
Latrocínio cresce 27% na capital baiana; maioria dos autores é jovem
Este ano, a Bahia já contabiliza 133 vítimas, a maioria delas (80) no interior, nove na Região Metropolitana, além das 44 da capital
A dívida do usuário com o dono da droga é de R$ 1.000 e ele tem três dias para quitá-la ou será morto. O devedor sabe que essa promessa será cumprida pelo traficante, caso não consiga pagar o que deve, e busca uma saída desesperada para conseguir o dinheiro. A opção escolhida: praticar um assalto.
Segundo delegados e especialistas consultados pelo CORREIO, são em situações parecidas como essa que começam, quase sempre, histórias de latrocínio – roubo seguido de morte. De janeiro a agosto deste ano, 44 pessoas foram vítimas do crime em Salvador, 12 a mais que no mesmo período de 2014. O acréscimo é de 27,2% nas ocorrências, a maioria delas praticada por jovens.
Os dados, que ainda não tiveram os números de setembro e outubro atualizados, são da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA). Em números absolutos, a capital baiana foi a terceira do país em latrocínios no ano passado, com 50 casos registados. O aumento em relação a 2013 foi de 63%: há dois anos, a capital teve 27 casos do tipo. Já em todo o estado, a SSP-BA apontou 199 casos de latrocínio em 2014 – 134 no interior, 15 na Região Metropolitana, além dos 50 de Salvador.
Este ano, a Bahia já contabiliza 133 vítimas, a maioria delas (80) no interior, nove na Região Metropolitana, além das 44 da capital.
O caso de repercussão mais recente (e que ainda não entra no levantamento divulgado pela SSP-BA) foi o do engenheiro de som José Fernando Álvares Gundlach, 62 anos. Ele foi baleado na cabeça após ter o celular roubado por três homens no bairro do Saboeiro, no dia 4 deste mês. No dia 16, dois dos suspeitos foram presos: Danilo Lima Sena, 25 anos, e Leslie Walace Jesus Santos, 23. Segundo a polícia, Leslie atirou no rosto do engenheiro após a vítima tentar segurar sua arma.
Circunstancial
Embora o número de casos venha aumentando na capital, nos últimos anos, especialistas consultados pelo CORREIO são unânimes em dizer que o latrocínio não é um crime intencional. Pelo contrário, depende da circunstância e é inesperado tanto para a vítima quanto para o autor.
Para o professor César Barreira, que coordena o Laboratório de Estudo da Violência (LEV) na Universidade Federal do Ceará (UFC), apesar de não ser planejado, a possibilidade de “precisar” matar é sempre cogitada pelo assaltante. “Normalmente, não é premeditado. É um crime em que a pessoa vai preparada para qualquer coisa. É como se a pessoa que estivesse nessa batalha fosse disposta a obter o bem que gostaria e pronta para usar de determinados artifícios para conseguir”, analisa.
O delegado Nilton Borba, titular da 5ª Delegacia (Periperi), aponta o nervosismo como um dos fatores que fazem com que o bandido mate a vítima. “Na prática, o marginal que vai fazer um assalto vai extremamente nervoso, porque ele também sabe o risco que corre. Ele tem medo, principalmente, de a vítima ser policial, porque sabe que o risco de reação é maior”, destaca.
No ano passado, a Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) de Periperi, coberta por Borba, foi a terceira com o maior número de latrocínios na capital – seis. Este ano, já foram quatro – o mesmo número das áreas de Itapuã e de São Caetano. Em Periperi, três latrocidas foram presos recentemente. Em Itapuã, dois. O CORREIO não conseguiu o número com a 4ª Delegacia (São Caetano).
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Outro fator que contribui para o aumento de casos, segundo Borba, é a inexperiência do assaltante, que muitas vezes reage à resistência da vítima, mesmo que este seja um ato involuntário. Hoje, assinala o delegado, os autores de latrocínio são cada vez mais jovens e, por conta da inexperiência, acabam atirando diante de qualquer reação. É o que explica o fato de muitos casos terminarem com o bandido fugindo sem levar nada, cita Nilton Borba.
O coordenador do Departamento de Crimes Contra o Patrimônio (DCCP), delegado Moisés Damasceno, avalia que é nessa condição de inexperiência do assaltante que há mais perigo. “O mais arriscado de todas essas situações ocorre quando o assalto envolve gente inexperiente, que fica nervosa e atira diante de qualquer esboço de reação”, reitera.
Já a delegada titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR), Francineide Moura, acrescenta que essa inexperiência é explicada, em boa parte, pelo fato de muitos autores terem menos de 18 anos. Para ela, o criminoso, quase que na totalidade dos casos, “não sai com a intenção de matar”. “Quando ele quer matar, ele vai cometer um homicídio, não subtrair um bem”, compara.
Quadro social
Para o delegado Antônio Carlos Santos, titular da 12ª Delegacia (Itapuã), o aumento nos latrocínios está diretamente ligado ao momento vivido pela sociedade. “Toda ação criminosa tem um espelho no comportamento da sociedade. Com o crescimento dessa vivência de desemprego, de combate sistemático ao tráfico, o pessoal está migrando para o crime contra o patrimônio”, avalia ele.
É uma forma fácil e mais rápida que o próprio tráfico de obter dinheiro, conforme o delegado. Os principais alvos são os celulares, porque são repassados mais facilmente.
Conforme as fontes consultadas, é também nas áreas onde há mais assaltos onde ocorre o maior número de latrocínios – em geral, bairros nobres ou de comércio forte. Por isso, para o delegado Nilton Borba, a melhor forma de combater o latrocínio é reduzindo a incidência de assaltos. “Este ano, já temos quase 150 assaltos em Periperi, mas foram quatro latrocínios. Nós temos que ficar atentos a isso porque, do assalto para o latrocínio, basta o bandido resolver atirar”, destaca Borba.
Em 2014, o maior número de latrocínios ocorreu na Aisp de Itapuã, com oito casos. Segundo o delegado Antônio Carlos Santos, a área é, de fato, problemática quando o assunto é roubo, por conta do grande número de comércios e de possíveis rotas de fuga, especialmente na Avenida Dorival Caymmi. O aumento das blitze tem sido uma das estratégias da polícia, na área, para reduzir o número de assaltos e, por extensão, casos de latrocínio.
Especialistas recomendam vítima a não reagir e avisar cada gesto
Quando o assunto é o perfil da vítima de latrocínio, delegados e especialistas em segurança pública têm opiniões variadas. Mas para todos, a reação da vítima é o “gatilho” do assaltante. A delegada Francineide Moura lembra que qualquer pessoa está suscetível a um latrocínio. “Não tem regra para isso. A questão do latrocínio é que nós ainda somos muito materialistas, quando o que a gente sempre diz é que o bem maior é a vida. Mas a questão é que, às vezes, a pessoa trabalhou tanto para conseguir aquilo que a reação é inesperada”, comenta. Ainda conforme a delegada da DRFR, é comum “uma pessoa muito agressiva se comportar de forma apática e outras, mais tranquilas, acabarem reagindo”.
Já o delegado Antônio Carlos Santos diz que pessoas mais distraídas são vítimas em potencial. “Se você pega um celular em determinado lugar, você se torna uma vítima em potencial”, cita ele.
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Para o delegado Nilton Borba, as vítimas são escolhidas por dois fatores. “O primeiro são os sinais exteriores de riqueza. Se passa um cara todo bonitinho e um molambento, ele vai em cima do arrumadinho, que tem relógio, corrente. O segundo fator é a atenção da vítima. Tem gente que está na rua completamente aéreo. Se você tem atenção, está menos propenso a ser atacado”, indica.
O professor César Barreira, da UFC, considera difícil traçar um perfil, mas leva em consideração que os latrocínios ocorrem, normalmente, em bairros com maior índice de assaltos e contra vítimas que têm poder aquisitivo mais alto ou possuem um objeto de desejo do assaltante.
Ainda conforme Barreira, fatores psicológicos também envolvem a questão do aumento na incidência desse tipo de crime. “No latrocínio, é como se a pessoa (assaltante) estivesse preparada para qualquer ação. E tem ainda o aumento das reações das pessoas, que reagem porque não confiam mais na ação do Estado. É como se a vítima pensasse que está sujeita a qualquer reação do bandido. E o bandido pensa a mesma coisa”, conclui o especialista.
Latrocínio tem uma das penas mais altas da lei criminal
O crime de latrocínio, a rigor, não existe no Código Penal brasileiro. Juridicamente, ele é chamado de roubo majorado com resultado em morte e se enquadra no Artigo 157 do código, que dispõe sobre roubo. Ainda assim, de acordo com o delegado Moisés Damasceno, a pena para esse tipo de crime é uma das mais severas. Ele cita o Parágrafo 3º do Artigo 157 que diz que “se a violência resulta em morte, a reclusão é de 20 a 30 anos”.
Para o professor do curso de pós-graduação em Segurança Pública da Ufba João Apolinário da Silva, o assaltante aceita a possibilidade de pagar por um crime mais grave porque a pena não é cumprida integralmente. “A lei existe, é dura, mas a pena não é cumprida na sua totalidade. Ele é punido com 30 anos, mas cumpre 10 anos e, a partir do terceiro ou quarto ano, já tem os indultos, começa a sair nas datas festivas”, argumenta.
Taxa desse tipo de crime quase dobrou em um ano na capital
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015, divulgados no dia 7 deste mês, a taxa de latrocínio em Salvador quase dobrou entre 2013 e 2014. Segundo o levantamento, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há dois anos, foram 27 roubos seguidos de morte na capital, o que corresponde a uma taxa de 0,9 casos para cada 100 mil habitantes. Naquele ano, a cidade foi a 17ª capital com mais registros desse tipo de crime. Já no ano passado, foram 50 latrocínios na cidade, com taxa de 1,7 caso (quase o dobro do ano anterior), fazendo com que a cidade subisse para o 13º lugar com mais incidência entre as capitais.
Ainda conforme o levantamento, em todo o estado, a taxa foi de um caso para cada 100 mil pessoas em 2013 e, no ano seguinte, de 1,3 registros para cada grupo de 100 mil habitantes.