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26 September 2024

Justiça baiana é condenada por vazamento de dados sensíveis de processo que envolvia pessoa convivendo com HIV

A justiça baiana, representada pelo Estado da Bahia, e a plataforma Jusbrasil foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais pelo vazamento de dados de um processo sigiloso que acabou expondo na internet que uma das partes envolvidas convive com HIV.

Em 2021, o homem, que não terá a identidade revelada, ajuizou uma ação por meio do sistema de processo eletrônico do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e solicitou a tramitação em segredo de justiça por ser portador de doença crônica, o que garante o sigilo do processo, para evitar a exposição de forma desmotivada.

Entretanto, segundo o homem, seu companheiro na época colocou seu nome no site  JusBrasil, que reúne processos judiciais de todo o país, e conseguiu acessar os autos do processo na íntegra, descobrindo a situação. Ou seja, o TJ-BA havia publicado informações do processo e elas foram republicadas na plataforma de conteúdo jurídico.

Como consequência, o relacionamento chegou ao fim, a situação foi espalhada para outras pessoas da pequena cidade do interior da Bahia em que ambos vivem, este homem perdeu o emprego e passou a viver extremamente inseguro, porque tratam-se de informações pessoais e íntimas que foram expostas sem qualquer consentimento, o que culminou com uma tentativa de suicídio.

O homem destaca ainda que mantinha a situação em sigilo, não somente por ser uma questão pessoal, mas porque também a doença está controlada por conta de tratamentos ao qual se submete há anos, usando medicamentos e vitaminas, além de sempre utilizar preservativo em suas relações.

Como o Tribunal de Justiça da Bahia não possui personalidade jurídica e por isso não pode ser parte em um processo judicial, a justiça baiana foi representada no processo pelo Estado da Bahia, que alegou, em defesa, que a ação publicada pelo Jusbrasil tramita em segredo de justiça no sistema do TJ-BA, não sendo possível seu acesso por terceiros não habilitados e que, por conta disso, não houve qualquer conduta danosa a ser atribuída ao tribunal.

O Estado da Bahia apontou ainda que “não há qualquer prova de que, de fato, tenha ocorrido a visualização, e muito menos de que tal informação fora divulgada por toda a cidade”, que não há prova de dano e que “se houve qualquer divulgação de dados de processo que tramita em segredo de justiça, essa é de inteira responsabilidade do JusBrasil”.

Por sua vez, o Jusbrasil defendeu que não possui qualquer responsabilidade sobre o ocorrido porque “é somente um buscador ou provedor de pesquisa, que possui como finalidade possibilitar o acesso à justiça para todos, facilitando o acesso à informação jurídica previamente disponibilizada na internet pelo Poder Público”.

A plataforma destacou ainda que na publicação dos dados do processo que divulgou informações sensíveis sobre a condição de conviver com HIV, o Jusbrasil ressalta que não é o titular da publicação, mas que ela foi meramente localizada na
internet, no Diário de Justiça do Estado da Bahia, e que aponta a página exata na qual a publicação foi realizada e permite a visualização do arquivo original em PDF.

Assim, apontando a culpa para o TJ-BA, o Jusbrasil destacou que “foi feita uma publicação no Diário Oficial, para ampla ciência do público, contendo o nome do Autor e informações sobre seu processo, que supostamente deveriam ser sigilos”.

Em sua decisão, o juiz de primeiro grau condenou o Estado da Bahia, representando o TJ-BA, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil, salientando que “se tratava de processo em segredo de justiça e a intimidade da parte autora, neste aspecto, restou exposta” e também o Jusbrasil em mais R$ 5 mil, totalizando R$ 10 mil, justificando que a plataforma “possui responsabilidade na publicação dos conteúdos, eis que, inclusive, é remunerado por esta atividade, tratando-se de risco inerente”.

Como os réus apresentaram recurso contra a decisão, os argumentos foram analisados por uma das Turmas Recursais da justiça estadual que decidiu por manter a sentença de primeiro grau, sustentando que “a indenização fixada pelo Juízo a quo atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, reparando com coerência os danos efetivamente sofridos, por defeito relativo na prestação de serviço sem, contudo, propiciar enriquecimento sem causa, razão pela qual merece ser mantida em sua integralidade”.

Em conversa com o BNews, o homem afirmou que descobrir o vazamento dos dados do processo foi um processo que deixou mágoas.

“Foi devastador na minha vida. Sou uma pessoa II (indetectável e intransmissível) optei não falar para ninguém minha sorologia. Acabou que no site do JusBrasil descobriram, porque esse site e o tribunal vazaram o processo e não respeitaram o sigilo processual. Agora, todas as pessoas próximas a mim sabem, perdi meu trabalho e a pessoa que vivia comigo também me deixou. Tudo culpa deles. Os danos são imensuráveis”, desabafou.

Sobre a decisão da justiça de condenar os envolvidos, ele entendeu que ela não foi o suficiente.

“Achei a decisão pouca ainda. É inacreditável que eles tiveram a coragem de recorrer depois de tudo que me causaram. Pelo menos foi procedente e espero que outras pessoas vivendo com HIV não passem por isso. Que tenham o direito de entrar com ações sem medo. Espero que o tribunal e o Jusbrasil mudem a conduta deles e tenham cuidado com o sigilo processual, urgente. Essa foi uma vitória de toda comunidade vivendo com HIV”, disse.

Fonte: BNews