Em meio à crise, mais de mil bares e restaurantes fecham na Bahia
Os estabelecimentos que ainda resistem tentam de tudo para atrair a clientela
A crise econômica chegou ao cardápio dos bares e restaurantes da Bahia. Parte dos clientes sumiu, e aqueles que ficaram estão gastando 40% a menos. E este é apenas um dos diversos números ruins para o setor. Outros: 25% dos postos de trabalho foram extintos – 4 mil demissões – só no primeiro trimestre deste ano, e houve aumento de 25% no número de extinções de empresas de bares e restaurantes em relação ao mesmo período de 2015.
Em todo o estado, 1.185 estabelecimentos encerraram as atividades também entre janeiro e março. “Quem gastava R$ 30 agora gasta R$ 20, ou menos. E agora no mês de abril, passada a época de alta estação, muitos estabelecimentos devem fechar”, afirma o presidente da seção baiana da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-BA), Luiz Henrique do Amaral.
Segundo a entidade, o faturamento dos empreendimentos do setor caiu 25% entre 2016 e 2015, que já havia sido um ano de dificuldades. “Muitos (bares restaurantes) ficam no impasse de não conseguir nem avançar, nem fechar as portas. Mas chega uma hora que o negócio se torna inviável mesmo diminuindo os gastos, vendendo mais barato e disponibilizando pratos executivos, novas ofertas e serviços”, fala Amaral sobre o aumento na extinção de empresas neste ano.
Despesas
O custo da mercadoria vendida disparado por conta da inflação, o reajuste no aluguel e o aumento nas despesas com a folha de pagamento deixaram a conta muito alta para que o restaurante mexicano El Caballito, um dos principais points da Avenida Paulo VI, na Pituba, conseguisse se manter de portas abertas.
“A gente fica muito dependente da oscilação da economia. O valor do aluguel duplicou, os encargos trabalhistas e o valor dos ingredientes também. Mas o nosso faturamento não duplicou. Como é que fecha essa conta? Não fecha. E aí o negócio começa a ficar no vermelho”, afirma o sócio do empreendimento, Caco Monteiro.
O restaurante que gerava 30 empregos diretos foi fechado há seis meses após três anos e meio de operação. Até decidir fechar, o empresário conta que tentou de tudo para manter o El Caballito funcionando.
“Peguei empréstimo no banco, reinvesti, mas não vi resultado. Chega um momento que é necessário tomar a decisão. O prejuízo financeiro e emocional é enorme. A cidade também perde muito em opções”, lamenta. Caco Monteiro também é sócio do DOC Casual Dinning, localizado bem próximo onde ficava o El Caballito.
Ele ressalta que tem investido em estratégias para não deixar que os efeitos da crise interfiram na sustentabilidade do negócio. “Fechamos o El Caballito, mas estamos sobrevivendo com o DOC, e com expectativa de crescimento, inclusive, planejando franquear a marca”, adianta.
Em um momento quando se fala de cortes, o DOC ganhou um chef de cozinha residente, cardápio novo e mais enxuto, trocou o sistema de ar-condicionado e reformou as mesas do salão. “A casa tem nove anos, mas está com cheiro de nova”, diz.
“A gente tem que ter um cuidado tremendo para não deixar a qualidade cair e comprometer a competitividade. São investimentos necessários para que o cliente não sinta a crise nem na comida nem no salão”, completa.
Para o empresário, o maior desafio neste momento de retração econômica é investir com os pés no chão. “Alguns investimentos são necessários para manter a qualidade. É um novo passo que eu vou dar fazendo isso com muita responsabilidade financeira. Não adianta fazer as coisas com extravagância e seis meses depois ter que fechar a casa”.
Aluga-se
A equação entre folha de pagamento, repasse de parte do aumento dos custos no preço cobrado ao consumidor e redução da margem de lucro não alcançou um resultado positivo capaz de manter abertas as portas do restaurante português The Beef, na Pituba.
O estabelecimento, que chegou a faturar mensalmente R$ 300 mil, deixou de operar no mês de março. Na fachada, uma placa de vende-se ou aluga-se para eventos. “Tínhamos um aumento no valor dos encargos da folha que não conseguíamos passar para o consumidor. Fizemos tudo que estava ao alcance, mas infelizmente não foi possível manter”, afirma o ex-proprietário do The Beef Jorge Mendes.
“Por quatro anos, trabalhei das 10h da manhã até a meia-noite todos os dias. Não queria reduzir o padrão para ter que manter a casa. É como perder um filho. A gente trabalhou muito”. De acordo com Mendes, quem quiser sobreviver à crise precisa aprender a adaptar o negócio.
“Só vai conseguir se manter quem estiver disposto a se reinventar, mudar a personalidade e adaptar seu empreendimento. Caso contrário, o empresário não tem forças para sustentar isso”.
Sobrevivência
Um dos primeiros estabelecimentos a sentir a crise bem de perto foi o bar, restaurante e casa de shows Padaria, que fechou em 2014. No coração do Rio Vermelho, próximo ao Largo de Santana (ou da Dinha, como é chamado pelos boêmios), chegou a faturar R$ 5 milhões em dois anos e era sempre sinônimo de fila na porta.
“Fui o primeiro a fechar na crise. O Padaria foi sucesso absoluto entre os anos de 2010 a 2013. O cantor Magary Lord estourou lá. Tinha 20 funcionários e abria sete dias na semana”, lembra o antigo dono da casa Ildásio Tavares Jr.
Para ele, no mesmo ano em que a crise econômica começou a atingir o setor, outro tipo de crise também abateu os bares e restaurantes. “Existe também uma crise de criatividade e de aquecimento no mercado. Todo mundo estava oferecendo a mesma coisa para um consumidor que cada vez mais deixava de sair de casa ou procurava por diversão mais barata. A crise acabou pegando um segmento no qual todo mundo fazia igual, o que torna qualquer negócio inviável”, analisa.
Por conta de problemas com os sócios que administravam o Padaria, a receita de sucesso desandou e a casa quebrou em 2013. Ildásio retomou o comando e conseguiu reerguer o negócio, lotando a casa novamente.
“Botei os sócios para fora. Eles eram responsáveis pela má gestão do bar, coloquei a banda Pra Casar para tocar e conseguimos restabelecer o Padaria. Só que no ano seguinte, veio mais uma crise e ficou difícil de superar”.
O empresário tentou arrendar a casa, mas ainda assim não teve condições de manter o negócio. “Entregaram o bar me devendo. Desde então, estou passando o ponto e continuo pagando o meu passivo”, acrescenta.
Segundo Ildásio, o empresário que quiser ver as mesas lotadas vai precisar sacrificar o lucro e apostar nas promoções. “O serviço de bar e restaurante em Salvador ainda é muito caro. O empresário precisa ver a oportunidade na crise e baratear isso”.
Para o presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes e proprietário do Portela Café, Antônio Portela, o cenário é fruto de problema conjuntural que exige uma mobilização do setor para segurar o repasse de preços ao consumidor.
“A crise de demanda em todo país é muito grande. Todo o setor precisa economizar e se mobilizar para fazer qualquer repasse ao consumidor com muito cuidado, e fazer o possível para segurar esse preço ao máximo”.
Vinte restaurantes que fecharam as portas
1) Deli e Cia Pizzaria e Restaurante, na Graça
2) Restaurante Marietta, nos shoppings Salvador e da Bahia
3) Restaurante Suan Loun, na Barra
4) Balthazar Grill & Bar, na Avenida ACM
5) Restaurante Pobre Juan, na Avenida ACM
6) Restaurante 496, no Comércio
7) Restaurante Chalezinho, no Jardim de Alah
8) Restaurante Ferraz, na Pituba
9) Restaurante O Árabe, no Shopping da Bahia
10) Restaurante Conventual, no Hotel Pestana
11) MME Champanharia, no Rio Vermelho
12) Red River, no Rio Vermelho
13) Municipal Lounge Bar, na Pituba
14) Boteco, no Rio Vermelho
15) The Beef, na Pituba
16) El Caballito, na Pituba
17) De Além Mar Confeitaria Portuguesa, na Barra
18) Trapiche Adelaide, no Comércio
19) Ercolano Bar e Restaurante, no Itaigara
20) Luna Rossa Pizzeria, na Barra
Restaurantes participantes de festival deixam de operar
Dos 60 restaurantes de Salvador que participaram do festival gastronômico Restaurant Week no ano passado, 15 deles fecharam as portas, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Com previsão para acontecer durante os dias 9 a 29 de maio, cerca de 50 restaurantes devem ofertar refeições a preços promocionais de R$ 39,90 no almoço e R$ 51,90 para o jantar, com direito à entrada, ao prato principal e à sobremesa.
De acordo com a produtora do evento, Elaine Schindler, o festival “cai como uma luva” nesse momento em que todo setor passa por dificuldades e ainda precisa enfrentar a redução do poder de compra do consumidor.
“O cenário de dificuldade acaba criando uma oportunidade tanto para o consumidor que busca descontos como para a casa que precisa melhorar o seu faturamento”. O fechamento dos restaurantes não impactou na realização da 8ª edição do Salvador Restaurant Week. “A gente continua fazendo um evento forte, mesmo neste momento complicado”.