“Calote” padrão FIFA? Trabalhadores durante a Copa em Salvador denunciam empresa de não pagar o que foi prometido
Jornadas extenuantes, falta de almoço e ausência de vale-transporte são algumas das irregularidades apontadas
Ao olhar para a Fonte Nova, eleita pela segunda vez a melhor das arenas brasileiras pela FIFA, Marta Miranda sente uma tristeza sem tamanho. Ali, onde milhares de torcedores, de fora ou daqui, vibraram com os seis jogos realizados na Copa do Mundo, ela e outras pessoas que trabalharam no local, não tiveram experiências que consideram agradáveis.
Prestadores de serviço, contratados por uma empresa multinacional especializada em marketing esportivo e realização de eventos, acusam a firma de não ter cumprido o que foi acordado no contrato de trabalho.
“Disseram, no contrato, que iríamos trabalhar apenas oito horas em cada jogo. Mas nunca fazíamos isso. Trabalhávamos por dez horas ou mais”, afirma Marta.
A jornada, considerada pelo grupo extenuante, era precedida de uma espera interminável, segundo Daniele Brito, outra contratada pela empresa, prestadora de serviço para a FIFA:
“A gente chegava bem cedo, para passar por um credenciamento. Ficávamos quase duas horas na rua, no meio do sol, até passar pela primeira portaria. Depois, mais espera, até conseguir entrar no estádio. Eram mais de três horas perdidas”, garante.
Apesar de terem sido contratados para fazer a função de atendentes e caixas, os trabalhadores que denunciam a situação expõem que tiveram de fazer mais obrigações que o previsto no contrato:
“A gente tinha que limpar o local sempre antes e depois dos jogos. E ainda contávamos tudo que tinha no estoque, fazendo outras funções e recebendo apenas por uma”, explica Jeane de Jesus, uma das atendentes que procurou o para fazer a denúncia.
A diária recebida pelo trabalho, segundo o grupo, variava de acordo com a função que deveriam exercer: R$ 100 para vendedores e atendentes, e R$120 para caixas.
Cadê o dinheiro? “Eles nos prometeram uma ‘comissão’, no fim do jogo, de 10 por cento do valor recebido nos seis dias, o que daria, no meu caso, em R$ 72. Mas esse dinheiro não foi pago”, garante Marta.
As acusações do grupo, que garante reunir mais de 160 pessoas que se sentem prejudicadas, não ficam por aí. Eles afirmam que sofreram intimidações dos coordenadores:
“Não tínhamos tempo de descanso. Lanche era precário, com sanduíche frio e suco quente. Água era algo raro, e, quando conseguíamos guardar o lanche, não deixavam que a gente levasse para casa. Gorjeta? Eles não deixavam a gente receber ”, explica Daniele.
“Eles disseram que teríamos seis camisas. Já no terceiro jogo, ameaçavam que, se não trouxesse a camisa, não iria trabalhar”, argumenta Jeane.
Estas pessoas também apontam que não receberam vale-transporte, mas que esse direito havia sido prometido no contrato de prestação de serviço.
Eles acusam de não receberem almoço, e, desde quando passaram a cobrar o dinheiro prometido, o responsável não atendeu mais às ligações.
A empresa, alvo das acusações, é uma multinacional com sede na Inglaterra e filial no Rio de Janeiro, especializada em marketing esportivo e na realização de grandes eventos. Na suposta página da companhia, no Facebook, a reportagem do Varela Notícias encontrou outros trabalhadores insatisfeitos com o tratamento que garantem ter recebido.
Silêncio: Em Salvador, o responsável pela empresa, acusado de não atender as ligações, segundo os contratados, se chama Bruno, e aparece nesta foto, que o grupo possui. O VN tentou manter contato com o preposto, mas todos os números chamavam, sem ser atendidos.
A reportagem procurou a filial da empresa no Rio de Janeiro. De acordo com a diretora de relações institucionais da companhia, foram cerca de 12 mil contratados, em caráter provisório, para trabalhar nas 12 sub-sedes da Copa do Mundo.
Ainda de acordo com a diretora, é normal haver sempre alguns colaboradores que se queixam, mas ficou surpreendida com a quantidade de reclamações: “vamos investigar o que houve”, explicou, por telefone.
De acordo com o advogado Adriano Serravalle, consultado pela nossa equipe de reportagem, a situação configura uma relação de trabalho, em que implica uma série de exigências que não teriam sido cumpridas pela empresa:
“Houve quebra de contrato. Não assinaram a carteira, mesmo sendo um serviço temporário. Tinham que pagar direitos previdenciários, além de PIS e FGTS. Cabe processo no Ministério Público Federal e no Tribunal Regional do Trabalho em Salvador”, explica.
O grupo pretende, nesta terça-feira (15), procurar o Sindicato dos Comerciários, para buscar mais informações sobre os direitos não respeitados.
Marta, Daniele, Jeane e os demais que se sentem prejudicados, acreditam em um possível calote: “não nos atendem, mandamos e-mails e não respondem. Merecemos mais respeito”, desabafa Marta.
Eles chegaram a abrir uma página nas redes sociais (convocadosparatrabalharnacopa2014) para acolher mais trabalhadores que se sentem injustiçados.
Uma luz para a solução do problema foi dada pela própria empresa, através da diretoria: “quem se sente injustiçado deve nos procurar, ligar para a gente”, garante a diretora de relações institucionais.
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