Deputados gastaram R$ 37,7 milhões em divulgação de mandato em 2019
Mesmo tendo à disposição uma das maiores redações de Brasília, com centenas de jornalistas espalhados pelo site, pela TV, pela rádio e pelo jornal da Câmara, deputados gastaram mais de R$ 37,7 milhões para divulgar suas ações em 2019. Todo o dinheiro foi ressarcido pela Casa. O uso do recurso, previsto na cota para o exercício da atividade parlamentar (Ceap), também conhecida como cotão, é autorizado pelo Congresso. Mas virou alvo de recente contestação do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em acórdão publicado no final de dezembro, ao qual o Congresso em Foco teve acesso em parceria com o Instituto OPS, o TCU questiona a necessidade de se usar dinheiro público para esse tipo de divulgação. Para os ministros, é quase impossível distinguir o parlamentar que se vale do benefício para prestar contas à sociedade daquele que o utiliza para se promover pessoal ou eleitoralmente.
O uso da verba pública para a divulgação do mandato é, na avaliação do tribunal, o gasto mais discutível em relação à cota parlamentar. No ano passado a Câmara e o Senado desembolsaram quase R$ 200 milhões para cobrir despesas atribuídas pelos congressistas ao exercício do mandato. Gastos, por exemplo, com hotel, passagens aéreas, alimentação, aluguel de escritório político e veículos, telefone e combustível.
O tribunal relembra que a Câmara oferece serviços de divulgação da atividade gratuitamente aos parlamentares. Para o TCU, canais oficiais da Casa dão aos deputados a oportunidade de mostrar aos seus eleitores o que estão fazendo em Brasília, assim como suas próprias redes sociais na internet.
“Os gastos com ‘divulgação da atividade parlamentar’ movem-se na contramão da oferta deste serviço pela própria casa legislativa e dos modernos meios gratuitos de comunicação institucional, profissional ou pessoal”, adverte o TCU no documento em que aponta excessos no uso da cota e recomenda redução e revisão do benefício.
Os gastos dos parlamentares seguem subindo e mais que dobrou nos últimos dez anos. “Eram de cerca de R$ 21.055 milhões em 2010 (13,64% da Ceap naquele ano), cresceram sistematicamente ao longo dos exercícios, atingiram mais de R$ 50 milhões em 2016 (22,83% da Ceap), e em 2017, abarcaram R$ 55 milhões das cotas”, diz o TCU.
Apesar de ter totalizado R$ 37,7 milhões neste ano, o valor pode e deve aumentar, pois os parlamentares têm até três meses após o uso da verba para apresentar a nota fiscal e pedir o ressarcimento. Dezembro costuma ser o mês de maiores gastos com este fim.
No ano passado, 492 deputados usaram o dinheiro público para divulgar seus mandatos. O deputado Wellington Roberto (PL-PB) foi quem mais teve despesas de divulgação pagas pela verba indenizatória, totalizando R$ 318,9 mil.
Na segunda colocação vem deputado Nivaldo Albuquerque (PTB-AL), com gastos de quase R$ 299 mil, seguido por Paulo Teixeira (PT-SP), com R$ 277 mil.
O petista respondeu a reportagem por meio de sua assessoria de imprensa e afirmou que seu mandato “tem múltiplas atividades e atuação que devem ser divulgadas como prestação de conta aos que o elegeram. As contas estão dentro do orçamento disponibilizado pela câmara para a área e podem ser conferidas no portal da transparência”.
O deputado Nivaldo está em viagem, por isso sua assessoria não conseguiu falar com ele para encaminhar uma resposta ao site.
A equipe do Wellington ficou de encaminhar uma nota, o que não aconteceu até o fechamento desta reportagem.
No último dia 29, o Congresso em Foco revelou, também em parceria com o Instituto OPS, que o deputado Raimundo Costa (PL-BA) usou R$ 105,9 mil da cota para confeccionar 250 mil exemplares de um jornal que, de acordo com sua assessoria, possui 16 páginas. Ainda, segundo a assessoria, a distribuição dos jornais foi feita por funcionários do gabinete que trabalham no estado que usaram seus veículos para fazer todo o transporte até os pontos de distribuição, 97 colônias de pescadores espalhadas pela Bahia. A quantidade equivale à tiragem de três dias do jornal Folha de S.Paulo, um dos maiores do país.
Entre 2010 e 2017 os deputados gastaram mais de R$ 322 milhões em divulgação da atividade parlamentar.
Se todos os R$ 37,7 milhões usados pelos deputados para divulgar o mandato fossem aplicados na educação fundamental, mais de 10 mil alunos teriam garantidos o direito ao estudo por um ano.
O TCU ressalta que a Câmara, assim como o Senado, possui gráficas que prestam serviços de editoração, impressão e publicação de não só de materiais de expediente personalizado, mas também relativos à atuação e desempenho parlamentar, produzindo informativos, publicações, documentos, folders e demais materiais para compor sua divulgação oficial.
“Várias notas fiscais para ressarcimento de ‘divulgação da atividade parlamentar’ referem-se igualmente à produção, editoração e/ou impressão de produtos, folders, livretos, material divulgativo, etc., de modo que a manutenção ampla e sem restrições dessa rubrica fornece duplo serviço aos legisladores”, aponta o tribunal.
Outro ponto levantado pelo TCU diz respeito à contratação de empresas de publicidade que não têm sequer sites. “Os dados abertos das cotas também evidenciam pagamentos expressivos a gráficas, editoras, empresas de publicidade sem site, sem divulgação, aparentemente desconhecidas no próprio ramo de atividade”, diz o acórdão.
Na avaliação do tribunal, o uso da verba de divulgação parlamentar acaba por servir para autopropaganda do político. “Embora sob a justificativa de propagar sua atuação para a população que representa, o uso mais perceptível da referida verba é a autopropaganda ou enaltecimento pessoal do deputado, mediante a compra do espaço na mídia às expensas do contribuinte para projetar sua imagem política”, diz.
Por esses motivos, o TCU recomendou à Câmara que regulamente de maneira detalhada os gastos passíveis de ressarcimento nessa categoria, a fim de deixar claro exemplos de dispêndios que poderiam ser ressarcidos, a partir da experiência acumulada pela Casa, de modo que não se permita a utilização de recursos públicos na promoção pessoal do deputado. Recomenda ainda que os pedidos de ressarcimento sejam acompanhados da apresentação da publicidade ou divulgação realizada.
*Esta matéria foi feita em parceria com o Instituto OPS
A Operação Política Supervisionada (OPS), braço fiscalizatório do Instituto OPS, é uma rede de colaboradores voluntários localizados em várias regiões do país que, liderada por seu fundador, Lúcio Big, ajuda no levantamento de informações importantes e indispensáveis nas auditorias realizadas em vários estados que resultaram numa economia aos cofres públicos de quase R$ 6 milhões.