Ex-namorado da médica que caiu de prédio em armação tem prisão preventiva revogada
O médico Rodolfo Cordeiro Lucas, suspeito de provocar a queda de Sáttia Lorena Patrocínio Aleixo, a médica que está internada após cair do quinto andar de um prédio no bairro de Armação, em Salvador, teve a prisão preventiva revogada na manhã desta segunda-feira (27), menos de uma semana de ter a preventiva decretada. A informação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
- Vizinha de antigo prédio de médica disse que ela pedia socorro
Ainda não há detalhes sobre quando Rodolfo deixará a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), do bairro do Engenho Velho de Brotas, onde ele está preso desde 20 de julho. O G1 entrou em contato com Gamil Föppel, advogado do médico, mas ele apenas confirmou o caso e não se pronunciou sobre a revogação.
A queda da médica ocorreu na madrugada do dia 20, no bairro de Jardim Armação. Rodolfo Cordeiro Lucas foi preso em flagrante por tentativa de feminicídio. Primeiro, ele foi levado para a Central de Flagrantes da Polícia Civil. De lá, transferido para a Deam. No dia seguinte, em 21 de julho, Rodolfo teve a prisão preventiva decretada pela Justiça.
Na ocasião, a Justiça pontuou que decretou a preventiva para manter a ordem pública, além de prevenir possível perigo gerado pelo “estado de liberdade do imputado”. Disse também que durante o interrogatório, Rodolfo não revelou detalhes concretos de uma possível tentativa de suicídio por parte da vítima e fez uma “narrativa desconexa, evasiva e sem conteúdo”.
O médico depôs na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), do bairro do Engenho Velho de Brotas, horas após a queda da médica, e disse à delegada Maraci Menezes Lima que, depois de uma discussão, a vítima foi para o quarto do apartamento, no quinto andar do prédio, e ficou “pendurada do lado de fora da janela, segurando com as mãos na borda da janela”. O médico também disse que que tentou resgatá-la, mas que não conseguiu.
Ele também disse que a médica se automedicava. A família da vítima negou versão de Rodolfo Lucas.
Consta no depoimento que, ao ser perguntado se jogou a companheira para fora da janela ou da varanda, o médico disse que “nunca faria isso”, que conhecia Sáttia Lorena há um ano e morava junto com ela há seis meses. Ainda no depoimento, o médico afirmou que a companheira tinha “ideações suicidas”, fazia terapia e tomava medicações prescritas por ela mesma. “Ela se medicava, se dopava”, disse durante o depoimento.
O médico contou à polícia que, apesar dos “surtos de ciúmes” apresentados pela médica, o casal não tinha discussões pontuais e que ela “simplesmente surtava”. Ele ainda disse que, durante os supostos surtos, Sáttia Lorena sempre o agredia fisicamente com mordidas, socos, tapas e ameaçava se jogar da janela e da varanda.
Rodolfo também foi perguntado sobre nunca ter falado com a família de Sáttia Lorena sobre a depressão, e ele contou que foi um pedido feito pela companheira.
Segundo a delegada Bianca Torres, responsável pelas investigações, oito pessoas foram ouvidas. A previsão é de que a família da médica preste depoimento até o final desta semana. Além disso, ela pediu que seja feita perícia nos celulares da Sáttia e do suspeito, além de pedir exames toxicológicos.
- Discussão um dia antes da queda
Durante o depoimento na Deam, Rodolfo Lucas contou que, na manhã do dia 19 de julho, o casal foi para o hospital em que os dois trabalham, cada um em um carro, e que ele teria ido por um caminho que não era o habitual. O médico disse que foi surpreendido, quando foi fechado pelo carro da companheira na Avenida Pinto de Aguiar.
O suspeito disse à polícia que a médica desceu do carro e o ameaçou de morte.
O médico disse que, em seguida, Sáttia Lorena ficou nua e tentou se jogar em um canal, que fica na avenida. Rodolfo disse que conseguiu colocar a médica dentro do carro dela, acalmá-la e os dois foram para o hospital, cada um em um carro.
Ao chegar no hospital, de acordo com Rodolfo, a médica contou para ele que não estava se sentindo bem, que tinha sido liberada para voltar para casa e o chamou para conversar dentro do carro dela.
No veículo, segundo médico, ele foi agredido com mordidas e socos e voltou para o hospital. Rodolfo disse que Sáttia Lorena o seguiu e, por ela ter tomado muitas medicações, ele pediu para ela descansar no hospital, porque ela “queria viajar para o interior dopada de medicamento”. A família da médica mora em uma cidade que fica no interior da Bahia.
O médico disse que dormiu no hospital e que, ao acordar, por volta das 12h do domingo, não encontrou a companheira no local. Ao mandar uma mensagem, descobriu que ela havia voltado para o apartamento.
Ainda no depoimento, o suspeito disse que a médica teria “surtado novamente”, perguntou se ele voltaria para casa, e o chamou para conversar no apartamento. “Ela jurou que seria uma conversa pacífica”, disse ele à delegada, conforme consta no documento policial.
O médico disse que, apesar do início da conversa pacífica, Sáttia se exaltou e voltou a agredi-lo fisicamente, o que fez ele dizer que não queria mais conversar
Segundo costa no depoimento, Rodolfo Lucas também disse que a companheira começou a falar do pai dele, dizendo que ela não havia o apoiado, o ajudado. O médico disse que encerrou a conversa, porque o pai dele morreu há pouco tempo e ele ficou emotivo.
O interrogado afirmou, no depoimento, que ambos tomaram banho, Sattia fez uma oração e os dois deitaram na cama. O médico contou que a companheira tentou começar mais uma conversa e o agrediu com arranhões no rosto e na boca, além de murros, tapas e mordidas.
O documento mostra que ele disse que não aceitaria mais agressão e ela correu para a cozinha, onde pegou uma faca. Rodolfo Lucas afirmou que tirou a arma branca da mão dela e, quando foi esconder o objeto, ela correu para a varanda.
“Eu só ouvi ela me gritar, Lucas, Lucas, e eu fui para o quarto atrás dela e quando cheguei, ela estava pendurada pelo lado de fora da janela, segurando com as mãos na borda da janela. Ainda segurei os pulsos dela para tentar fazer com que ela voltasse e gritando socorro”, contou no depoimento.
O suspeito mencionou um casal, que mora no apartamento 404, que viu a situação e pediu para que ele a segurasse pelo tronco, mas ele não conseguiu. “Infelizmente, não consegui”.
- Vizinhos
Ainda de acordo com a delegada Bianca Torres, um homem que mora no 4° andar do prédio onde o casal vive disse, também em depoimento, que acordou com a discussão dos vizinhos. Ele contou que tentou conversar com a mulher pela janela, quando percebeu que a médica estava apoiada no parapeito e viu que o companheiro segurava as mãos delas, mas que a mulher dizia que não tinha mais forças.
O síndico do prédio disse em entrevista à TV Bahia que o homem chegou a morar no local com uma outra mulher, que seria ex-esposa dele. Também de acordo com o síndico, eles já teriam brigado, “mas algo pontual”.
“O médico já mora no condomínio há cerca de quatro anos. [É] a informação que tenho. Muito discreto. Eu já moro no condomínio há 8 anos e não vi. Só lembro de ter visto tanto o médico quanto a médica quase duas vezes. Aqui no condomínio, a gente não tem nenhum registro de qualquer tipo de briga. Só com a esposa anterior, mas algo pontual”, contou Leonardo Augusto .
Leonardo ainda detalhou que houve chamado de vizinhos sobre a discussão dentro do apartamento onde estava a médica e o companheiro. O porteiro chegou a ir ao local, mas ninguém atendeu.
“De fato, houve relato da desinteligência no dia do ocorrido. Dois moradores realmente relataram na portaria o acontecido. O porteiro, inclusive, foi até a unidade, chamou por duas vezes, e não atendeu”, disse.
- Familiares negam depressão
Em entrevista ao G1, Anderson Moreira, primo de Sáttia, negou a afirmação do suspeito sobre a médica ter histórico de depressão.
“É muito estranho tudo o que aconteceu e tudo que está acontecendo. Ela não era depressiva. Ela não faria isso. Olha o histórico dela. É uma mulher bonita, 27 anos, médica, tem apartamento, carro próprio. Como é que ela poderia se jogar?”, disse.
Uma outra prima de Sáttia, Ariana Lorena, também negou que a médica tenha quadro de depressão.
“Sáttia nunca teve depressão. Nunca. Ela viveu e cresceu no interior. Quando se formou, foi para capital buscar o sonho dela, que sempre foi ser médica. Ela sempre conquistou tudo aquilo que ela buscou. Ela era uma pessoa bem sucedida. Ela era agradecida a Deus pelo que vivia. Ela não tinha depressão. Ela nunca teve depressão”, disse.
Tanto Lorena como Anderson classificaram o relacionamento dos dois como “tóxico e abusivo”.
“A relação deles sempre foi muito conturbada. Era um relacionamento muito possessivo, muito tóxico. Aí eu faço a pergunta: ‘Hoje em dia, quem é que não tem um Instagram?’ Até cachorro tem Instagram, mas ela não tinha. ‘Por que ela não tinha?’ Isso reforça justamente essa possessividade dele. Esse controle”, completou.
Lorena revelou também que a família havia sido informada que o homem seria agressivo e violento, e que o casal já teria tido várias discussões, inclusive em locais públicos.
“A gente já sabe que é uma pessoa extremamente agressiva, que ele é uma pessoa violenta, que, na noite do acontecimento, eles tiveram uma discussão muito violenta no apartamento. Eles já tiveram discussão em locais públicos também. Ela pediu socorro dentro do apartamento, antes de acontecer, dela ser arremessada do andar”, concluiu .
Lorena contou ainda que a prima é muito amorosa e amada pelos pacientes. E que sempre foi dedicada para conseguir os sonhos.
“Ela é uma menina alegre, amorosa. Uma médica dedicada. Para os pacientes dela, nossa, um anjo. Um verdadeiro anjo. Ficamos sabendo dessa notícia na madrugada da segunda-feira, que ela teria sido arremessada do quinto andar de um apartamento no bairro Armação após uma discussão com o companheiro”, concluiu a prima da médica.