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2 October 2024

O nó tático da crise política: um manual para boleiros e paneleiros

 

Na semana passada, comentamos, neste blog, o resultado do Datafolha sobre a popularidade da presidenta Dilma Rousseff: a proporção de pessoas que rejeitam seu governo para cada apoiador é de cabalísticos 7 a 1. Na Câmara, para cada voto de deputado favorável ao governo na votação da medida que elevou os salários da elite do funcionalismo foram computados 27 votos contra. A goleada é simbólica do impasse político atual. Ela não começou hoje.

 

Se futebol e política não se discutem, conforme ensinavam (preguiçosamente) os antigos, o primeiro pode servir como metáfora para entender como a crise atingiu o ápice em 2015. Antes é preciso saber quem é quem em cada posição do campo. Vamos à escalação:

 

 

 

Dilma Rousseff, presidenta da República. É a treinadora do time. Chamou a atenção do então técnico Luiz Inácio Lula da Silva quando subia em postes para trocar a fiação elétrica do clube. Caiu nas graças do comandante e logo recebeu a camisa 10. Quando o padrinho se aposentou, assumiu o comando do time. Deu certo por um tempo, graças à confiança e à popularidade do ex-treinador. Quando o dinheiro secou e os direitos de imagem dos jogadores começaram a atrasar, os pontos fracos da treinadora ficaram evidentes. Um desses pontos era a dificuldade de enxergar até o outro lado do campo. Detalhista e sem o mesmo carisma do antecessor, fixava as atenções num único setor e não percebia a desorientação nas outras pontas. Toda vez que um auxiliar sugeria o uso de óculos de grau, ela batia o pé e respondia: “Vem colocar”. Logo começou a ser criticada por ouvir pouco os jogadores e as vozes da arquibancada. Quando estes pediam substituições no jogo, ela gritava: “Vem trocar”. Quando a torcida e os jogadores, de quem não falava a mesma linguagem, começaram a fritá-la, ela manteve o esquema: “Vem tirar”. A falta de traquejo e de experiência no esporte a impedem de fixar o momento exato em que o time começou a atacar do lado oposto.

 

Lula, ex-presidente. É o atual diretor de futebol. Escolheu a treinadora a dedo apesar da resistência dos jogadores mais experientes da equipe. No começo jurava confiança no trabalho da afilhada, mas não largava o telefone para dar pitaco na escalação e nos horários de treinamento. Logo começou a ser visto no vestiário. “Ele quer voltar a treinar o time”, diziam seus apoiadores, que começaram a fazer campanha pelo seu retorno. O movimento sacudiu os rumos do time e, derrotado internamente, obrigou alguns, como a veterana Marta Suplicy, a forçarem a transferência. Ninguém sabe dizer ao certo como é hoje a relação entre os dois: a exploração, via imprensa, de uma possível rusga entre criador e criatura era uma estratégia dos adversários para rachar a equipe. Para alguns era pura fofoca, mas quando o time começou a perder jogos fáceis o diretor não se constrangeu a afirmar em público: “esse time está no volume morto”. A própria popularidade do treinador começou a ser contestada depois que jogadores bancados por ele em sua gestão se mostraram pouco confiáveis. Com o agravamento da crise, chegou a ser cotado para voltar a campo, mas os tempos agora são outros. Quando questionado sobre a situação, costuma responder: “meus antecessores me entregaram a equipe na zona do rebaixamento. Hoje estamos melhores”.

 

Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. Deveria ser o cérebro da equipe. O homem responsável pela articulação do meio-de-campo entre Executivo e Legislativo. Todas as bolas passariam por ele. Logo descobriu que em time de caolho quem tem óculos fundo de garrafa é rei. No vestiário, começou a se aproximar dos jogadores insatisfeitos com a treinadora. Aos poucos montou uma equipe paralela e começou a incomodar a chefe. Os problemas extracampo o queimaram com a direção do clube, indisposta a renovar seu contrato, e parte da torcida – a outra o apoia apaixonadamente. Foi para a guerra no momento em que esta ala apaixonada da torcida pedia a cabeça da treinadora. Desde então, em vez de chutar a gol, chutava a bola em direção à comissão técnica. Uma, duas, três vezes por jogo. Quando a estratégia ficou manjada, resolveu escalar seus cupinchas para chutar na comandante. Defendia-se dizendo que não tinha nada a ver com isso e que o regulamento permitia aos jogadores chutar a bola para onde quisessem, desde que não fosse com as mãos. Está pendurado com cartões amarelos e pode ser expulso antes do jogo terminar.

 

Hugo Motta (PMDB-PB), deputado e presidente da CPI da Petrobras. É quem carrega as chuteiras e paga o lanche do chefe Eduardo Cunha. Foi escalado como atacante, mas tem o melhor índice de aproveitamento de bolas chutadas na arquibancada para afastar o perigo diante do protetor.

 

Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado. Chuta para onde vier desde que caiu nas graças de Charles Muller, que trouxe o futebol para o Brasil. Alterna boas e más atuações dentro da mesma partida. Disputa com Eduardo Cunha o título de cérebro da equipe; não tem a mesma velocidade do deputado, mas é quem tem cacife para cadenciar o jogo quando a coisa pega fogo. Seu comportamento fora de campo também o coloca na mira da torcida, mas ninguém na equipe atual tem tantas condições de se contrapor às inventivas dos atletas rebelados.

 

Michel Temer (PMDB-SP), vice-presidente da República. O auxiliar-técnico de Dilma Roussef fala pouco. Fala quase nunca. Ainda assim é quem mais fala com o elenco e com a imprensa em nome da treinadora, cujos jargões mais confundem do que esclarecem os jogadores. Isso diz muito sobre as pretensões do time na atual temporada. Já avisou que, se a coisa apertar, tá aí pra assumir e unificar o elenco.

 

Aloizio Mercadante (PT-SP), ministro da Casa Civil. Era a prata da casa. Promessa nas categorias de base, marcou seu último gol quando os cadernos esportivos eram impressos em preto-e-branco. Tem pinta e estilo de jogador classudo, mas perde bolas bobas no meio-de-campo e irrita os companheiros quando sai de campo apontando os culpados. À boca pequena é chamado de Paulo Henrique Ganso de bigode. Sofre com a ausência de referências da equipe e com o sistema de jogo da treinadora, que optou por atuar sem atacantes num esquema com três zagueiros, dois laterais defensivos e cinco volantes de contenção.

 

Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Jogava na equipe adversária até a temporada passada. Hoje é o zagueiro responsável por reverter o saldo de gols negativo do time, que sempre atacou mais do que defendeu. Seu método arrastado é contestado por torcedores e colegas de time. Para ele, o melhor esquema tático é reduzir o tempo de bola em jogo. O pressuposto é: “não temos qualidade para atacar, então, quanto menos bola em circulação, menos chance de sofrer gols”. 0 a 0 para ele é vitória. Para o torcedor, é pouco.

 

Nelson Barbosa, ministro do Planejamento. É o companheiro de zaga de Levy. Os dois não se bicam. De vez em quando se cansa da lentidão do jogo e resolve atravessar o campo sozinho no desespero. Para seus apoiadores, é maldade compará-lo a David Luiz.

 

Sibá Machado (PT-AC), líder do PT na Câmara. O lateral-esquerdo da equipe ganhou a oportunidade após uma série de lesões e problemas extra-campo que afastaram os donos da posição. Sem concorrência, assumiu o posto, de onde ataca com a mesma dificuldade com que defende. Todos os gols adversários nascem naquele setor.

 

Aécio Neves (PSDB-MG), senador e ex-futuro candidato a presidente. É o principal atacante rival. Jovem, vinha de trajetória ascendente no futebol até ganhar a fama de cai-cai. Quando se enrosca com a bola, se joga, simula lesão, chora, berra, esperneia. Passa mais tempo fora de campo, onde aponta os defeitos da equipe adversária para os juízes e a arquibancada, do que dentro. Tenta forçar o W.O no tapetão: como o Fluminense, busca com lupa qualquer escalação irregular de jogador adversário para anular o campeonato e rebaixar o time que somou mais pontos.

 

Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), líderes tucanos na Câmara e no Senado. São a imagem do falso jogador moderno: atuam na diagonal, correm muito e pensam pouco. Poderiam ser chamados de Dudu ou Dodô. O primeiro era governador na Paraíba até ser cassado por combinar resultado fora de campo. Calibrados nas entrevistas, estão convictos de que serão titulares da próxima Copa do Mundo. Desconfia-se que terão de aprender a dominar, tocar a bola e a chutar a gol até lá.

 

Ronaldo Caiado, (DEM-GO), líder do Democratas no Senado. Não sabe a diferença entre uma bola e uma vaca. Numa equipe que muito ataca e pouco defende, costuma entrar em campo com enxada para conter os avanços rivais pela esquerda. Enquanto o jogo corre, ele enche o gramado com buracos e trincheiras à espera de um tropeço rival. Ao fim das partidas, costuma atribuir sua atuação pífia à imoralidade de um gramado sem condições de jogo.

 

José Serra (PSDB-SP), senador e presidenciável desde 2002. É próximo do auxiliar-técnico, Michel Temer. Se a treinadora cair, pode virar-casaca e jogar na equipe do governo com a camisa 10 até 2018, quando poderia se cacifar para sua terceira eleição a presidente. Falta combinar com os russos.

 

Geraldo Alckmin (PSDB-SP), governador paulista. É um dos poucos volantes de contenção da oposição, mas o esquema é calculado. Em vez de defender o nocaute, tenta cansar o adversário e levar a disputa até o fim. Sabe que, no jogo de volta, em casa, terá um adversário cansado e a torcida a seu favor. Falta combinar com os outros russos.

 

Sergio Moro, juiz de Curitiba. O árbitro da partida expulsou meio mundo de campo. Tem a Polícia Federal e o Ministério Público como auxiliares de arbitragem. O jogo só prosseguiu porque parte dos atletas estão em campo com efeito suspensivo, que pode ser derrubado a qualquer momento pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

 

Tribunal de Contas da União. É a mesa-redonda da TV após a rodada que já acabou. Debate durante horas se foi falta, pênalti ou se a bola entrou ou não. O acordo pode referendar medidas mais drásticas em outras instâncias, como o Congresso. É composto por jogadores e torcedores de ambas as equipes.

 

Imprensa. Acompanha os fatos em posição privilegiada, mas a proximidade das arquibancadas confunde parte dos cronistas esportivos com os líderes de torcida organizada, cada vez mais irritada com o preço dos ingressos, a falta de orientação até o estádio e a qualidade do espetáculo. Quando o jogo pega fogo, fica difícil identificar quem é quem