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27 September 2024

Curva da pandemia pode atingir ápice dentro das comunidades

Com a desigualdade social e a falta de acesso a serviços básicos como educação, renda e até mesmo água, a população que vive nas periferias está com dificuldades em assimilar a situação de pandemia mundial e ainda continua levando uma rotina normalmente, sem obedecer a principal forma de prevenção ao coronavírus, que é o isolamento social. Em muitos bairros periféricos de Salvador, como Bairro da Paz, Pau da Lima e Boca do Rio, os moradores ainda são vistos frequentando bares, igrejas e até mesmo paredões.

Atualmente, o Brasil tem ao menos 1.546 casos confirmados de Covid-19 e 25 mortes. Desses casos confirmados, 55 estão na Bahia. Com o avanço do coronavírus, a Prefeitura de Salvador e o Governo do Estado passaram a adotar medidas de conscientização, como carros de som avisando os moradores para que entendam a importância de ficarem em casa e evitarem que a Covid-19 se espalhe nas periferias, pois um pico de contaminação dentro das favelas pode levar serviços como o Sistema Único de Saúde (SUS) a um colapso com alto número de pessoas infectadas.

“O povo não se deu conta do risco que está correndo, não só por causa do vírus, mas pelos efeitos na sociedade como um todo”, relatou André Leandro, do Coletivo de Comunicação do Bairro da Paz.

“Muita gente aqui, inclusive, querendo que seja decretado toque de recolher. No Imbuí, as barracas estão funcionando normalmente e lotadas. No Marback, toda noite tem baba… O povo está desacreditado”, contou Marcelo Garcia, representante do portal Boca do Rio Magazine.

De acordo com o historiador Dudu Ribeiro, representante baiano da Rede de Observatórios de Segurança, a informação precisa chegar para a periferia dentro da realidade das pessoas. Para o pesquisador, as orientações que estão sendo dadas no ambiente virtual, ou na televisão, dizem respeito apenas a uma parte da população. Por isso, a organização, que trabalha em redes, já se articula para atualizar e compartilhar formas de comunicação fora do ambiente virtual, como lambes, faixas, distribuição de material físico, pois muitas pessoas não têm acesso às redes sociais.

“Quando a gente fala em intensificar o processo de limpeza e higiene em um ambiente que não tem água encanada, por exemplo, como é que a gente encontra uma saída para isso? Como a gente pede para as pessoas que não têm nenhuma outra renda para que fiquem em quarentena? É fazer com que a informação chegue e as orientações sejam para a maioria da população, da sua realidade, de pessoas que vivem aglomeradas dentro de casa, vivem em comunidades com poucos serviços públicos”, declarou, em entrevista ao A TARDE.

Estruturas urbanas

O arquiteto e urbanista Lourenço Mueller afirmou que se as cidades tivessem sido mais bem planejadas, os impactos da pandemia poderiam ser muito menores. Com as estruturas urbanas respondendo melhor à crise, a Bahia poderia sofrer menos com os impactos diversos da doença. “A primeira delas é logo a mobilidade. As comunidades mais carentes estão, automaticamente, mais sujeitas a essa virose do que as outras, porque elas se locomovem de metrô e ônibus, meios de transporte coletivos. Outra coisa é a educação da população. Eu vejo que as pessoas estão despreparadas. O que está confundindo a população é não saber se é só o álcool em gel que serve, se o álcool normal serve ou não, a eficácia da água com sabão… Coisas primárias desse tipo”, pontuou o urbanista, afirmando que a realidade de sub-moradia é um fator que contribui para que o vírus se espalhe mais rápido, por causa de como as cidades estão organizadas no quesito estrutura urbana.

A infectologista Ledivia Espinheira comentou que, neste período, os especialistas preveem uma elevação rápida da curva da pandemia. Segundo ela, a medida para diminuir essa elevação tão rápida é o isolamento social. “A proteção não é sair de luva e máscara, é ficar em casa. Sair no estritamente necessário, uma farmácia, manter a distância das pessoas, não se aglomerar, não ficar em filas. Não é usando a máscara e luva que a gente vai se proteger. Inclusive isso é pior, porque é uma falsa proteção, não é confiável”, orientou.

Prevenção nas favelas

Com o objetivo de prevenir o avanço do coronavírus nas favelas, a Central Única das Favelas (Cufa) apresentou diversas propostas para alcançar políticas que reduzam os impactos da pandemia nesses espaços, visando também preservar o SUS de um colapso com pessoas infectadas, já que no Brasil, atualmente, não há estrutura suficiente para suportar um alto número de doentes.

Dentre as propostas, estão: distribuição gratuita de água, sabão, álcool em gel e água sanitária em quantidade suficiente para cada morador; distribuição de alimentos; apoio às empresas de água e luz para isentarem o consumidor integrante de famílias com até quatro salários mínimos do pagamento do produto ou serviço durante 60 dias; liberação de pontos de internet para garantir acesso universal à rede, para o acesso a medidas de prevenção e cuidados; ampliação das equipes de saúde da família para prevenir e informar as favelas e evitar a aglomeração nos hospitais; entre outras.

Em meio à pandemia, moradores de comunidades e pessoas em situação de vulnerabilidade social ainda têm que lidar com problemas como a falta de acesso a serviços básicos, a exemplo da falta de água nos bairros, como relatam moradores de Mussurunga.

Decretos municipais e estaduais

Decretos municipais e estaduais com diversas restrições foram baixados nos últimos dias na tentativa de conter o avanço do coronavírus. No entanto, há relatos de que as normas não estão sendo respeitadas. Diante do cenário, a Prefeitura de Salvador e o Governo do Estado estão alertando a população nos bairros. Além disso, os canais de denúncia do 190 e Ouvidoria Geral do Município (OGM) estão recebendo relatos de descumprimento dos decretos.

De acordo com o Governo do Estado, viaturas do Corpo de Bombeiros estão com carros de som nas ruas avisando as comunidades da importância de ficar em casa. A Polícia Militar segue fiscalizando as ruas para fazer cumprir os decretos do governador Rui Costa.

Entre as medidas adotadas pela Prefeitura, está o fechamento das praias da capital baiana. Outra determinação foi a proibição de aglomeração em clubes ou templos religiosos. Quem testemunhar alguma infração, pode denunciar através do site falasalvador.ba.gov.br e pelo e-mail [email protected]. A informação é de que o canal 156 é uma opção, mas só deve ser utilizado em casos de urgência para não sobrecarregar o sistema.

“Estamos com uma demanda alta de ligações, até em função do início da Operação Chuva. Por isso, pedimos que as pessoas priorizem as demais formas de contato, que serão atendidas da mesma maneira. A participação do cidadão é fundamental nesse processo de combate ao coronavírus, tanto evitando aglomerações e cumprindo as determinações da Prefeitura, quanto também denunciando irregularidades”, afirmou o ouvidor-geral do município, Humberto Viana.

Funcionando pelo período de 24 horas, a OGM está atuando com 36 pontos de atendimento em apoio à força-tarefa montada pela prefeitura para cumprimento dos decretos.