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26 November 2024

Na crise, brasileiro corta salgadinho e compra menos cerveja

om a alta da inflação, consumidores economizam em produtos considerados menos relevantes para gastar em luxos alcançados nos últimos anos

A aposentada Maria da Conceição trocou o contrafilé por carne moída e peito de frango. “E ainda misturo com bastante arroz para render mais”. A desempregada Lilian Silva de Oliveira aderiu às marcas próprias dos supermercados, geralmente mais em conta. “E compro tudo em menor quantidade”. A analista administrativa Tatiana Medeiros substituiu o cream cheese pelo requeijão, mas manteve o achocolatado da melhor qualidade. O comerciante Dailson Pereira de Sousa só pega o que estiver em promoção, mas não abre mão do refrigerante mais caro. A empregada doméstica Alcione América de Souza preferia melancia e manga, mas passou a se contentar com banana e maçã – estas, mais baratas.

Personagens

Com a inflação beirando os 10% no ano, o comportamento dos brasileiros no supermercado mudou. A mesa está menos farta, a variedade de produtos é menor, mas, ao economizar comprando menos quantidade e menos itens, sobra um trocado para levar ao menos um “luxo”, como que em um afago à memória dos tempos de bonança – ou, ao menos, para se sentir menos pobre. Essas são algumas das conclusões da pesquisa feita pela Dunnhumby, consultoria de mercado com sede em Londres, obtido com exclusividade pelo site de VEJA. “A crise força os clientes a tomar decisões mais fortes e conscientes”, diz Adriano Araújo, diretor geral da Dunnhumby no Brasil, onde a empresa tem como clientes empresas como Pão de Açúcar, Coca-Cola, Drogasil e Unilever. “Assim, ele escolhe categorias que realmente fazem a diferença para ele. Nas categorias menos importantes, ele vai para o mais barato.”

Os salgadinhos são os primeiros a serem riscados da lista: 30% dos entrevistados disseram que não os compram mais. Em relação aos produtos de limpeza, os mais baratos agora são os mais procurados – 38% dos consumidores ouvidos afirmaram ter optado por marcas mais econômicas. Já com bebidas alcóolicas (cerveja, vodca e vinho), a qualidade é o que mais importa – 42% afirmaram ter mantido a marca, mas reduzido a quantidade. Obviamente, os alimentos básicos (arroz, feijão e açúcar) continuam a vender a todo vapor – 54% disseram ter conservado o mesmo padrão de consumo de antes da crise.

Sim, a crise força compras menores e de versões mais baratas de produtos essenciais. Mas, no Brasil pós-ascensão da classe C, agora a carestia dá chance a um mínimo de autoindulgência. “Os dois extremos – o dos produtos mais baratos e o dos mais caros – são os menos afetados. A faixa intermediária é a que se dá pior”, afirma Araújo. A Dunnhumby ouviu 700 consumidores das classes A, B e C entre os dias 25 e 28 de agosto deste ano.

Segundo a pesquisa, 80% dos entrevistados declararam economizar em determinados produtos para manter o luxo em outros. É o caso da empregada doméstica Alcione Souza, de 26 anos. Mãe de uma menina de 4 anos, ela diz que cortou tudo o que podia. “Mas com criança não dá para cortar leite, biscoito e ‘Danone’. Por isso, economizo no material de limpeza. Nem sei mais o nome do sabão em pó que compro”, diz. O mesmo raciocínio, embora com outros itens, fez a funcionária pública Ivete Santos, de 46 anos. Ela diz ter eliminado de sua lista de compras o que chama de “besteirinhas” – salgadinho e biscoito -, mas na sua geladeira não podem faltar os iogurtes funcionais. “Para mim, eles são saúde”.

“O necessário, somente o necessário. O extraordinário é demais”, cantarola a professora Maria Rosa, de 83 anos, ao ser perguntada sobre o que continua comprando com o orçamento mais apertado. “Antes eu comia mais fruta do que arroz e feijão. Agora, é o contrário”, conta. Ainda assim, ela não eliminou alguns luxos, como tomar uma taça de vinho à noite no jantar. Em vez das caras frutas, arroz e feijão – e vinho.

As principais vítimas da alta dos preços são os mais pobres. Nos cálculos da Associação Paulista de Supermercados (Apas), enquanto as classes A e B gastam, em média, 22% da sua renda com o abastecimento de produtos básicos, as classe C, D e E consomem 40% da renda. “O brasileiro tentar manter o seu padrão de consumo. O país teve uma evolução muito rápida nos últimos anos. E essas pessoas que nunca tiveram acesso a certos produtos não querem mais perdê-lo”, diz Rodrigo Mariano, economista da entidade.

Gráfico sobre hábitos de consumo durante a crise

De acordo com a Dunnhumby, mais da metade dos brasileiros (66%) passaram a visitar mais supermercados em busca do melhor preço. A vendedora Maria das Graças Silva Lima, de 61 anos, leva a prática bastante a sério. Ela diz saber de cor os dias de oferta dos mercados da região onde mora, na Santa Cecília, no centro de São Paulo – “na quarta-feira, é no Extra e no Futurama. Na quinta, é no Dia” -, e os melhores locais para comprar determinados produtos – “verdura é mais barato no Todo Dia, produtos de limpeza no Dia, e no Extra às vezes tem umas boas promoções”. Ao final de cada compra, Maria pega a nota fiscal e olha item por item. Se pagou algum centavo a mais, volta rapidamente ao caixa. “Na semana passada, me devolveram 9 reais porque o preço que caiu na tela não era o mesmo da estante”, diz, orgulhosa. No último dia 9, ela ficou com vontade de comprar uma melancia. “Mas por sete reais eu não levava”, contou. E deu um jeito: achou uma mulher que topou dividir a fruta com ela. Cada uma ficou com uma parte por 3,50 reais.

Veio para ficar – Dos números, os especialistas tiram a seguinte lição: com a crise, os brasileiros estão ficando cada vez mais parecidos com os consumidores de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa. O nível de exigência aumentou e eles não se contentam mais em escolher entre apenas dois tipos de mercadoria na prateleira. “Ele passa a demandar mais diversidade e um mix maior na cesta. Então, o supermercado não pode mais ter só uma marca de molho, mas no mínimo sete”, diz Mariano.

Para Ricardo Alvarenga, especialista em tendências de mercado da consultoria Nielsen, este é um ótimo momento para as marcas desafiantes – as que não são líderes dos segmentos – ganharem espaço no mercado. “Na crise, as pessoas ficam mais abertas para experimentar, conhecer novos produtos. E, se gostarem, é possível que continuem com ele quando a situação melhorar. As mudanças vêm para ficar”, afirma. Em contrapartida, argumenta o especialista, as marcas mais consolidadas têm mais capacidade para inovar e formular estratégias mais certeiras para atrair os clientes. Segundo estudo da Nielsen, elaborado entre fevereiro e abril deste ano, 29% das 127 marcas líderes perderam volume de vendas em comparação com o mesmo período do ano passado.

Essa procura pelo menor preço alavanca a venda de produtos de marca própria. É o caso do carro chefe do Grupo Pão de Açúcar, a Qualitá. Segundo o gerente de marcas exclusivas do grupo, Rafael Berardi, o volume de vendas da marca cresceu 10% neste ano em meio ao fraco desempenho do varejo. Berardi também ressalta que só as marcas próprias já respondem por 11% da comercialização de todos os produtos da rede – em 2010, esse porcentual estava em torno de 6%. Lilian de Oliveira, de 26 anos, é um bom exemplo desse fenômeno. “Eu vou no Dia porque gosto das marcas de lá. É mais barato”, diz “Mas na crise até elas estão ficando mais caras.”

Para não perder o controle das suas finanças, Lilian passou a racionalizar os gastos. “Eu ainda compro tudo o que comprava antes, mas em menos quantidade. Se pegava quatro, agora só pego dois”, diz. Ela também entra em outra estatística, que só vem crescendo com a crise econômica, a do desemprego – há dois meses foi demitida do restaurante onde trabalhava, que fechou as portas por falta de movimento. “Só espero para ver quando vai acabar essa carestia. Coitados de nós, brasileiros: sem trabalho e com tudo aumentando”. A aposentada Maria Francisca da Silva, de 63 anos, resume bem a situação: “O que antes eu comprava com 100, agora dá 300 reais. Se continuar assim, a coisa vai ficar preta”.

(Com reportagem de Luís Lima)