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27 September 2024

Decisão judicial inédita decreta que baiano receba salário do Ifood até sair auxílio-acidente

Vítima foi atingida por bala perdida e ficou impossibilitada de trabalhar

O motociclista Yuri de Jesus Monteiro, 24 anos, foi atingido por uma bala perdida durante o trabalho há cinco meses. Com o ocorrido, o entregador perdeu o movimento de uma das mãos e sofre uma redução significativa de sua renda mensal, sem qualquer tipo de auxílio. A empresa para a qual trabalhava, o aplicativo Ifood, nega ter obrigações trabalhistas com o funcionário.

Porém, a juíza do Trabalho Viviane Christine Martins Ferreira pensa de maneira diferente. Em decisão divulgada nesta terça-feira (12), a magistrada decretou que a empresa deve pagar o valor de um salário para Yuri, até que ele venha receber o auxílio-acidente, através dos órgãos previdenciários, ou que recupere sua capacidade de trabalhar.

A antecipação de tutela foi solicitada, em caráter de urgência, pelo projeto Caminhos do Trabalho, que entrou com processo na última sexta-feira (8). Através de uma parceria da UFBA com o Ministério Público do Trabalho da Bahia, o projeto apoia gratuitamente trabalhadores para dar atendimento médico e assessoria jurídica.

“É uma decisão inédita no Brasil. Eles vão ter que pagar enquanto corre o processo, então se antes eles estavam enrolando, agora o tempo corre contra eles”, relata o coordenador do projeto na UFBA, Vitor Filgueiras.

Yuri trabalhava realizando entregas pelo Ifood, quando em 2 de novembro do ano passado foi alvejado por uma bala perdida. O nervo do seu braço esquerdo foi atingido e ele perdeu a sensibilidade e os movimentos nos dedos. O caso aconteceu por volta das 20h40, depois de finalizar sua última entrega e seguir para casa.

No trajeto, entre a Regional e a Avenida Maria Lúcia, no bairro de São Marcos, em Salvador, enquanto reduzia a velocidade para passar em um quebra-molas, foi alvejado por uma bala vinda de um veículo que atirava para todos os lados. Mesmo ferido, seguiu pilotando a moto até a UPA do bairro, onde deu entrada por volta das 21h. Foi transferido ao Hospital Geral do Estado (HGE), cerca de 22h30. Foi internado no mesmo dia e recebeu alta no dia 18.

PNotícias  Foto: Marcello Casal Jr // Agência Brasil

Desde então, sem conseguir trabalhar, não recebeu qualquer tipo de assistência da empresa.

“Ele foi largado na rua da amargura pelo Ifood. Não fizeram nada com ele. Pedimos o benefício previdenciário para ele porque tem direito, mas o INSS não marcou até hoje a perícia. Entramos na Justiça do Trabalho, esperamos resposta da Previdência, e chegou nessa situação que não dá mais para esperar”, afirma Filgueiras.

A juíza decretou que deve ser considerada uma remuneração mensal de R$ 853 para o entregador, valor que ele arrecadava enquanto trabalhava com o aplicativo.

Segundo a magistrada, o valor deve ser pago porque “a prestação de serviços à margem das normas de proteção trabalhista, a sonegação de recolhimentos previdenciários, bem como o descumprimento de pagamento de seguro contra acidentes” colocaram o motociclista em condição vulnerável, e como ele está sem capacidades para o trabalho e sem renda, deve receber o auxílio.

Martins Ferreira ainda cita na decisão que a “uberização” e a expansão de informalidade em regimes de trabalho como os do Ifood e outras plataformas digitais similares.

“Com efeito, a negativa de direitos fundamentais sociais a trabalhadores(as) em atividade em modelos de negócio das empresas de plataformas digitais chancela, ao que se vê em primeiro exame do processo, modelos contratuais que podem determinar pagamento de salário inferior ao mínimo legal e sem adicionais de periculosidade e insalubridade, desrespeito ao limite de jornada semanal, sem garantia do direito a descanso (semanal e anual), em negligência a normas de saúde, higiene e segurança, obstando, ainda, acesso às medidas de proteção social e desagregando trabalhadores(as) de modo a dificultar o direito à sindicalização, tudo em desalinho à ordem constitucional.”, afirma a juíza.

A partir da decisão o Ifood tem cinco dias para começar a pagar o salário mínimo.

“Tem sido muito difícil esse tempo todo sem conseguir trabalhar, com o braço quebrado, passando por muita dificuldade, pedindo força a Deus. Tenho uma filha e preciso ficar pedindo ajuda a um e a outro para poder sustentar. Com o braço quebrado, eu não tenho movimento do punho para mexer os dedos. Sigo fazendo fisioterapia duas vezes por semana, para poder melhorar a recuperação”, conta o entregador.

Questionado sobre voltar a trabalhar no Ifood após a recuperação, Yuri afirma que deseja trabalhar em um lugar onde tenha os seus direitos reconhecidos. Só voltaria caso houvesse uma proposta melhor, sem tamanha “vulnerabilidade”.