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27 November 2024

Latrocínio cresce 27% na capital baiana; maioria dos autores é jovem

Este ano, a Bahia já contabiliza 133 vítimas, a maioria delas (80) no interior, nove na Região Metropolitana, além das 44 da capital

A dívida do usuário com o dono da droga é de R$ 1.000 e ele tem três dias para quitá-la ou será morto. O devedor sabe que essa promessa será cumprida pelo traficante, caso não consiga pagar o que deve, e busca uma saída desesperada para conseguir o dinheiro. A opção escolhida: praticar um assalto.

Segundo delegados e especialistas consultados pelo CORREIO, são em situações parecidas como essa que começam, quase sempre, histórias de latrocínio – roubo seguido de morte. De janeiro a agosto deste ano, 44 pessoas foram vítimas do crime em Salvador, 12 a mais que no mesmo período de 2014. O acréscimo é de 27,2% nas ocorrências, a maioria delas praticada por jovens.

Os dados, que ainda não tiveram os números de setembro e outubro atualizados, são da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA). Em números absolutos, a capital baiana foi a terceira do país em latrocínios  no ano passado, com 50 casos registados. O aumento em relação a 2013 foi de 63%: há dois anos, a capital teve 27 casos do tipo. Já em todo o estado, a SSP-BA apontou 199 casos de latrocínio em 2014 – 134 no interior, 15 na Região Metropolitana, além dos 50 de Salvador.

Este ano, a Bahia já contabiliza 133 vítimas, a maioria delas (80) no interior, nove na Região Metropolitana, além das 44 da capital.

O caso de repercussão mais recente (e que ainda não entra no levantamento divulgado pela SSP-BA) foi o do engenheiro de som José Fernando Álvares Gundlach, 62 anos. Ele foi baleado na cabeça após ter o celular roubado por três homens no bairro do Saboeiro, no dia 4 deste mês. No dia 16, dois dos suspeitos foram presos: Danilo Lima Sena, 25 anos, e Leslie Walace Jesus Santos, 23. Segundo a polícia, Leslie atirou no rosto do engenheiro após a vítima tentar segurar sua arma.

Circunstancial
Embora o número de casos venha aumentando na capital, nos últimos anos, especialistas consultados pelo CORREIO são unânimes em dizer que o latrocínio não é um crime intencional. Pelo contrário,  depende da circunstância e é inesperado tanto para a vítima quanto para o autor.

Para o professor César Barreira, que coordena o Laboratório de Estudo da Violência (LEV) na Universidade Federal do Ceará (UFC), apesar de não ser planejado, a possibilidade de “precisar” matar é sempre cogitada pelo assaltante. “Normalmente, não é premeditado. É um crime em que a pessoa vai preparada para qualquer coisa. É como se a pessoa que estivesse nessa batalha fosse disposta a obter o bem que gostaria e pronta para usar de determinados artifícios para conseguir”, analisa.

O delegado Nilton Borba, titular da 5ª Delegacia (Periperi), aponta o nervosismo como um dos fatores que fazem com que o bandido mate a vítima. “Na prática, o marginal que vai fazer um assalto vai extremamente nervoso, porque ele também sabe o risco que corre. Ele tem medo, principalmente, de a vítima ser policial, porque sabe que o risco de reação é maior”, destaca.

No ano passado, a Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) de Periperi, coberta por Borba, foi a terceira com o maior número de latrocínios na capital – seis. Este ano, já foram quatro – o mesmo número das áreas de Itapuã e de São Caetano. Em Periperi, três latrocidas foram presos recentemente. Em Itapuã, dois. O CORREIO não conseguiu o número com a 4ª Delegacia (São Caetano).

Outro fator que contribui para o aumento de casos, segundo Borba, é a inexperiência do assaltante, que muitas vezes reage à resistência da vítima, mesmo que este seja um ato involuntário. Hoje, assinala o delegado, os autores de latrocínio são cada vez mais jovens e, por conta da inexperiência, acabam atirando diante de qualquer reação. É o que explica o fato de muitos casos terminarem com o bandido fugindo sem levar nada, cita Nilton Borba.

O coordenador do Departamento de Crimes Contra o Patrimônio (DCCP), delegado Moisés Damasceno, avalia que é nessa condição de inexperiência do assaltante que há mais perigo. “O mais arriscado de todas essas situações ocorre quando o assalto envolve gente inexperiente, que fica nervosa e atira diante de qualquer esboço de reação”, reitera.

Já a delegada titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR), Francineide Moura, acrescenta que essa inexperiência é explicada, em boa parte, pelo fato de muitos autores terem menos de 18 anos. Para ela, o criminoso, quase que na totalidade dos casos, “não sai com a intenção de matar”. “Quando ele quer matar, ele vai cometer um homicídio, não subtrair um bem”, compara.

Quadro social
Para o delegado Antônio Carlos Santos, titular da 12ª Delegacia (Itapuã), o aumento nos latrocínios está diretamente ligado ao momento vivido pela sociedade. “Toda ação criminosa tem um espelho no comportamento da sociedade. Com o crescimento dessa vivência de desemprego, de combate sistemático ao tráfico, o pessoal está migrando para o crime contra o patrimônio”, avalia ele.

É uma forma fácil e mais rápida que o próprio tráfico de obter dinheiro, conforme o delegado. Os principais alvos são os celulares, porque são repassados mais facilmente.

Conforme as fontes consultadas, é também nas áreas onde há mais assaltos onde ocorre o maior número de latrocínios – em geral, bairros nobres ou de comércio forte. Por isso, para o delegado Nilton Borba, a melhor forma de combater o latrocínio é reduzindo a incidência de assaltos. “Este ano, já temos quase 150 assaltos em Periperi, mas foram quatro latrocínios. Nós temos que ficar atentos a isso porque, do assalto para o latrocínio, basta o bandido resolver atirar”, destaca Borba.

Em 2014, o maior número de latrocínios ocorreu na Aisp de Itapuã, com oito casos. Segundo o delegado Antônio Carlos Santos, a área é, de fato, problemática quando o assunto é roubo, por conta do grande número de comércios e de possíveis rotas de fuga, especialmente na Avenida Dorival Caymmi. O aumento das blitze tem sido uma das estratégias da polícia, na área, para reduzir o número de assaltos e, por extensão, casos de latrocínio.

Especialistas recomendam vítima a não reagir e avisar cada gesto
Quando o assunto é o perfil da vítima de latrocínio, delegados e especialistas em segurança pública têm opiniões variadas. Mas para todos, a reação da vítima é o “gatilho” do assaltante. A delegada Francineide Moura lembra que qualquer pessoa está suscetível a um latrocínio. “Não tem regra para isso. A questão do latrocínio é que nós ainda somos muito materialistas, quando o que a gente sempre diz é que o bem maior é a vida. Mas a questão é que, às vezes, a pessoa trabalhou tanto para conseguir aquilo que a reação é inesperada”, comenta. Ainda conforme a delegada da DRFR, é  comum “uma pessoa muito agressiva se comportar de forma apática  e outras, mais tranquilas, acabarem reagindo”.

Já o delegado Antônio Carlos Santos diz que pessoas mais distraídas são vítimas em potencial. “Se você pega um celular em determinado lugar, você se torna uma vítima em potencial”, cita ele.

Para o delegado Nilton Borba, as vítimas são escolhidas por dois fatores. “O primeiro são os sinais exteriores de riqueza. Se passa um cara todo bonitinho e um molambento, ele vai em cima do arrumadinho, que tem relógio, corrente. O segundo fator é a atenção da vítima. Tem gente que está na rua completamente aéreo. Se você tem atenção, está menos propenso a ser atacado”, indica.

O professor César Barreira, da UFC, considera difícil traçar um perfil, mas leva em consideração que os latrocínios ocorrem, normalmente, em bairros com maior índice de assaltos e contra vítimas que têm poder aquisitivo mais alto ou possuem um objeto de desejo do assaltante.

Ainda conforme Barreira, fatores psicológicos também envolvem a questão do aumento na incidência desse tipo de crime. “No latrocínio, é como se a pessoa (assaltante) estivesse preparada para qualquer ação. E tem ainda o aumento das reações das pessoas, que reagem porque não confiam mais na ação do Estado. É como se a vítima pensasse que está sujeita a qualquer reação do bandido. E o bandido pensa a mesma coisa”, conclui o especialista.

Latrocínio tem uma das penas mais altas da lei criminal
O crime de latrocínio, a rigor, não existe no Código Penal brasileiro. Juridicamente, ele é chamado de roubo majorado com resultado em morte e se enquadra no Artigo 157 do código, que dispõe sobre roubo. Ainda assim, de acordo com o delegado Moisés Damasceno, a pena para esse tipo de crime é uma das mais severas. Ele cita o Parágrafo 3º do Artigo 157 que diz que “se a violência resulta em morte, a reclusão é de 20 a 30 anos”.

Para o professor do curso de pós-graduação em Segurança Pública da Ufba João Apolinário da Silva, o assaltante aceita a possibilidade de pagar por um crime mais grave porque a pena não é cumprida integralmente. “A lei existe, é dura, mas a pena não é cumprida na sua totalidade. Ele é punido com 30 anos, mas cumpre 10 anos e, a partir do terceiro ou quarto ano, já tem os indultos, começa a sair nas datas festivas”, argumenta.

Taxa desse tipo de crime quase dobrou em um ano na capital
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015, divulgados no dia 7 deste mês, a taxa de latrocínio em Salvador quase dobrou entre 2013 e 2014. Segundo o levantamento, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,  há dois anos, foram 27 roubos seguidos de morte na capital, o que corresponde a uma taxa de 0,9 casos para cada 100 mil habitantes. Naquele ano, a cidade foi a 17ª capital com mais registros desse tipo de crime. Já no ano passado, foram 50 latrocínios na cidade, com taxa de 1,7 caso (quase o dobro do ano anterior), fazendo com que a cidade subisse para o 13º lugar com mais incidência entre as capitais.

Ainda conforme o levantamento, em todo o estado, a taxa foi de um caso para cada 100 mil pessoas em 2013 e, no ano seguinte, de 1,3 registros para cada grupo de 100 mil habitantes.