concretizam. Isso porque tem proprietário que só quer vender pelo valor que ele acha certo e não a realidade do mercado”, pontuou Vasconcellos.

Os imóveis comercializados por Luiz Pinheiro são vendidos em cerca de três a quatro meses, em média. O valor pedido pelo proprietário, por exemplo, impacta na rapidez da negociação. “O prazo muda quando o valor está fora do mercado. Tenho um imóvel que está há mais de ano para vender e o proprietário não quer baixar o preço”, contou.

Um outro problema do setor imobiliário na pandemia é a queda das visitas aos imóveis, algo em torno de 60%. “As pessoas estão parando de visitar os imóveis e isso influenciou muito a questão das vendas. Houve uma queda bastante significativa de 60%. O proprietário reduziu a quantidade de visitas com medo do coronavírus. Por sua vez, as pessoas estão saindo menos de casa”, explicou o presidente do Secovi-Ba.

Pinheiro também observou uma queda na visitação de imóveis logo no começo do período de isolamento, mas as visitas já estão sendo retomadas. “Ocorreu o receio das pessoas para a visitação, mas, no segundo mês de pandemia, as pessoas se sentiram mais seguras”, disse.

Para Fernandes, o setor já apresentava problemas muito antes da pandemia. “O mercado vive uma crise há cinco anos. A oferta cresceu devido à situação do mercado. A economia não reagia e estávamos numa crise que se alastra há cinco anos, com o desemprego alto. Quando a economia começava a respirar, pegar fôlego, veio a pandemia e piorou tudo”, declarou.

Novos empreendimentos
De acordo com o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), Cláudio Cunha, cerca de 30 novos empreendimentos devem ser inaugurados em Salvador entre o segundo semestre de 2020 e o início do ano que vem. Destes, 12 são financiados pelo programa Minha Casa Minha Vida.

“O mercado no 1º trimestre tem poucos lançamentos devido ao verão e ao Carnaval. Após esse período, tivemos poucos lançamentos em virtude do coronavírus. Os que estavam previstos para abril, por exemplo, foram segurados para o 2º semestre”, disse.