Empreendedor não pode temer ser chamado de louco, diz criadora da Endeavor
Escritora e empreendedora Linda Rottenberg, fundadora da Endeavor(Gilberto Tadday/VEJA)
Se você não está sendo chamado de louco, provavelmente não está pensando grande o suficiente. Essa foi a lição aprendida na prática pela americana Linda Rottenberg, a idealizadora e uma das fundadoras da Endeavor, instituição internacional de incentivo ao empreendedorismo. Fundada em 1997, a Endeavor abriu as portas no Brasil três anos depois. Contou desde o início com o respaldo dos empresários Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira, dois dos criadores da Ambev. A instituição seleciona criteriosamente os empreendedores a serem apoiados, levando em conta o potencial de crescimento. O estímulo, mais que financeiro, vem na forma de aconselhamento. A Endeavor está em 25 países e ajudou a erguer 600 empresas, com a criação de 400 000 empregos e faturamento anual de 7 bilhões de dólares. De cada 100 empresas escolhidas, 95 vingam e prosperam. Linda, de 47 anos, é autora do livro Crazy is a Compliment, que sairá no Brasil nas próximas semanas, com o título De Empreendedor e Louco, Todo Mundo Tem um Pouco (Editora HSM). Ela virá ao Brasil na próxima semana, para uma série de palestras e encontros com empreendedores locais. A seguir, a entrevista com a executiva.
Cresci em uma clássica família americana, perto de Boston. Fui estudar em Harvard e depois me especializei em direito, em Yale. Entretanto, percebi que queria fazer algo mais empreendedor, que tivesse impacto social. Estava na Argentina, em um estágio. Via que os argentinos queriam ou trabalhar para o governo ou trabalhar para grandes empresas. Não conseguia entender o motivo daquilo. Meu “dia um” foi no meio da década de 90, quando estava em um táxi em Buenos Aires e o taxista disse que era formado em engenharia. Então perguntei: “O que você está fazendo dirigindo um táxi?”. Ele respondeu que nenhuma empresa estava contratando. Eu respondi: “Por que você não se torna um entrepreneur (empreendedor)?”. Ele desdenhou: “Ah, um empresário?”. Eu falei: “Não! É outra palavra”. Só então percebi que não havia uma expressão que significasse empreendedor em espanhol. Então eu pensei: “Isso é ridículo, precisamos de uma organização para ajudar as pessoas a empreender aqui”.
Então a palavra “empreendedor” realmente não existia nem em português e nem em espanhol?
Um dos meus momentos preferidos na Endeavor aconteceu sete anos depois daquela conversa no táxi, quando recebi uma ligação do Paulo Veras (ex-diretor da Endeavor no Brasil) dizendo que, por causa também do nosso trabalho, as palavras “empreendedor” e “empreendedorismo” seriam adicionadas ao dicionário. Ajudamos a incluir a palavra empreendedorismo nas línguas árabe, turca e indonésia. Mas o importante não é a palavra, são as histórias. Sempre conto às minhas filhas a história de Leila Velez e Zica Assis, duas mulheres que moravam no subúrbio do Rio de Janeiro e que abriram uma marca de cosméticos para cabelos cacheados, chamada Beleza Natural. Elas não imaginavam que o negócio empregaria 3 500 pessoas, que teria uma filial em Nova York ou que faturaria 100 milhões de dólares. Elas só queriam que as pessoas pobres também se sentissem bonitas.
A Endeavor nasceu na América Latina. Como foi o início da organização?
Ninguém acreditou que oferecer apoio a empreendedores em mercados emergentes fosse uma boa ideia. Recebi respostas negativas de todos investidores que procurei nos Estados Unidos. Busquei então apoio nos próprios países da América Latina. A primeira reunião foi em Buenos Aires, com um empresário do ramo imobiliário. Consegui dez minutos na agenda dele e, logo no início da conversa, eu disse: “Preciso do seu tempo, da sua paixão e de 200 000 dólares”. Ele exclamou, em espanhol: “Essa mulher está louca!”. Eu respondi: “Você tem sorte que eu só te pedi 200 000”. Ele, ao fim, tirou o cheque do bolso e fez a primeira colaboração para a Endeavor Argentina. A lição que eu tirei de toda essa história foi: ser chamada de louca é um elogio. Se você não está sendo chamado de louco, provavelmente não está pensando grande o suficiente.
Por que você recomenda que os empreendedores sejam loucos?
Os empreendedores não são verdadeiramente loucos, no sentido de desequilibrados. Mas precisam se preparar para que as pessoas pensem que eles são. Faz parte do pioneirismo. Beto Sicupira me disse, uma vez: “Se sua ideia fosse simples e fácil, então alguém teria feito antes de você”. Henry Ford foi chamado de “Henry maluco”. É preciso ser realista e saber lidar com o criticismo e com as inúmeras possibilidades de falhar.
Isso não pode resultar em pessoas que empreendem sem planejamento?
Assumir riscos não quer dizer ignorá-los. Phil Knight, fundador da Nike, manteve seu emprego de contador por quase dez anos, enquanto percorria a vizinhança para vender tênis em seu carro. Ele só deixou de ser contador um ano antes de a Nike vender 3,2 milhões de dólares em sapatos. Vivo dizendo aos empreendedores: parem de planejar e comecem a fazer. Se sua ideia não funcionar, se for algo maluco demais, o mercado dirá rapidamente. O problema não é o mau planejamento, é o contrário. As pessoas estão com medo demais, planejando demais. Muitas vezes só passam a fazer o que realmente querem quando perdem seus empregos tradicionais. O que me preocupa são as ideias que ficam somente nas anotações e nos pensamentos. Os especialistas sempre dizem que as maiores barreiras para o empreendedorismo são estruturais e financeiras. Para mim, o principal obstáculo é o emocional. As pessoas têm medo de persistir em uma ideia por medo de decepcionar a família e perder apoio. Outro erro é associar o empreendedor a alguém que assume grandes riscos. Os melhores empreendedores são os minimizadores de problemas, os organizadores do caos. Eles aprendem a tornar o caos uma ferramenta, porque a estabilidade pode te fazer criar raízes e ficar somente no conhecido.
Você diz ser importante passar por momentos de derrota e de vulnerabilidade. Por quê?
Certo dia, meu marido trouxe para casa uma lata de WD-40 (um óleo lubrificante). Perguntei às milhas filhas se elas sabiam por que aquele era o nome do produto e elas disseram não. Expliquei que era porque as 39 primeiras tentativas falharam. E a 40ª tentativa acabou sendo uma descoberta, porque o produto que era para ser usado na indústria aeroespacial acabou tornando-se útil para consertar portas enferrujadas. Você precisa aprender com as tentativas, a tratar os resultados de forma inteligente e entender que falhar faz parte do processo de inventar e empreender.
Qual é o critério da Endeavor para selecionar os empreendedores?
Procuramos empreendedores com ideias grandes, que já começaram algo e que, com um pouco de ajuda, tenham potencial para crescer. Você não pode ser somente um sonhador, você precisa ser um criador. Não é uma competição de planos de negócio, é preciso provar a prática. Isso significa ajudar a construir uma empresa que cresça em média 20% nos três primeiros anos. Sete das nossas 81 empresas brasileiras atingiram o faturamento de 100 milhões de dólares. O empreendedorismo pode acontecer em qualquer setor. Pode ser uma indústria, um restaurante, um aplicativo para celular. Procuramos empreendedores que estejam prontos, mas ao mesmo tempo estejam dispostos a ouvir, aprender e entender os conselhos dos mentores.
Por que você afirma que o próximo Steve Jobs virá de um país emergente?
Na década de 90, todo jovem americano que queria ganhar dinheiro procurava emprego em Wall Street. Os jovens de hoje em dia vão para o Vale do Silício. No entanto, o plano de negócios deles é apenas ser o próximo bilionário. Empreendedores de países emergentes olham para os problemas reais, do dia-a-dia. Nesses países, muitas pessoas não têm computadores, nem notebooks, nem mesmo contas em banco, então usam seus celulares para resolver essas questões. Existe um contingente enorme de pessoas assim. Com certeza veremos nos próximos dez anos muitas inovações no setor da internet para celulares nos países emergentes.
Mas esses países emergentes não são muito mais desafiadores, por causa de seus problemas conjunturais?
Empreender nesses países, certamente, é mais desafiador. No entanto há muitos empreendedores pensando: “Qual é a dificuldade que as pessoas estão enfrentando e como eu posso solucioná-la?”.
Você também diz que ambientes desafiadores e crises podem incentivar o surgimento de negócios. Por quê?
Quando a economia vai mal, os empreendedores levantam a cabeça. Metade das 500 maiores empresas dos Estados Unidos foi fundada durante períodos de recessão. Faz todo sentido. Se a economia vai bem, as pessoas vão pelo caminho seguro, pelos empregos fáceis e as grandes empresas predominam.
Essa é uma lição para o Brasil atual?
Com certeza. Acredito que os brasileiros estejam preparados, por natureza, para lidar com o caos. Se eu pudesse mudar algo nos inovadores brasileiros seria a forma com que eles veem o horizonte de negócios. Como o Brasil é grande e diverso, as pessoas não pensam no que está além dele. É impossível criar uma grande companhia pensando somente em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Adoraria ver mais brasileiros pensando globalmente. Isso não significa que você tenha que pular etapas. É preciso começar pequeno, mas é importante perceber que os outros países têm muito a oferecer. Espero que essa crise seja um momento para que os brasileiros tenham muito orgulho do que eles construíram, mas, acima de tudo, um momento para que eles se conectem com o resto do mundo.
As micro empresas são responsáveis por gerar a maior parte dos empregos, mas aqui elas contribuem pouco no PIB. Qual o motivo?
Por mais importantes que as microempresas sejam, eu nunca entendi dar incentivos para manter esses negócios pequenos. Por que no Brasil, na África do Sul ou na Turquia há muitas microempresas surgindo, em vez de uma Microsoft? Há muita controvérsia no debate sobre políticas públicas, mas o governo parece se esquecer de que as empresas pequenas querem ser grandes. No Brasil, as empresas chegam a determinado valor de faturamento e não conseguem mais avançar. Ficam presas, estagnadas. Se você não avança, tem mais chances de falir.
Como você se aproximou dos empresários brasileiros Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira?
A Endeavor estava começando. Operávamos no Chile e na Argentina. Então recebi uma ligação de um mentor de Harvard. Ele me contou da frustração de Beto e Jorge Paulo, porque haviam oferecido bolsas para brasileiros estudar nas melhores escolas de negócios americanas, na esperança que eles voltassem com o desejo de empreender, mas todos voltaram querendo trabalhar em bancos de investimento. Meu mentor disse a eles: “Falem com a Linda”. Beto pediu que eu fosse ao Brasil encontrá-lo. Após conversarmos, ele procurou seus contatos no mundo de empresários e investidores e ajudou a levantar 2 milhões de dólares para abrirmos as portas da Endeavor no Brasil. Foi ótimo, porque essas pessoas não só ajudaram financeiramente, como vieram colaborar com nossos empreendedores. Ajudar a Endeavor, para eles, nunca foi somente assinar cheques e aparecer uma vez por ano.
Qual é o tipo de lição que a cultura de Lemann e Sicupira transmite para os empreendedores?
O que eles mais levam a sério e o que nós mais admiramos é a meritocracia. Eles cultivam essa percepção de que todos os funcionários fazem parte de algo grandioso e que todos têm sua importância. É como transformar cada funcionário em dono da empresa