Comprar e vender smartphone usado vira bom negócio em tempos de crise
O principal motivo é a piora da crise econômica, que deixa os smartphones desejados cada vez mais distantes da realidade dos brasileiros
“Vendo iPhone 5S dourado, com capinha de proteção. Câmera de 8 megapixels, tela com apenas alguns riscos. Único dono”. Apesar de o smartphone ser considerado um aparelho de uso extremamente pessoal, anúncios como esse estão se tornando cada vez mais populares no País.
O principal motivo é a piora da crise econômica, que deixa novas versões de smartphones desejados – como o iPhone, da Apple, e o Galaxy S, da Samsung – cada vez mais distantes da realidade da maioria dos brasileiros. Segundo pesquisa do Ibope, quatro em cada dez brasileiros possuem itens como celulares, eletrônicos e computadores que podem ser revendidos – o segmento fica atrás apenas de moda e beleza e de artigos para crianças e bebês.
O interesse em revender esses produtos aumentou: o Mercado Livre registrou o dobro de pesquisas por smartphones usados em 2015. No Google, as buscas por “celular usado” cresceram 75% no Brasil em dezembro de 2015, em relação ao mesmo período de 2015 – o número de buscas é o mais alto em 11 anos.
Fatores como a crise econômica, que diminuiu o poder de compra da população, e o aumento do dólar, que faz o preço dos smartphones novos ficar mais alto, ajudam a entender esse movimento. Segundo a consultoria IDC Brasil, o preço médio dos smartphones novos no País saltou de R$ 678 no terceiro trimestre de 2014 para R$ 925 no mesmo período de 2015, um aumento de mais de 30%.
Redes sociais como o Facebook e até mesmo o happy hour do escritório podem servir para vender um aparelho encostado – pelo menos é o que conta a advogada curitibana Giovanna Gomez. Entre novembro e dezembro de 2015, ela vendeu quatro iPhones ao juntar dinheiro para se mudar para Lisboa.
“Primeiro vendi o meu iPhone 5S e o do meu namorado, para trocarmos para um iPhone 6. Depois vendi o iPhone 5C do meu irmão, e também um 4S do meu padrasto, que estava encostado no fundo da gaveta”, conta Giovanna.
“Em um dos casos, consegui vender o aparelho cinco minutos depois de ter anunciado no meu Facebook”. “Na crise, às vezes a pessoa percebe que tem um aparelho no fundo da gaveta e pode usá-lo para ter uma renda extra ou para complementar o dinheiro necessário para comprar um celular novo”, diz o francês Amaury Bertaud, presidente-executivo da startup Recomércio, especializada na revenda de celulares usados.
Oportunidade
Novas empresas, como a Recomércio, estão de olho no aumento da demanda por smartphones seminovos. Fundada no final de 2014, a startup negociou cerca de 3 mil aparelhos no ano passado, o que lhe rendeu receita de US$ 1 milhão.
“Quem compra um smartphone seminovo faz isso porque pode comprar um aparelho bom com preço acessível ou porque percebe uma oportunidade de negócio”, diz Bertaud, que tem a meta de superar R$ 7 milhões em receita até o final deste ano.
É o caso do gerente de projetos Vinicius Siqueira, de 37 anos. Em maio, ele comprou um iPhone 5C usado por R$ 1 mil, depois de ter seu iPhone 4 roubado. “Não ligo de comprar um aparelho usado se ele estiver em bom estado. Prefiro ficar um pouco atrás na curva tecnológica e economizar”, diz.
A Recomércio não é a única a explorar este mercado: especializada em produtos da Apple, a startup Brused realizou cerca de 10 mil vendas no ano passado – o dobro do registrado em 2014. Turbinada por parcerias com as lojas oficiais de Sony, Samsung, Motorola e LG, além da operadora Oi, a empresa argentina Trocafone diz ter dado novo destino a mais de 50 mil smartphones em 2015.
As três startups adotam fórmula parecida: o usuário entra no site oficial, preenche um formulário com os dados do dispositivo usado e, ao final, recebe uma cotação do produto. Se o valor agradar, o usuário envia o aparelho para a empresa e recebe o dinheiro.
Quem quer comprar pode utilizar o site das empresas, que funcionam como qualquer e-commerce. “O mercado de smartphones está se tornando semelhante ao de carros usados. Quem quer comprar um usado pode achar aparelhos com até 50% de desconto”, diz Guille Freire, presidente-executivo da Trocafone.
Evolução
A evolução da tecnologia dos smartphones é outro aspecto que ajuda a explicar o crescimento do mercado de usados no Brasil. Há alguns anos a diferença entre aparelhos lançados em temporadas seguintes era substancial: um novo aparelho poderia ganhar conexão 4G pela primeira vez ou um novo processador muito mais potente que o anterior.
Isso mudou nos últimos anos, quando os smartphones passaram a receber mudanças apenas incrementais. O iPhone 5, da Apple, por exemplo, foi equipado com uma câmera de 8 megapixels em 2012. Já no ano passado, o iPhone 6S, versão mais recente do aparelho, ganhou uma câmera de 12 megapixels. Apesar de superior, a melhoria faz pouca diferença para o usuário leigo.
“Muitos usuários não conseguem sentir a diferença entre um produto com desempenho bom e um desempenho muito bom”, diz Renato Meirelles, do instituto de pesquisas Data Popular. Dessa forma, o segmento de smartphones reproduz uma lógica que já acontece há anos no mercado de PCs.
A popularização dos aparelhos no País também criou uma oportunidade para os usados. “Há alguns anos, todos os brasileiros compravam seus primeiros aparelhos e não havia espaço para usados”, diz Oliver Roemerscheidt, analista de mercado da consultoria GfK. “Agora, o mercado tem oferta de produtos usados bons o suficiente. ”
Horizonte
O mercado de smartphones novos, ao contrário, não vai tão bem. Segundo a consultoria IDC Brasil, o mercado deve registrar queda de 12,8% nas vendas em 2015 e o horizonte não é muito animador em 2016. Além da continuidade da crise, o fim da Lei do Bem, que garantia isenção de PIS/Cofins para celulares de até R$ 1,5 mil vai impactar o setor, que deve fechar 2016 com queda de 8% nas vendas.
O cenário ruim para a indústria, no entanto, não deve afetar o mercado de usados. “O fim da isenção fiscal pode impactar o mercado de smartphones novos, mas de forma alguma vai diminuir o número de pessoas que usam smartphones”, diz Meirelles, do Data Popular.
“O mercado de segunda mão vai crescer”, afirma.