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26 November 2024

Dilma mobiliza governo para se defender das ‘pedaladas fiscais’

 

BRASÍLIA — Depois de mobilizar uma tropa de choque para elaborar sua defesa, o governo vai protocolar hoje no Tribunal de Contas da União (TCU) um documento sem a assinatura da presidente Dilma Rousseff e com cerca de 1 mil páginas, incluídos os mais de 900 anexos, em que nega ter recorrido à prática de “pedaladas fiscais” para melhorar artificialmente as contas públicas em 2014.

O TCU tinha cobrado respostas de Dilma para 13 indícios de irregularidades nas contas de 2014. No documento, uma das principais alegações apresentadas pelo governo é que o Tesouro ficou com saldo positivo na operação feita com a Caixa Econômica Federal para pagar os benefícios sociais em 2014. O crédito favorável à União chegou a R$ 1,58 bilhão em 2014, segundo tabela reproduzida na defesa.

A resposta que será protocolada no fim do dia pela Advocacia-Geral da União (AGU) reagrupou as 13 perguntas do TCU em oito pontos, entre eles as “pedaladas fiscais”. O julgamento das contas de Dilma ganhou um contorno inédito diante do risco de a presidente ter as contas rejeitadas em plenário no TCU, o que levaria a um julgamento político das contas no Congresso num momento de crise.

Pelo relatório em debate no TCU, no ano passado o governo federal recorreu a uma manobra conhecida como “pedalada fiscal”: o Tesouro diminuiu o fluxo de repasses de verbas a bancos oficiais, que se viram obrigados a arcar com o pagamento de benefícios sociais como o seguro-desemprego e o Bolsa Família. No caso da Caixa Econômica, a instituição teve que honrar pagamentos do Bolsa Família, sem que houvesse repasses do Tesouro para fazer o pagamento.

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INFRAÇÃO À LEI DE RESPONSABILIDADE

Segundo o tribunal, a manobra para melhorar artificialmente as contas públicas envolveu recursos da ordem de R$ 40 bilhões entre 2009 e 2014 — R$ 7 bilhões somente no ano passado. Por ter se configurado como uma operação de crédito financeiro, conforme o TCU, as “pedaladas fiscais” infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Na linha de frente da tropa de choque do governo estão o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Os presidentes do Banco Central e dos bancos oficiais — Caixa, Banco do Brasil e BNDES — também foram mobilizados pela presidente. Cabe ao TCU julgar um parecer sobre as contas, com indicativo de rejeição ou de aprovação com ressalvas, para decisão final do Congresso. Uma conta presidencial não é reprovada pelo TCU desde 1937.

O documento que será protocolado hoje reproduz informação sobre os saldos da União nas operações com a Caixa — que é a instituição responsável pelo pagamento de benefícios sociais. Apesar de ter em ocorrido represamentos de repasses, que levaram a débitos esporádicos do Tesouro com o banco, o governo sustenta que o saldo médio do ano ficou positivo entre 1994 e 2014, conforme a tabela apresentada na resposta.

No ano passado, esse saldo ficou positivo em R$ 1,58 bilhão. Em 2013, em R$ 1,75 bilhão. E em 1994, o ano mais distante usado na defesa, o governo teve superávit de R$ 163,7 milhões.

Para tentar provar que não houve prejuízos com as “pedaladas”, a defesa de Dilma afirma ainda que a Caixa sempre pagou juros à União, ano a ano, por conta dos créditos na conta. Em 2014, essa remuneração foi de R$ 141,6 milhões.

A defesa é assinada pelo advogado-geral da União, e não pela presidente, embora o TCU tenha cobrado as respostas de Dilma. No dia da sessão que deu o prazo de 30 dias à presidente para se explicar, o ministro relator das contas no TCU, Augusto Nardes, afirmou que o documento deveria ser assinado pela presidente. Dilma decidiu ontem que não assinaria, segundo fontes do governo. O entendimento prevalecente é que o questionamento é ao governo e não à pessoa da presidente.

Dilma se reuniu durante quase três horas ontem, no Palácio da Alvorada, com Adams, Barbosa e Aloizio Mercadante, da Casa Civil. Na segunda-feira, ela comandou uma reunião ainda mais ampla, incluindo os presidentes de Banco Central, Caixa, Banco do Brasil e BNDES.

NOTAS TÉCNICAS E TABELAS

O documento principal da resposta tem 113 páginas, que se juntam às cerca de 900 páginas de anexos. O governo anexou à defesa notas técnicas de ministérios, jurisprudências e tabelas sobre as “pedaladas” e sobre os outros indícios de irregularidades apontados pelo TCU. A tônica da defesa é dizer que o próprio tribunal já considerou regulares práticas que agora condena em relação a 2014.

O governo pinça, inclusive, posições do relator Nardes nesse sentido. Sobre as “pedaladas” especificamente, a defesa cita a análise de um recurso em que se diz não ser “razoável classificar como operações de crédito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recursos do Tesouro”. O julgamento das “pedaladas” ocorreu em abril, num processo à parte. Em junho, na análise das contas da presidente, a manobra voltou a ser considerada irregular.

O plano de Adams é deixar para o fim do dia a apresentação da defesa no TCU, que deverá ser entregue a Nardes. Por causa das tensões entre governo e relator, que já afirmou que votará pela rejeição das contas, os dois lados vêm evitando um confronto aberto. Adams não quer ser acusado de dar publicidade ao documento final antes de o ministro do TCU tomar conhecimento. Nardes, por sua vez, tem se mantido em silêncio diante de críticas internas no tribunal sobre sua atuação. Ele quer evitar a acusação de ter antecipado seu voto antes de analisar a defesa de Dilma.

 

A outros ministros do TCU, o relator vem afirmando que a defesa de Dilma será encaminhada com urgência à análise da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) do tribunal, que assessora o relator em relação às contas da presidente. A análise e a elaboração do voto de Nardes devem consumir pelo menos 15 dias. Assim, o julgamento em plenário deve ocorrer em agosto.

O governo já deu início a uma ofensiva no Congresso em defesa das contas de 2014. Na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Adams e Barbosa apresentaram os principais pontos das explicações de Dilma. Eles também se reuniram com as bancadas de PT e PCdoB na Câmara para detalhar a linha da defesa.

A DEFESA DE DILMA, EM OITO PONTOS

“Pedaladas fiscais”

O que disse o TCU: O Tesouro represou repasses de verbas para a Caixa Econômica, que se viu obrigada a arcar com pagamentos de benefícios como seguro-desemprego e Bolsa Família, numa manobra conhecida como “pedaladas fiscais”. O objetivo foi melhorar artificialmente as contas públicas. A manobra infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por ter se configurado operação de crédito.

A defesa de Dilma: A presidente dirá que a prática ocorre desde a década de 1990 e nunca foi reprovada pelo TCU; que os valores pagos pelo Tesouro podem variar a cada mês, conforme o desempenho da economia; que nem todo contrato com incidência de juros é uma operação de crédito; que o saldo médio dos repasses à Caixa é positivo em todos os anos, desde 1994, com pagamentos de juros pelo banco à União.

Equalização de taxa de juros

O que disse o TCU: O governo represou pagamentos ao BNDES por conta de incentivos em linhas de crédito. O Tesouro ressarce o banco por conta de taxas de juros subsidiadas, menores que as praticadas no mercado. O represamento desses repasses também foi interpretado como uma “pedalada fiscal”.

A defesa de Dilma: Relatórios do TCU de 2011, 2012 e 2013 não apontaram irregularidades nas portarias que definiram prazos de pagamento.

Despesas do Minha Casa Minha Vida

O que disse o TCU: O pagamento de despesas do programa habitacional com adiantamentos de FGTS foi outra “pedalada fiscal”.

A defesa de Dilma: Não há transferência de dinheiro do FGTS para a União. Além disso, em decisão de 2014, o TCU julgou as contas da Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades sem apontar irregularidade quanto a esse ponto.

Dívidas da União com BB, CEF e FGTS

O que disse o TCU: Houve omissão dessas dívidas com Banco do Brasil, Caixa e FGTS, no valor de R$ 40 bilhões, nas estatísticas da dívida pública.

A defesa de Dilma: O TCU vem apreciando como regulares as contas do governo federal, sem fazer questionamentos quanto à metodologia adotada.

Contingenciamento de R$ 28,5 bilhões

O que disse o TCU: Em vez de contingenciar esse valor, o que seria necessário para cumprir meta fiscal, um decreto presidencial de novembro de 2014 determinou a abertura de um crédito adicional de R$ 10,1 bilhões para o governo. Além disso, o TCU diz que esse decreto foi usado para influenciar aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma alteração na meta de superávit primário.

As defesa de Dilma: Fatores econômicos e perspectivas de aprovação de novas metas fiscais no Congresso Nacional influenciam na reprogramação orçamentária, o que já ocorreu em 2002 e em 2009, sem qualquer questionamento do TCU. Como já era provável a redução da meta fiscal, não faria sentido contingenciar R$ 28,5 bi. Além disso, houve redução do nível de atividade econômica no fim de 2014.

Investimentos de estatais

O que disse o TCU: Estatais vinculadas a Eletrobras, Petrobras e Telebras gastaram além dos valores aprovados em orçamento.

A defesa de Dilma: Os gastos além do limite foram pouco expressivos e com tendência de queda ao longo dos últimos 15 anos.

Lei de Diretrizes Orçamentárias

O que disse o TCU: O governo não apresentou na LDO uma lista de gastos prioritários do governo, com as respectivas metas de arrecadação.

 

A defesa de Dilma: As prioridades e as metas estão definidas na lei e, em 2013, isso resultou apenas em ressalva na avaliação das contas da presidente.

Metas do Plano Plurianual

O que disse o TCU: Parte das metas não era confiável, por haver distorções.

A defesa de Dilma: O TCU fez a mesma recomendação em 2013 e, depois de manifestação do Ministério do Planejamento, considerou que recomendação está sendo atendida.

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