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3 October 2024

Crise fiscal leva estados a subir tributos, provocando alta de preços

— Os números mostram como a questão fiscal acaba afetando a inflação. Antes, tínhamos o tarifaço, com o efeito do aumento das tarifas na inflação, como de energia. Agora temos o impostaço. O governo já aumentou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de alguns itens, e vários estados têm elevado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). É difícil calcular o impacto total — afirma o economista-chefe do ABC Brasil, Luis Otavio de Sousa Leal.

Esse impacto nos preços foi captado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) deste mês, considerado a prévia da inflação oficial no país, que teve coleta de preços entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro. Muitos dos aumentos de impostos passaram a vigorar em 1º de janeiro, como foi o caso do fim da isenção do PIS/Cofins para produtos como tablets, computadores, smartphones e outros eletrônicos. Agora, a alíquota é de 9,25%. Como reflexo, o preço do microcomputador subiu 4,49%, e do aparelho telefônico, 1,82%, segundo o IPCA-15 de fevereiro.

No âmbito estadual, o ICMS foi o principal imposto a subir. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, 21 das 27 unidades da federação aumentaram a alíquota. Em muitas, passou de 17% para 18%. Em pelo menos cinco estados a mudança atingiu todos os itens, o que sugere a influência dos impostos nos preços pode ir além desses 12 itens.

— Os governos estão desesperados atrás de recursos para cobrir déficits e estão indo atrás do bolso do consumidor. Como há uma resistência à criação de novos impostos, ou se está acabando com isenções e desonerações ou se aumentam alíquotas. Há um aumento generalizado dos impostos — aponta Olenike.

Microcomputador: alta de 4,49% no preço, segundo o IPCA-15 deste mês – FreeImages

O Rio de Janeiro, por exemplo, mudou alíquotas do ICMS e também alterou a classificação de produtos, o que acabou com algumas isenções. O papel higiênico de folha dupla, por exemplo, foi retirado da cesta básica — cujos produtos não pagam o tributo — e passou a pagar ICMS. Assim, o preço subiu 2,74%, de acordo com o IPCA-15, como reflexo da alta de 5,58% no Rio.

Outros impostos que tiveram aumento também pesam no orçamento das famílias, embora não apareçam diretamente no cálculo da inflação. É o caso, por exemplo, do IPVA, cobrado de quem tem automóvel, que subiu em estados, como Rio de Janeiro, Distrito Federal, Pernambuco e Alagoas, entre outros.

A gerente dos índices de preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos, também vê impacto dos impostos nos preços, como resultado de uma mistura de aumento de IPI e de ICMS:

 

— Em vários itens do IPCA-15 dá para dizer que há efeito de aumento de imposto, seja de ICMS ou de IPI. Em alguns casos, o imposto pode não ter mudado ainda, mas o preço sobe num movimento de preparação para isso.

 

Ajuda para alta persistente

 

 

Inspeção de notas de dólar – Andrew Harrer / Bloomberg News

Ela destaca, no entanto, que este não é um efeito único: há outros fatores que pressionam o preço desses itens citados. A alta do dólar continua se refletindo nos preços e pode aparecer, por exemplo, no caso de produtos farmacêuticos. Já os combustíveis, cujos preços subiram 1,87% de acordo com o IPCA-15 de fevereiro, também sofreram impacto da alta de 4,92% do etanol.

 

— A alta dos impostos está afetando o custo de vida e a inflação — diz o economista da Rosenberg & Associados, Leonardo França Costa.

 

O impacto dos impostos pode estar colaborando para uma inflação mais persistente. Num momento em que tarifas começam a dar certo alívio — o preço de energia elétrica, por exemplo, teve deflação de 0,18% neste mês —, o efeito dos tributos impede desaceleração mais rápida dos preços.

 

— O alívio que já era esperado dos preços administrados está sendo minimizado pelo efeito dos impostos. Os estados estão quebrados, então recorrem aos impostos para aumentar sua arrecadação — explica o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira.

 

Costa também vê esse efeito dos impostos influenciando na manutenção da inflação em um patamar mais elevado. Segundo ele, a desaceleração da inflação que vem sendo esperada pelo mercado deve ocorrer de forma mais lenta também por causa do efeito dos tributos:

 

— O aumento dos impostos e os efeitos climáticos sobre os alimentos sugerem que teremos uma desaceleração mais lenta dos preços.

 

Se há uma troca da pressão das tarifas pela dos impostos, especialistas alertam que a magnitude da influência é diferente. Os preços administrados têm peso maior no orçamento que os demais itens. O efeito dos tributos é menor.

 

— A pressão dos impostos nos preços é bem mais suave que a das tarifas. As tarifas têm ramificações, vão puxando o preço de outros itens. O aumento da energia elétrica, por exemplo, afetou as taxas de água e esgoto e pesa na indústria e nos serviços. É diferente — defende Eulina Nunes dos Santos.

 

Novos impactos à frente

 

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A avaliação é compartilhada pelo economista da Rosenberg&Associados, para quem a intensidade do impacto das tarifas é bem maior que a dos impostos.

 

De qualquer forma, esse impacto nos preços preocupa os empresários, como é o caso da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir).

 

— A indústria de refrigerantes já teve aumento de IPI no ano passado e agora vários estados aumentaram o ICMS. O que vemos é um afã arrecadatório — diz o presidente da Abir, Alexandre Jobim.

 

Além do efeito que já aparece neste início de ano, novas pressões de alta de impostos vão bater na inflação mais à frente. Em São Paulo, a alíquota maior de ICMS sobre a cerveja e demais bebidas alcoólicas começou a valer nesta semana. Subiu de 18% para 20%. No caso do cigarro, o aumento foi de 25% para 30%. No país, a partir de maio, muda a forma de cobrança do IPI para itens como fumo picado (usado em cigarros), sorvete e chocolate, e a taxação vai aumentar.

 

— Podemos ter outras pressões por aí. Os impostos pressionam em custos e se refletem nos preços para o consumidor — explica Eulina.

 

Nem as velas se salvam

POR ROBERTA SCRIVANO

 

Reza forte. Fiel acende velas em igreja de São Paulo. Setor fabrica 70 mil toneladas do produto anualmente – Marcos Alves / Agência O Globo

O brasileiro está pagando mais caro até quando acende uma vela para rezar por ajuda dos céus contra a crise econômica. É que o preço da parafina, a principal matéria-prima das velas e que no Brasil é produzida apenas pela Petrobras, subiu 45% no ano passado. E teve ainda um reajuste de 5,14% em janeiro. Num ambiente de queda da renda da população, essa disparada dos preços venceu a fé de muitos brasileiros, derrubando as vendas da indústria. Resultado: mais de 200 fabricantes de velas fecharam as portas de 2014 para cá.

 

— Éramos 950 fabricantes de vela em 2014, e, hoje, o setor tem 695 empresas em atividade — conta Diomede Soares, vice-presidente da Associação Brasileira de Fabricantes de Velas (Abrafave).

 

Derivada do petróleo, a parafina é um insumo cujo único fornecedor no país é a Petrobras. Segundo Soares, há mais de dez anos o preço do material não sofria uma alta dessa magnitude. Com sérios problemas de caixa, a Petrobras vem tentando reforçar suas receitas a todo custo. Diante da forte queda dos preços do petróleo, a indústria de velas não consegue ver uma razão para tais reajustes.

 

— Não há transparência na formação do preço da parafina por parte da Petrobras, e nós, mesmo com muita insistência, não conseguimos negociar com a empresa — queixa-se Ubiratan João de Castro, o presidente da Abrafave.

 

Se de um lado as indústrias estão pressionadas pelo aumento do preço da parafina, que corresponde a 70% do custo de produção de velas, de outro, sofrem com a demanda menor por causa da crise. Antonio Ustolin, dono da fábrica de velas Trombeta, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, atribui a essa combinação de fatores o motivo para a demissão de 12 dos seus 30 funcionários, em meio ao forte aumento de custos e à redução de 15% no faturamento.

 

— O ano passado foi muito difícil. Com a crise, só conseguimos repassar para o preço das velas 20% do aumento de 45% no valor da parafina — relata Ustolin, que está no ramo há 33 anos.

 

CAMPEÃ DAS VENDAS: VELA DE ‘SETE DIAS’

 

Dados da Abrafave mostram que o faturamento da indústria veleira no país somou R$ 1,96 bilhão em 2015, uma redução de 8,4% sobre os R$ 2,14 bilhões de 2014. Anualmente, são fabricadas 70 mil toneladas de velas no país, o que representa quase dois bilhões de unidades. Desse total, 60% são no formato palito, aquela usada para iluminar ambientes, e 40% das chamadas velas de “sete dias”.

 

A indústria de velas não emprega mão de obra muito qualificada. Soares, da associação de fabricantes, explica que existem equipamentos próprios para o setor para a confecção de velas, processando a parafina bruta. A cada 20 minutos, esse maquinário consegue produzir até 1,5 mil velas.

 

A vela mais vendida é a de “sete dias”, chamada pelos profissionais de “votivas”, numa referência à devoção que impulsiona o consumo.

 

A Petrobras afirma que oferta parafina aos clientes de forma regular e com preços competitivos quando comparados às alternativas disponíveis no mercado mundial.