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22 November 2024

1 ano após assassinato, família de Cristal Pacheco espera julgamento de acusadas

Foto: Reprodução/g1

Há um ano, a morte da adolescente Cristal Rodrigues Pacheco repercutiu no país inteiro por causa da banalidade: ela foi assassinada por causa de um celular. A jovem de 15 anos estava com a mãe e a irmã mais nova a caminho da escola onde estudava, no Centro de Salvador, quando foi baleada no peito, durante um assalto em que a família não reagiu. As informações são do g1

O latrocínio – que é quando a vítima é morta durante o roubo – foi cometido por duas mulheres em frente ao Palácio da Aclamação, próximo ao Campo Grande, região central da capital baiana. As acusadas estão no Conjunto Penal Feminino do Complexo Penitenciário da Mata Escura.

Cristal foi baleada enquanto a mãe, Sandra Rodrigues, entregava o celular e outros pertences, como a aliança do casamento, às acusadas pelo crime: Gilmara Daiam de Sousa Brito e Andréia Santos Carvalho. Foi Andréia quem confessou à polícia ter feito o disparo.

A adolescente morreu no início da manhã do dia 2 de agosto de 2022, e levou consigo, precocemente, a alegria da casa. Em entrevista ao g1, Sandra contou que não consegue ter dias estáveis desde que perdeu a filha mais velha, e que a família toda sofre com o trauma.

“Esta é uma data que, por mim, não deveria existir. Se eu pudesse, teria dormido naquele dia e só acordado no dia seguinte. Eu vivo altos e baixos desde que tiraram minha filha de mim. Uma hora estou mais sensível, outra hora estou mais forte, sempre oscilando. Nunca estou 100%”.

“Eu sinto muita saudade de Cristal. É muito difícil acordar e não estar com ela aqui. É muito difícil preparar o almoço e saber que minha filha não vai chegar em casa para almoçar. Pensar em tudo isso vai doendo, machucando. Saber que há um ano atrás ela estava aqui, que eu podia abraçar, e hoje eu não posso, é muito difícil”, disse a mãe da vítima.

A ausência da adolescente afeta toda a família em diferentes níveis. Fernanda Pacheco, de 13 anos, ficou tão machucada por ver a irmã mais velha ser baleada no peito, que sequer consegue falar sobre a morte de Cristal com a família.

“Fernanda não toca no assunto. Quando a gente tenta tocar no assunto ela, ela pede para que não se fale na morte da irmã. Sérgio [pai de Cristal] está mais quieto, trabalhando em home office, ficou mais recluso. Minha mãe, que já tinha problemas de saúde, está em uma situação ainda mais complicada. É muito dolorido para toda a minha família”.

Dependência química das acusadas

A família de Gilmara Daiam e a defesa de Andréia alegam que as duas são dependentes químicas. Na época do ocorrido, a própria mãe de Gilmara a denunciou à polícia, porque “decidiu que a filha deveria pagar pelo crime”. O g1 tentou contato com ela novamente, mas não conseguiu falar.

Na ocasião da morte de Cristal, ela informou que Gilmara era usuária de drogas e costumava roubar celulares utilizando faca, na localidade em que o latrocínio foi cometido. As acusadas foram detidas em flagrante e tiveram prisão convertida para preventiva em audiência de custódia.

Ela foi transferida para o presídio e segue na unidade desde então. Nesta quarta-feira (2), o g1 não conseguiu localizar a defesa de Gilmara. Andréia também está no presídio da Mata Escura. O advogado dela, Elmar Vieira, deu detalhes sobre o andamento do processo.

Três meses após o crime, Elmar entrou com o chamado “processo de incidente de instauração de sanidade mental”, que é um recurso da defesa para que o acusado seja considerado inimputável, ou seja, não tinha capacidade de entendimento do que cometeu.

Quando foi presa, Andréia confessou ter atirado em Cristal, mas disse que o disparo foi acidental. Ainda na época, a defesa já havia sustentado à polícia que, quando atirou na adolescente, a acusada estava em “abstinência da droga” e “fora de si”.

Inimputabilidade por transtorno mental

No caso de Andréia, o pedido de inimputabilidade é por causa da dependência química, que é um transtorno mental. O advogado disse que juntou ao processo documentos e depoimentos que comprovam a condição clínica e psiquiátrica da acusada, que sofreria da doença desde os 13 anos.

“Entrei com processo de instauração de sanidade mental em novembro de 2022, quando ocorreu a primeira parte da audiência de instrução. O exame só foi feito em junho de 2023. A caso da morte da jovem Cristal, não é mais uma fatalidade que vez ou outra costumamos ver nos jornais. Estamos diante de um caso que envolve a saúde pública ou a ausência dela”, argumentou o advogado.

O pedido inimputabilidade por causa da dependência química não exime a responsabilização do acusado, ou seja: não pede para que Andréia seja solta e deixe de responder pelo crime de latrocínio. O pedido requer que ela seja transferida para responder pelo delito em um hospital psiquiátrico, para que seja tratada pelo Estado enquanto estiver detida para cumprir pena.

“Nossa defesa em momento algum pediu a soltura da Andréia. Nós pedimos que ela fosse submetida a exames, acompanhada e custodiada em unidade adequada para o caso dela”, destacou Elmar.

“Estamos reféns da morosidade do Estado em adotar políticas de enfrentamento para combater uma doença que ceifando a vida de pessoas. Infelizmente, essas pessoas só ganham visibilidade quando tragédias como essas acontecem”.
Elmar informou ainda que a família de Andréia buscou tratamento para ela por muito tempo e que ela chegou a ser internada em diversas clínicas. No período em que atirou contra Cristal, ela havia fugido de uma das unidades havia passado a viver nas ruas, abandonando os filhos e a família.

Para a mãe de Cristal Pacheco, o pedido de inimputabilidade por dependência química é uma manobra dos advogados para tentar soltar Andréia.

“Se a família relatou que ela passou por internamentos anteriores, por que não insistiram nisso? Por que não cuidaram dela, para que evitasse chegar nesse ponto? Se ela fugiu, é porque tem consciência. Eu não tenho dúvida que de isso é uma artimanha dos advogados, para tentar amenizar a culpa. Ninguém vai trazer minha filha de volta, mas a justiça tem que ser feita. Por mais que ela tenha algum problema de saúde, ela tem que ser responsabilizada. Ela não estava inconsciente”, rebateu Sandra.

Na terça-feira (1º), houve a publicação de um despacho cobrando o resultado do exame da Andréia, que ainda não foi disponibilizado. Gilmara e Andréia foram denunciadas pelo Ministério Público da Bahia por latrocínio em agosto do último ano, mesmo período em que a Justiça as tornou rés.

O g1 procurou o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), para saber se há previsão de quando ocorrerá o julgamento de Gilmara e Andréia, que negou dar informações sobre o caso, porque o processo corre em segredo de justiça, já que a vítima era menor de idade.