Data de Hoje
27 November 2024
Foto: Evandro Veiga

Baianos ainda estranham mictórios instalados na orla

Os equipamentos, distribuídos entre Piatã, Itapuã, Boa Viagem e Ribeira, possuem um cinturão que cobre apenas o quadril dos homens

Apertado, segurando uma latinha de cerveja, o motoboy Diego Martins, 28 anos, baixa a bermuda em pleno calçadão da praia de Piatã, à vista dos banhistas, e se prepara para fazer xixi. Incomodado, muda para outro ponto para se aliviar, e ninguém em volta parece interessado em acusá-lo de atentado ao pudor.

O motivo: Diego está em um dos 80 mictórios que começaram a ser instalados em alguns pontos da capital no mês passado pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop).  “Não gostei do fato de a galera da praia ficar me olhando, por isso que fui no outro (mictório), mas ta de boa. Melhor do que tirar a água do joelho em qualquer lugar na rua”, explicou o motoboy.

Os equipamentos, distribuídos entre Piatã, Itapuã, Boa Viagem e Largo da Madragoa, na Ribeira, possuem um cinturão que cobre apenas a região do quadril dos usuários, ou seja, os homens. Depois do xixi, porém, mão suja: as torres não contam com lavatório.

Na orla de Piatã, os mictórios foram instalados ao lado de banheiros químicos. “Mas nada disso desmerece o equipamento. O banheiro químico só vive sujo e assim, a céu aberto, vão pensar duas vezes antes de fazer porcarias”, avaliou o motoboy.

Mesmo sem ter entrado em um dos equipamentos – cada torre conta com quatro mictórios –, o comerciante Bartolomeu dos Reis, 70, aprovou a novidade. “O projeto é excelente. Não vejo nada de mais nele. Para quem está acostumado a mijar em qualquer lugar, não fará diferença”, opinou.

É melhor assim do que ter que dar de cara com alguém fazendo xixi no muro ou atrás de uma árvore

Ana Motta, assistente administrativa que aprova a novidade dos mictórios masculinos

O professor de Matemática Tiago de Freitas, 47, lembrou que o projeto já havia sido usado no Carnaval. Desde lá, vê com bons olhos. “Pra mim, funciona muito bem. O modelo é comum em outros países e, o principal, é uma forma de ampliar o número de locais para esvaziar a bexiga”, contou ele, considerando ainda que “as pessoas vão se acostumando gradativamente”.

A mulher de Tiago, a assistente administrativa Ana Paula Motta, 38, tem opinião parecida. “É melhor assim do que ter que dar de cara com alguém fazendo xixi no muro. Com certeza, é bem mais constrangedor”, comentou.

Segundo a Semob, seis torres (que totalizam 24 mictórios) foram instalados em Piatã e outras duas torres no Largo da Madragoa, na Ribeira. Itapuã e Boa Viagem também já contam com as estruturas, que serão instaladas em outros pontos da cidade – ainda não há um cronograma definido.

Estranhamento

“Como vou largar o doce aí? E ainda por cima, todo mundo lhe vendo”, disparou o garçom Ricardo Pereira, 35, apontando para um dos mictórios. A guardadora de carro Ângela Maria Alves de Oliveira, 37, que escutou a declaração, entrou na polêmica e quis rebater a crítica.

 “Não vejo nada demais. Melhor do que sair mijando em todo lugar”, opinou. “Então, vou ali no mictório, faço o que tenho que fazer, não lavo as mãos e depois toco em você, tá certo?”replicou Ricardo. “Deus me livre! Essa mão ‘pôde’, retrucou Ângela, às gargalhadas.

Visivelmente limpos, os mictórios foram desprezados por algumas pessoas, que preferiram encarar a aparente ‘podridão’ de alguns banheiros químicos ao lado. “Ainda prefiro os tradicionais. Minha intimidade não é para ser compartilhada”, disse o comerciário Fabrício Melo, 35.

O estudante de Enfermagem Mateus Leal de Melo, 21, também reprovou os mijões em via pública. “Não vejo privacidade. Talvez, para quem está habituado a urinar na rua, não seja problema. No meu caso, quando há banheiro químico, procuro sempre um bar ou loja pra usar o banheiro”, comentou o rapaz, ao lado da amiga, a também estudante de Enfermagem Maria Carolina Nascimento, 19, que também reprovou a novidade.

Isso é um absurdo. Pais e mães ficam constrangidos quando passam por perto

Maria Santiago, aposentada que considera o uso dos equipamentos “uma pouca vergonha”

Para a garçonete Aline Silva, 31, as estruturas podem propiciar brigas na praia. “Têm homens que quando vão ao banheiro químico fazem questão de mijar de porta aberta para todo mundo ver, quando não se masturbam. Aí é que rolam as brigas, porque passam mulheres e crianças e as pessoas não gostam. Imagina como será com essas cabines abertas? perguntou.

No Largo da Madragoa, na Ribeira, mais reprovação. “Isso é um absurdo. Pais e mães ficam constrangidos quando passam por perto com os filhos pequenos e encontram homens urinado a céu aberto. Vai ser uma pouca vergonha”, opinou a aposentada Maria de Nazaré Santiago, 70.

Empresa

Representante comercial da Star Ambiental, empresa contratada para instalar e dar manutenção às torres, Artur Oliveira rebateu o argumento de que os mictórios deixam à mostra o órgão sexual masculino.

“Se fizer um teste com alguém da mesma estatura, verá que não acontece isso, pois o órgão genital fica de frente para o coletor do reservatório, ou seja, não há como estar exposto, como acontece com os homens que urinam no muro, onde pode ser visto de qualquer ângulo”, comparou.

Além disso, em grandes cidades mundo afora (ver ao lado), esses mictórios não dispõem do cinturão. “Já os mictórios múltiplos possuem esses cinturões, justamente para garantir uma maior privacidade daqueles que vão utilizar, fator também que determina os locais escolhidos para instalação”, finalizou.

Comum em cidades como Paris, Amsterdã, Londres, Munique e outras grandes metrópoles no mundo, o novo modelo de mictórios implantado pela prefeitura em quatro pontos da capital tem o dobro da capacidade do banheiro químico comum.

“Enquanto o banheiro pode armazenar 220 litros por dia, a capacidade de cada torre é de 450 litros, mais que o dobro do equipamento convencional. Sem falar que cada torre atende até quatro homens ao mesmo tempo”, argumentou Artur Oliveira, representante comercial da Star Ambiental.

A urina é depositada em um reservatório que o equipamento possui e posteriormente coletada por um caminhão de sucção e transportado para uma estação de tratamento de esgoto. “Os tanques possuem um produto químico capaz de neutralizar odores. O mau cheiro só acontece se o equipamento for utilizado de forma inadequada, ou seja, se urinar no chão ou fora do equipamento”, explicou Oliveira, que garantiu que a limpeza das torres é feita diariamente ou de acordo com a necessidade.

O novo modelo de mictório será espalhado em Salvador de forma gradativa, segundo a titular da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), Rosemma Maluf.

“Estamos buscando novas alternativas para ampliar o número de sanitários públicos em Salvador, trazendo esse novo modelo. A ideia é instalá-lo em locais discretos, de grande fluxo, a exemplo das praias e pontos turísticos, onde possam ser utilizados de forma harmônica nos espaços públicos”, explicou ela, que espera “trazer os equipamentos para o dia a dia da cidade”.

Os locais de instalação das 20 torres, espalhadas em Piatã, Itapuã, Ribeira e Boa Viagem, obedeceram um critério, segundo Oliveira. “Foram de acordo com as demandas de fluxo de pessoas, a exemplo da orla, onde tem um maior número de concentração de pessoas aos finais de semana”, esclareceu.

Por Correio 24horas