Após demissão, jornalista se une à mãe e amplia negócio com feijoada
O ditado “há males que vêm para o bem” resume um momento crucial na vida da jornalista Raquel Pimentel, que mora em Salvador. Ela foi demitida de um emprego e, com o dinheiro da rescisão, resolveu investir na venda de feijoada junto com a mãe, Rita Pimentel. Agora, como microempreendedora individual, Raquel é encarregada da parte administrativa, enquanto a mãe cozinha e capricha nos temperos.
A jornalista viu no novo negócio uma chance de recomeçar uma atividade profissional e a solução para a necessidade de ganhar dinheiro. Ela se enquadra em um contexto novo, ocasionado pelo período de crise, e denominado pelo Sebrae como “empreendedor por necessidade”. Conforme explica Franklin Santos, diretor de atendimento do Sebrae na Bahia, esse é um novo perfil de empreendedor, que abre um negócio por não possuir outras opções de trabalho e não por ter necessariamente planejado esta guinada na carreira.
Já o empreendedor por oportunidade, segundo explica Franklin Santos, é aquele que opta por iniciar um novo negócio, mesmo quando possui alternativas de emprego. De acordo com Santos, os empreendedores por oportunidade investem em um negócio para aumentar a própria renda ou pelo desejo de independência no trabalho.
“Quando você está nos terrenos mais seguros, não precisa da renda imediatamente, você tem tempo para amadurecer as ideias e executar o planejamento. Já as empresas que nascem por necessidade, às vezes se sentem na obrigação de ter um retorno imediato. A ausência de tempo e maturar a ideia são situações que podem levar ao fracasso”, alerta o diretor.
recisão em empresa na Bahia
Mas a importância de amadurecer ideias e estudar para investir em um negócio foram situações pensadas e executadas por Raquel Pimentel. Ela foi em busca de conhecimento através de cursos e consultorias.
“Entramos na economia criativa. Demos um conceito [à empresa], a marca dialoga com todas as classes, fizemos uma rede social, compramos um software para cadastrar o cliente, tivemos essa preocupação desde o início. Procuramos um preço em conta, que não fosse abusivo”, explicou Raquel.
O empreendedorismo por necessidade aumentou nos dois últimos anos, detalha Franklin Santos. Na última pesquisa do Sebrae em 2015, com publicação em 2016, o empreendedorismo por oportunidade era de quase 70%. Agora já caiu para 56%. O novo perfil de empreendedor, o por necessidade, ainda não foi contabilizado, mas está sendo observado. Conforme o diretor de atendimento do Sebrae Bahia, as pessoas começaram a empreender por necessidade por conta do desemprego em 2015, e buscaram nesse caminho uma nova forma de atividade e renda.
O psicólogo e especialista em recursos humanos, Lucas Freire, concorda com Franklin Santos e diz que as demissões no país foram uma das formas de incentivar o empreendedorismo por oportunidade. “Um dos grandes gatilhos motivacionais do ser humano é a escassez”, disse.
Lucas explica ainda que apesar da falta de empregos, o cenário do empreendedorismo por oportunidade também é um reflexo de como as pessoas lidam com os problemas. “Cada pessoa reage de uma forma diferente, tanto no cenário da diversidade, quanto no da oportunidade. Tem gente que perde o emprego e pensa que não tem mais o que fazer, se desmotiva e fica triste. E tem pessoas que dão outra dimensão ao problema, correm atrás e abrem um negócio, por exemplo. Não ficam parados e reagem diante de um problema”, contou.
O psicólogo também destacou a importância da percepção de Raquel de investir em uma nova atividade de trabalho através da habilidade que a mãe dela tem na cozinha. “Nenhum negócio é uma ilha, todo negócio para se sustentar precisa de uma parceria. É importante fazer bem o que você sabe fazer. Se a comunicação entre elas [mãe e filha] é boa, isso é ótimo. Só é preciso tomar cuidado para que questões da família não sejam levadas para o trabalho e ter muita maturidade”, disse.
O delivery funciona apenas nos finais de semana e elas já oferecem buffet de feijoada para eventos. Em fevereiro deste ano, quando começaram no mercado, até este mês de julho, elas já observam um crescimento nas vendas de cerca de 50%.
Quando Raquel teve a ideia de padronizar e aumentar a venda da feijoada, a mãe dela já vendia o mesmo prato. Rita é turismóloga, mas fazia quentinha de feijoada em casa para vender no trabalho. Quando ainda atuava na profissão de formação, em 2015, em uma agência de viagens localizada em um shopping da capital baiana, Rita fazia e vendia feijoada apenas nos finais de semana, mas a busca aumentou. Apesar da crescente procura, a comida era feita somente em casa.
Com a saída de Raquel do emprego, Rita que já tinha deixado a agência onde trabalhava, resolveu dar apoio à ideia da filha e se voltou totalmente ao comércio alimentício. Em janeiro deste ano, quando começaram a pesquisar e investir no negócio, a comida ainda era feita na casa onde elas moram. Cerca de quatro meses após o negócio em funcionamento, elas precisaram alugar um espaço que possui uma cozinha industrial e um escritório.
Raquel conta que não fez o investimento de qualquer maneira, preferiu procurar dicas no Sebrae, criar uma marca, fidelizar clientes e contar com os amigos, a quem ela atribui parte do sucesso da nova carreira.
O planejamento feito por Raquel é uma atitude muito importante para o progresso de um negócio, de acordo com o diretor de atendimento do Sebrae, Franklin Santos. Para ele, é necessário que o empreendedor pense nos clientes, nos fornecedores e nos concorrentes diretos e indiretos. Santos também explica a necessidade da capacidade de gestão e dá dicas.
“Não adianta nada uma boa ideia com gestor ruim. O ideal é bom planejamento e boa gestão. Uma forma de boa gestão é aprender sobre isso. Tem que ler, estudar. O restante é prática. A gente costuma dividir dinheiro da empresa e do empresário dentro da boa gestão. É comum misturar duas coisas, a pessoa vai lá no dinheiro da empresa e pega, isso não é bom. É importante que ele [empreendedor] saiba se a empresa está dando lucro ou não. Não misturar essas as contas, a pessoal e da empresa”, ensina.
“A gente seguiu todos os passos do Sebrae. A gente não colocou os pés pelas mãos e até então, não mexemos no dinheiro da empresa. A gente só saiu de casa para ir para o ponto fixo porque era uma necessidade do cliente. Só usamos o dinheiro que ganhamos para reinvestir. A gente profissionalizou o que estava solto”, relata Raquel.
Segundo a jornalista, ela já pensava em ter o próprio negócio, mas destaca que não sabia como começar. “Sempre sonhei, mas descobri que consigo administrar, não tenho habilidade na cozinha. Aprendi a lidar com cliente, sempre quis [fazer uma atividade comercial] mas, nunca achei que tinha um talento. Faço o melhor que eu posso nessas áreas mais administrativas”, contou.
Para isso, Franklin Santos explica que a empresária pode aguardar a declaração anual do empreendedor ou procurar um contador para saber quais atitudes devem ser tomadas. “A Receita [Federal] cruza os dados e toda vez que ela faz fornecimento com nota fiscal, precisa anunciar quanto faturou. Uma micro empresa deve ter o faturamento anual de até RS 60 mil. Mas se o empreendedor perceber que vai ultrapassar esse valor, o ideal é ter mais informações no Sebrae ou com um contador, pois essas questões tributárias é sempre bom antecipar”, explica.
A empresa da jornalista está incluída no total de 643.800 micro e pequenas empresas na Bahia e 124.354, em Salvador. Segundo informações do Sebrae, das cidades baianas que têm os maiores números de pequenos negócios, a capital baiana lidera a lista, seguida por Feira de Santana, Vitória da Conquista, Lauro de Freitas e Camaçari.
Entre os setores, o comércio é o preferido dos empreendedores baianos. De acordo com dados da Receita Federal, o setor possui 59,3% dos pequenos negócios no estado, superando o percentual nacional que é de 50%. Em seguida, os baianos se concentram nos setores de serviços (28,1%), indústria (8,1%) e construção civil (4,6%).
A atividade desenvolvida por Rita e Raquel, se enquadra no fornecimento de alimentos preparados para consumo domiciliar, que ocupa apenas 4% no mercado baiano.