Menina de 3 dias de nascida sobrevive a picadas de escorpião
Se a fé cristã acredita que Jesus Cristo viveu de novo ao terceiro dia, o mesmo se pode dizer da pequena Maria Sofia, que após três dias de nascida, em Vitória da Conquista, no Sudoeste do estado, foi picada por um escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), espécie mais letal desse aracnídeo, e sobreviveu.
Maria Sofia está entre as 15.082 pessoas que foram vítimas de picadas de escorpião de 1º de janeiro até 11 de setembro, na Bahia. Esses 15 mil casos dão uma média de 55 registros por dia. Em todo o ano passado, a média foi 58.
média foi 58.
A recém-nascida, hoje com 12 dias de vida, foi picada cinco vezes, segundo a família e o laudo médico, assinado pela pediatra Silvia Patrícia Ledo, da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Vitória da Conquista, onde a menina ficou internada após ser atendida no Hospital Municipal Esaú Matos. O animal foi encontrado preso ao coto umbilical da criança, escondido dentro da fralda.
Antes de ir para essas unidades, Maria Sofia ainda passou por um posto de saúde e ninguém viu o escorpião. O fato ocorreu na manhã do feriado de 7 de setembro, no conjunto habitacional Campo Verde, do programa federal Minha Casa, Minha Vida, no bairro Campinhos, periferia da cidade.
Mãe de Maria Sofia, a dona de casa Fernanda Ferreira dos Santos, 25, relata que, entre 9h e 10h, deu banho na criança e, instantes depois de colocar a roupinha, sentiu que ela estava mole, com a boca espumando, sem querer mamar. Foi quando resolveu levar a criança ao posto médico, onde desconfiaram que a menina estivesse com refluxo.
“A médica do posto levou a menina no próprio carro para o Hospital Esaú Matos, não a culpo por não ter visto o escorpião, ninguém desconfiou de nada”, disse Fernanda, em choque e ao mesmo tempo aliviada pelo fato de a filha ter “nascido de novo” aos três dias de vida.
No Esaú Matos, segundo o laudo médico, Maria Sofia tomou seis ampolas do soro antiescorpiônico. Ela havia chegado à unidade hospitalar com taquicardia (aumento da frequência cardíaca), taquidispnéia (respiração rápida e difícil), recusa alimentar e sialorreia (aumento do fluxo salivar). Após dois dias na UTI, a menina teve alta. |
Milagre
“Passei um susto que nunca mais quero passar na minha vida com filho nenhum meu, não desejo o mesmo para ninguém. Quando soube que minha filha tinha sido picada por escorpião, comecei a chorar junto com meu marido [Magno Silva Souza, 27] e achava que ela não ia viver. Foi um milagre de Deus”, disse Fernanda.
O drama fez com que Fernanda se mudasse com a família para outra casa, no mesmo bairro. A antiga guarda, ainda, parte dos seus móveis, inclusive as roupas, fraldas e outros objetos de Maria Sofia e de outros dois filhos – Eduardo, 5 anos, e Lorrane, uma menina de 7 anos que é anencéfala.
Escorpião que picou Maria Sofia, hoje com 12 dias de vida (Foto: Mário Bittencourt/ CORREIO) |
A casa não tinha energia e nem água encanada e estava abandonada quando Fernanda chegou com a família, há oito meses. Os vidros e janelas da porta foram quebrados, segundo Fernanda, por vândalos. O imóvel fica em frente a um dos dois depósitos clandestinos de lixo que há no bairro, onde o esgoto corre a céu aberto. Moradores do entorno desses lixões são os que mais reclamam da presença desses animais. Mas há também cobras e ratos que invadem as casas. O bairro é uma antiga fazenda, e parte do local onde foram erguidos os imóveis era um antigo brejo, que foi aterrado pela construtora responsável pelo empreendimento.
A dona de casa Dinaildes Vieira Gomes, 55, disse que desde que viu um escorpião em casa só dorme com a luz da área acesa e coloca panos embaixo da porta para que os animais não passem. “Eu peguei um agarrado ao pano já”, ela disse. “Teve uma vizinha que viu um escorpião passeando pela sala enquanto ela assistia a um jogo”.
“Tem escorpião aqui em tudo que é canto. Não podemos ficar um dia sem revirar tudo porque eles ficam quietos, saem mais à noite. É um cuidado constante, um medo de ser picado por esse animal, sobretudo quem tem filho pequeno”, disse a também dona de casa Roseli Santos, 31.
A Prefeitura de Vitória da Conquista informou que, recentemente, fez mutirão de limpeza no conjunto Campo Verde, e já consta agendamento para a realização de outro. A coleta de lixo na localidade é realizada diariamente, de segunda a sábado. Sobre ações referentes ao controle de escorpiões, declarou que elas “são efetuadas a partir de denúncias feitas e de demandas espontâneas”, e que “nos casos de ocorrência de epidemias realizam-se ações de controle em toda localidade”.
Problema grave
Segundo dados da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), Maria Sofia está entre as 15.082 pessoas que foram vítimas de picadas de escorpião de 1º de janeiro até 11 de setembro na Bahia. Somados os casos desde 2012, já são 113.731 acidentes com escorpiões no estado.
A Sesab não informou quantos soros anti-escorpiônicos há no estado atualmente nem as cidades onde mais ocorrem acidentes do tipo, mas, segundo a coordenadora do Laboratório de Animais Peçonhentos da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) Ilka Biondi, a região Sudoeste tem se destacado nos últimos anos.
A pesquisadora, que estuda animais peçonhentos há mais de 30 anos, disse que realizou um estudo sobre escorpiões na Bahia, entre 2010 e 2015, que mostra que nesse período a maioria dos acidentes estava concentrada em cidades do Sudoeste da Bahia.
No estado, segundo ela, ocorreram nesse período 57.375 casos e nas cidades do Sudoeste, 31.295. “É a região que mais tem acidentes por escorpiões na Bahia”, afirmou, acrescentando que Jequié (com 7.779 acidentes) e Vitória da Conquista (3.200) lideram o ranking.
Socorro a crianças deve ser feito em até duas horas
Diretor do Centro de Informações Antiveneno da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), Daniel Rebouças afirma que o atendimento de crianças com até 7 anos, vítimas de picadas de escorpião, deve ser feito em até duas horas, no máximo.
“Esse é o período pelo qual o veneno ainda está circulando pelo corpo da pessoa, por isso, a eficácia do soro-antiescorpiônico”, disse Rebouças, que recomenda após uma picada somente lavar com água e sabão e procurar imediatamente um hospital.
Já em adultos, nem sempre é preciso usar o soro-antiescorpiônico. Idosos também requerem cuidados especiais.
Os sintomas, em qualquer faixa etária, incluem dor no local da picada, náuseas, vômitos, dor abdominal, salivação excessiva, arritmias cardíacas, hipertensão ou hipotensão, choque, edema agudo de pulmão, tremores e confusão mental.
O melhor remédio contra os escorpiões, diz Rebouças, é a prevenção. “Não deixar lixo acumulado em casa, não acumular panelas com resto de comida em cima da pia, não acumular entulho perto da casa, nada que atraia barata, que é o principal alimento dos escorpiões”.
Outro cuidado que Rebouças recomenda é colocar uma tampa em cima dos ralos de esgoto, por onde geralmente os escorpiões saem. E ser ver o animal, não inventar de querer pegá-lo vivo. “O correto é acionar os órgãos de saúde”, disse, “mas em caso de picada é importante a captura para comprovar à autoridade de saúde”.
Para a pesquisadora Ilka Biodi, hoje em dia os escorpiões estão disputando espaços com as baratas, e a invasão deles nas casas “é fruto da expansão urbana”. “Muitas casas estão perto de locais onde antes era só mato, então, os escorpiões viram nas residências um local ideal para estar, com comida e lugar úmido, como ele gosta”.
Para Ilka Biondi, o problema dos escorpiões é relativamente fácil de se controlar. “Com um pouco de treinamento das equipes de saúde, é possível se fazer ações de controle que são eficazes e não custam caro. É só criar formas de atrair esses animais”, declarou.
O biólogo Márcio Borba destaca a necessidade de orientação sobre a busca imediata ao serviço de referência e atividades educativas sobre os hábitos de vida dos escorpiões.
“O expressivo número de acidentes com escorpiões é o resultado da expansão urbana sobre áreas antes ocupadas por matas, do acúmulo de lixo e entulho que atraem insetos que servem de alimento, da reprodução partenogenética, onde fêmeas podem dar à luz a vários filhotes sem haver cópula, revelando a capacidade extraordinária desses animais de se adaptarem a ambientes variados, incluindo nossas residências”, disse ele.