Dinheiro graúdo faz da eleição uma encenação, por Josias de Souza
No Brasil, como se sabe, campanhas eleitorais movimentam dois tipos de dinheiro: o oficial e o paralelo. Diplomático, o dinheiro oficial adula todos os candidatos. Pragmático, o dinheiro paralelo é mais seletivo. Acerca-se mais de uns do que de outros. Na sucessão de 2014, só o pedaço da caixa registradora que passará por cima da mesa, com registro na Justiça Eleitoral, roçará a casa de R$ 1 bilhão.
O grosso desse dinheiro financiará o trabalho de marqueteiros e a produção dos programas eleitorais que irão ao ar, em rede nacional de rádio e tevê, a partir de agosto. Nesses programas, emprega-se uma técnica que consiste em enfeitar a forca, de modo a conferir-lhe a aparência de inofensivo instrumento de cordas. Se a campanha é rica e tem bons minutos de propaganda, a mistificação é maior.
O eleitor será submetido a uma realidade virtual em que músicas apoteóticas se misturam a imagens exuberantes. A essa altura já devem estar sendo gravados nas ruas os depoimentos de populares que, em hedionda unanimidade, atestarão as virtudes dos candidatos. Nos programas de oposicionistas, obras paralisadas. Nas peças governistas, canteiros funcionando em ritmo de truque cinematográfico.
No fim das contas, o eleitor corre o risco de eleger a melhor encenação, não o melhor candidato. Pior: passa por bobo sem perceber que o dinheiro que financia a produção hollywoodiana sai do seu bolso. A ideia de que o financiamento da campanha é privado é apenas mais uma farsa que compõe o espetáculo.
Com a experiência de quem já presidiu o Tribunal Superior Eleitoral um par de vezes, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, afirma: “Não temos altruísmo no Brasil. E o troco que é cobrado sai muito caro para a sociedade brasileira. Será que essa doação se faz por uma ideologia, pela adesão a este ou aquele partido? A resposta é desenganadamente negativa.”
A cifra de R$ 1 bilhão refere-se apenas às campanhas para presidente da República. Adicionando-se à conta os comitês de governadores, senadores e deputados, o valor é bem maior. Em 2010, foram às urnas pouco mais de 22 mil candidatos. Sem contar o dinheiro que correu por baixo da mesa, os gastos eleitorais foram contabilizados em R$ 3,23 bilhões.
Quem olha para os cifrões entende por que a reforma política tornou-se no Brasil uma prioridade de gogó. Dono das arcas mais fartas, o PT é o partido que mais defende a reforma. Prega um modelo que institui o “financiamento público exclusivo''. Eliminam-se as doações legais de pessoas físicas e jurídicas. E pede-se às almas ingênuas que acreditem que o caixa dois deixará de existir.
Em países menos permissivos, como a Alemanha, funciona o modelo híbrido. O grosso do dinheiro das campanhas vem do Estado. Mas as doações privadas são autorizadas por lei. Lá, como cá, existe a verba paralela. A diferença está na fiscalização. Festejado como estadista, o ex-chanceler Helmut Kohl foi banido da cena política alemã depois de ter sido pilhado como beneficiário de verbas eleitorais não contabilizadas.
No Brasil dos mensalões, a cúpula do partido do poder vai à penitenciária e sua principal liderança se acha no direito de chamar o escândalo de “farsa''. Aliados presos comandam articulações em que a cabeça de um ministro é trocada pela cessão do tempo de propaganda da legenda à campanha da reeleição da penúltima encenação. Um acinte.
Se quisessem ser levados a sério, os partidos deveriam começar o debate da reforma política por duas providências simples. Numa, os atuais programas cenográficos seriam substituídos por debates ao vivo entre os candidatos, transmitidos por um pool de emissoras e pela internet. Noutra, partidos que deixassem de apresentar candidatos no primeiro turno para levar suas vitrines eletrôncias ao balcão perderiam automaticamente o tempo de propaganda e a verba do Fundo Partidário.
*Dilma e Aécio ainda não informaram à justiça Eleitoral o teto de gastos para suas campanhas **Valores corrigidos pelo IPCA (maio/2014) Fonte:TSE