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22 September 2024

Para driblar polícia, caça-níqueis agora funcionam em tablets

Elas estão de volta aos bares, mas sem o espalhafatoso brilho de luzes coloridas e o tilintar das moedas. As antigas máquinas caça-níqueis vêm sendo substituídas por discretos tablets, operados remotamente por meio de sofisticados softwares. Uma jogada da contravenção para driblar a polícia e, sobretudo, voltar a atrair o interesse de comerciantes, que vinham se recusando a manter os equipamentos em seus estabelecimentos desde 2011, quando passaram a responder na Justiça por contrabando.

A aposta nos tablets foi descoberta em investigação da Corregedoria da Polícia Civil, que, nesta segunda-feira, apreendeu quatro desses aparelhos em um bar na Cidade Nova. Para não despertar a atenção do comerciante e dos jogadores, dois agentes se passaram por clientes do estabelecimento e esperaram até que um apostador chegasse e pedisse ao proprietário que colocasse crédito num dos tablets. A operação acontece da seguinte forma: paga-se ao comerciante que coloca uma senha para liberar o jogo no equipamento. Assim que começou a jogar, o homem foi abordado pelos policiais.

COMERCIANTES RECEBEM DE 1 ANO

Na prática, o tablet funciona de forma semelhante às antigas máquinas, mas não possui o noteiro — componente eletrônico contrabandeado e usado nos caça-níqueis para fazer a leitura das cédulas. Os comerciantes que mantêm em seus estabelecimentos caça-níqueis ou tablets respondem por exploração de jogo de azar. Pela contravenção penal, podem ser condenados à pena de três meses a no máximo um ano. A diferença é que, no caso das máquinas caça-níqueis, que utilizam noteiros, eles são autuados também por crime de contrabando, o que agrava a punição. A pena mínima é de dois anos e a máxima pode chegar a cinco anos de reclusão. Em caso de reincidência, a pena pode aumentar em um terço. Com o jogo de azar hi-tech, o comerciante é liberado e responde apenas à ação no Juizado Especial Criminal (Jecrim).

O diretor da Divisão de Assuntos Internos da Corregedoria da Polícia Civil, delegado Glaudiston Galeano, explicou que o uso dos tablets representa um obstáculo a mais para o trabalho de enfrentamento da contravenção:

— Além do tablet chamar menos a atenção, há um outro fator que dificulta a ação policial. Como esses equipamentos são operados remotamente por meio de programas sofisticados, o policial precisa flagrar o apostador em pleno jogo. Caso contrário, o operador é informado pelo comerciante e desativa o programa.

E foi o que aconteceu logo depois de a equipe da corregedoria recolher, nesta segunda-feira, os quatro tablets no bar da Cidade Nova. Minutos após o anúncio da operação policial, os quatro equipamentos já não acessavam mais a página de jogo.

— Só não perdemos o flagrante porque a equipe fotografou as telas dos computadores antes de o programa ter sido bloqueado remotamente — explicou o delegado.

Antes de bloquear remotamente o programa, o operador teve um dos telefones identificados pelos policiais. Uma das agentes da Corregedoria telefonou para ele, se passou por comerciante e pediu ajuda, afirmando ter sido presa.

De acordo com Glaudiston Galeano, muitos desses operadores atuam em outros estados, e algumas empresas são apenas de fachada:

— A partir das apreensões dos tablets vamos poder rastrear toda a atuação do grupo e, assim, chegar aos verdadeiros donos do negócio — afirmou o delegado.

APOSTA MÍNIMA É R$ 10

Galeano disse não ter dúvida de que, por trás da nova estratégia de exploração do jogo de azar, estão as já conhecidas famílias de contraventores. O delegado, contudo, observou que precisa aprofundar as investigações para chegar à identificação dos “capos” do jogo do bicho envolvidos no esquema.

Semana passada, repórteres do GLOBO percorreram bares no Centro e nas zonas Sul e Norte da cidade. Em alguns dos estabelecimentos, foi possível constatar a presença de apostadores jogando com tablets. Não há valor máximo para o jogo, mas é preciso apostar, no mínimo, R$ 10. Com esse valor, o apostador recebe entre 13 e 15 créditos. O jogo é rápido. Num bar de Copacabana, por exemplo, um jogador levou menos de meia hora para perder R$ 100. Indignado com o resultado, reclamou com um dos balconistas, que o ironizou:— Com essa aposentadoria, você ainda vai reclamar por ter perdido R$ 100? Mais tarde a sorte volta e você recupera o prejuízo — disse o balconista.

O apostador não perdeu a esportiva e admitiu que retornaria à noite para passar tempo e “perder mais um pouco da aposentadoria”.

— Desde que passamos a autuar os comerciantes por contrabando, os contraventores passaram a criar estratégias para manter os negócios em atividade. Sabemos que os aposentados são a principal fonte de renda dos cassinos e bingos clandestinos, sobretudo na Zona Sul — afirmou o delegado.

As investigações da Corregedoria da Polícia Civil relacionadas à exploração de jogos de azar já revelaram que alguns contraventores, principalmente na Zona Sul do Rio, passaram a atuar com maior discrição. Cassinos clandestinos contam, inclusive, com serviço de motorista para buscar o apostador em casa e levá-lo até o local. Em um deles, que funcionava na Avenida Prado Júnior, em Copacabana, os policiais encontraram uma estrutura que lembrava os antigos bingos. O espaço, onde também já funcionou uma casa de prostituição, era climatizado, tinha 160 cadeiras giratórias, dez aparelhos de televisão fixados nas paredes e até um dormitório.

De janeiro até abril passado, dezesseis ações da corregedoria resultaram no recolhimento de 234 máquinas em bingos clandestinos. Alguns dos cassinos descobertos funcionavam em apartamentos de prédios residenciais.

Num dos imóveis, os policiais recolheram máquinas de apostas, mesa de carteado e até cartelas de bingos:

— Temos informações de que os bicheiros também voltaram a investir no velho jogo do bicho, não ficando mais limitados aos equipamentos eletrônicos. O importante para eles é garantir a manutenção do fluxo de dinheiro — concluiu Glaudiston.

Fonte: O Globo