Empresas de segurança privada na Bahia quase dobram em 9 anos
O crescimento da violência na Bahia tem provocado um boom num mercado específico: o da segurança privada. De 2009 para cá, a quantidade de empresas autorizadas pela Polícia Federal (PF) para atuar no setor saltou de 89 para 167 – um aumento de 87,6%.
Para tentar preencher a lacuna deixada pelo Estado, vigilantes patrimoniais se espalham por toda parte, assim como escoltas armadas, comboios de caminhões e até acessórios eletrônicos aliados à presença de seguranças nas portas. São empresas e condomínios aprendendo a conviver com o problema.
Segundo a PF, das 167 empresas autorizadas, a maioria tem sede em Salvador e Região Metropolitana – 80 no total. O maior contingente está instalado em Lauro de Freitas, por causa dos estímulos tributários. A PF tem registrado uma média de cinco novas empresas por ano.
Não há, por enquanto, policiais diretamente ligados à fundação das empresas de segurança privada na Bahia, afirma a PF. Mas a participação deles não é proibida, desde que não sejam majoritários nem ocupem cargo de direção.
Insegurança
De acordo com especialistas em segurança pública, o aumento no número de empresas está relacionado ao crescimento da insegurança. “Somos moldados pela indústria do medo. Diariamente, os noticiários mostram o crescimento das ocorrências criminais e aí você busca se proteger”, diz o coronel Antônio Jorge Ferreira Melo, coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio Fib da Bahia.
“Existe essa necessidade real em função da falta de condições do Estado de manter o monopólio da violência. Assim ocorre a privatização da segurança pública. É o reconhecimento de que o Estado não tem condições de atender a todos com a mesma disponibilidade e intensidade”, completa Melo.
A opinião é compartilhada pelo advogado criminalista Marcus Rodrigues, especialista em Direito do Estado, Ciências Criminais e Segurança Pública: “A segurança pública é um dever do Estado e direito de todo cidadão. Só que, nos últimos anos, essa segurança tem sido precária. As pessoas que têm uma condição melhor vão contratar uma empresa de segurança privada que deveria ser um suporte do próprio Estado”.
Já a PF avalia o aumento de empresas como uma reação ao fechamento das clandestinas (leia abaixo).O CORREIO procurou o Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado da Bahia (Sindesp-BA), que não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Medo
O medo tem feito as pessoas viverem sob ‘olhos’ atentos. Para onde se olha há uma câmera, vigilantes, guaritas. Quem anda pelas ruas no bairro do Stiep, em Salvador, já está acostumado com tamanha vigilância.
Na entrada do Conjunto dos Bancários está uma das lojas da Farmácia São Paulo, na Avenida Professor Manoel Ribeiro. No lado esquerdo da parede, o símbolo da Escudo Segurança Eletrônica avisa que o estabelecimento é monitorado 24horas. “Apesar do monitoramento, nunca houve aqui nenhum assalto, pelo menos o tempo que estou aqui”, conta um rapaz que trabalha no local há pelo menos dois anos.
A empresa é a mesma que faz segurança na Promev Clínica Veterinária, na Rua Xingu, há mais de cinco anos.
“A empresa está conosco desde a fundação e nunca tivemos problema. Mantemos por uma questão de precaução”, diz uma recepcionista.
Na Rua Solimões, a maioria dos condomínios tem segurança particular. Alguns apenas com guarita e um vigilante. “Não é o ideal, mas ajuda a intimidar a bandidagem. Aqui no condomínio, raramente acontece, mas da guarita pra fora tomam os carros e celulares”, diz uma pedagoga que mora lá.
Foto: Evandro Veiga/CORREIO |
O sociólogo Luís Cláudio Lourenço, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), pontua que o crescimento do mercado de seguridade – como é chamado o serviço nos Estados Unidos e na Europa, também está ligado à tecnologia.
“Aqui se investe mais na contratação de pessoas para minimizar o problema da insegurança. Em outros países, a busca é por tecnologia”, explica Lourenço.
Polícia Federal fiscaliza empresas clandestinas
Segundo a Polícia Federal, o aumento das empresas de segurança privada se deu também por conta das autuações da própria PF no combate às empresas clandestinas, que chegam a cobrar a metade pelo serviço de uma empresa autorizada.
“Quando chega a denúncia, a gente vai até lá e fecha. A Polícia Federal é representante legal para fiscalizar as atividades de segurança privada. Nas 167 empresas autorizadas pela PF, alguma delas eram clandestinas e se regularizaram porque estavam perdendo o mercado devido a nossa atuação”, diz o delegado Ulysses Tourinho, da Delegacia de Controle de Segurança Privada.
A PF registra uma denúncia a cada dois meses de empresas que atuam com o serviço clandestinamente.
“Já identificamos em pequenos shoppings centers, condomínios, obras de construção civil e até em faculdades. Muitos contratantes alegam que não sabiam que essas empresas atuavam de forma irregular”, conta o delegado.
Em outras situações, a decisão é do próprio contratante. “Alguns comerciantes preferem pagar 50% a menos do que investir numa empresa autorizada”, afirma. No Congresso Nacional, tramita um projeto que quer penalizar contratadores de clandestinas.
Para o funcionamento de empresa regulamentada são necessários requisitos como capital a partir de R$ 108 mil. “Os sócios são ouvidos para saber se eles têm condições de abrir a empresa. O objetivo é saber a origem do dinheiro do capital e a capacidade de atuação”, explica.
Segundo o delegado, após a autorização para funcionamento, as empresas são fiscalizadas periodicamente. “Tem que ter viatura plotada, monitoramento eletrônico 24 horas e segurança na sede, sistema de rádio modulado com as viaturas e outros requisitos. Todas as instalações têm que estar de acordo com a portaria”, diz.
A cada dois anos, os seguranças são obrigados a passar por reciclagem. Se somente um dos seguranças não fizer o curso, a licença não é renovada. O registro das armas é renovado de cinco em cinco anos.
Foto: Evandro Veiga/CORREIO |
SP contratou 3 mil policiais
Para o coronel Antônio Jorge Ferreira Melo, professor e coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Estácio Fib da Bahia, o surgimento de novos condomínios residenciais contribuiu para aumentar a segurança privada: “Quando um edifício é entregue, é entregue com câmeras, vigilantes, cerca elétrica. É a procura pela segurança privada”.
Questionada se as empresas de segurança patrimonial são uma solução, a delegada Carla Ramos, da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos, diz que esta é uma opção até certo ponto.
“O movimento de agentes de segurança na rua ou no bairro inibe a ação dos bandidos, mas não é a garantia total de segurança. É preciso se prevenir”, declara a delegada.
Já o advogado criminalista Marcus Rodrigues, especialista em Direito do Estado, Ciências Criminais e Segurança Pública, diz que a solução para o problema seria a atuação de forma integrada de todas as áreas que atuam diretamente ou indiretamente com a segurança pública. Ele destaca também a falta de aparelhamento nas polícias e os baixos salários como falta de estímulos dos profissionais da área de segurança pública.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) ressalta que, nos últimos três anos, pouco mais de 3 mil novos policiais foram contratados e que novos concursos para as polícias Militar e Civil e Bombeiros estão sendo feitos para mais 4,5 mil profissionais.
“No mesmo período, 2 mil novas viaturas foram entregues, pouco mais de 50 novas estruturas foram montadas no estado, o sistema de câmeras foi ampliado, o maior Centro de Operações e Inteligência da América do Sul construído”, diz a pasta, ao dizer que “falta mais participação dos municípios, a quem competem as ações primárias e preventivas, como educação, criação de emprego, esporte e lazer”.
A SSP-BA diz que “o Governo Federal precisa implementar também um Plano Nacional de Segurança Pública” e cobra a “imprescindível participação do Poder Legislativo na reformulação do Código Penal”.
Ataque muda com perfil da vítima
Um bandido fica na rua, observando o movimento de pessoas e da polícia, enquanto outro furta. Segundo a polícia, é assim que age quem furta casas em Salvador. A maioria dos crimes acontece durante a madrugada e os preferidos são objetos pequenos, como celulares, relógios, e joias.
A titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR), Carla Ramos, conta que o número de assaltos e horários dos ataques alternam. Em bairros de classe média ou média alta, os assaltantes aproveitam o momento em que as vítimas estão dormindo. Nos mais periféricos, agem depois que a vítima sai para trabalhar.
Outros casos recorrentes são aqueles em que os bandidos estudam a rotina das vítimas. Eles usam até veículos para carregar objetos.
“Por incrível que pareça, ainda tem gente que dorme com a janela aberta em Salvador. É preciso ficar atento, manter as janelas e portas fechadas à noite e, quando for viajar, pedir para que alguém vá até a casa. Quando o bandido percebe que tem movimento no imóvel, ele desiste”, diz.
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