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6 October 2024

Morre idoso que aguardou por resultado de exame em banco de concreto do Hospital

A jornada do cadeirante Jonas dos Reis Lima, de 68 anos, no Hospital municipal Pedro II, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, acompanhada desde a última quinta-feira pelo EXTRA, chegou a um triste fim. O idoso aguardou durante cinco horas por exames em um banco de concreto, em frente à emergência da unidade, e nesta segunda-feira, morreu , após ter seu estado agravado em função de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido na última sexta-feira.

— Estou desnorteada. Acabei de receber a notícia do hospital. Estou indo pra lá, me reunir com a família — disse Larissa Abreu, neta de Jonas, muito emocionada.

Ainda não há informação oficial sobre a causa da morte, mas de acordo com Larissa, ainda na manhã desta segunda, Jonas não respondia mais a nenhum estímulo, respirava com a ajuda de um balão de oxigênio e já apresentava sinais vitais fracos.

LUTA DUROU 4 DIAS

Na quinta-feira, amparado pela companheira, Jonas mostrava não aguentar mais ficar na cadeira de ferro, única acomodação oferecida pelo Pedro II, sendo o banco de concreto a possibilidade encontrada pela família para o idoso se deitar. A maca chegou por volta das 23h30, quando o médico recebeu o resultado dos exames e o internou na sala vermelha, mas não em um leito, que só foi oferecido na manhã deste domingo. Meu pai está esperando o resultado dos exames desde as 17h. A urina está leitosa, branca. Ele é deficiente físico, cadeirante, está gemendo de dor, não consegue ficar sentado. Eu pedi uma maca para ele e disseram que não podiam dar. Tinha que esperar o maqueiro, que nunca aparece. O lugar que consegui deitá-lo foi neste banco de concreto e avisei aos funcionários que faria isso. Ninguém tomou providências. Se tiver que morrer, morre aqui. Meu pai está sendo tratado como um animal. Aliás, nem um animal é tratado dessa forma. As pessoas estão sem humanidade, sem compaixão. Eu estou muito revoltada. É muito triste. Ele é ser humano — disse Lilian Jane Libania Pereira, de 55 anos, na ocasião, chorando.

Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) afirmou que a comissão de fiscalização vai, em breve, fazer uma visita ao hospital. Eles fizeram uma averiguação em janeiro, constatando que a sala amarela, por exemplo, onde cabem 22 pacientes, abrigava 68 pessoas, o que corresponde a 323% da capacidade. Com base nas informações recebidas, “o conselho avalia a situação do hospital como muito grave, assim como praticamente todas as emergências do Rio de Janeiro”. A Secretaria municipal de Saúde do Rio ainda não se posicionou sobre o estado de saúde do idoso, nem sobre as reclamações feitas pela família de Jonas, que questiona o diagnóstico.

— Na sexta-feira de manhã, quando retornei, o médico falou que meu avô teve um AVC, mas não disse quando. Esse parecer foi dado sem nem ser feita uma tomografia, o que seria o mínimo para ser dado um diagnóstico decente — destaca a neta do idoso.

SALÁRIO ATRASADO E FALTA DE PESSOAL

Funcionários da Organização Social (OS) SPDM, responsável por administrar o Hospital Pedro II, estão com o salário de agosto atrasado e sem receber o auxílio refeição há até sete meses. Segundo profissionais que não quiseram se identificar, o pagamento deste mês deveria ser quitado no último dia 7, mas não há previsão de isso acontecer. Já o valor referente ao auxílio não tem sido pago para parte dos funcionários desde janeiro deste ano. Só os contratados mais recentes estão recebendo em dia. Com isso, as faltas são cada vez mais frequentes e acentuadas.

— Estamos trabalhando na boa vontade e no amor pela profissão. Mas há muitas pessoas que não estão vindo porque não têm dinheiro para a passagem. É uma vergonha. A gente fica revoltado com essa situação, dá vontade de desistir. Mas penso na minha família, e ficar desempregado é ainda pior — conta um funcionário.

Hospital Pedro II, em Santa Cruz, sofre com a falta de pessoal e insumos
Hospital Pedro II, em Santa Cruz, sofre com a falta de pessoal e insumos Foto: Agência O Globo

Na manhã desta segunda-feira, a unidade contava com apenas quatro maqueiros para atender todo o hospital, quando, segundo funcionários, o número ideal seria dez. Com isso, esses profissionais acabam tendo que trabalhar dobrado, para suprir a carência do hospital. Alguns plantões, como os da noite, chegam a ser piores, com apenas dois ou três maqueiros. A clínica médica, por exemplo, tinha um técnico para cada 16 pacientes.

Além disso, o necrotério da unidade está com superlotação de corpos, já que, segundo funcionários, faltam profissionais para fazer a liberação. Pessoas que trabalham em outros setores estão sendo chamadas para ajudar. São frequentes os episódios que mostram a ausência de profissionais e o grande número de faltas em função do atraso nos salários no Pedro II. Funcionários denunciam também a alimentação precária:

— As refeições variam entre arroz, feijão, farinha, salsicha e angu. Isso quando não falta alguma coisa. Suco não é servido mais, só água. Às vezes, gelada, quando tem — afirma um funcionário que trabalha em outras unidades de Saúde do município e destaca a precariedade do hospital da Zona Oeste: — Aqui no Pedro II é tudo muito pior.

Procurada, a SPDM, Organização Sociail que administra o Pedro II, ainda não se pronunciou sobre as reclamações e denúncias feitas pelos funcionários.

DEFENSORIA PEDE REABERTURA DE LEITOS

Também na última quinta, a Defensoria do Rio de Janeiro protocolou uma ação civil pública pedindo a reabertura de 36 leitos de terapia intensiva nos hospitais municipais Pedro II e Albert Schweitzer, em Realengo. As duas unidades estão com esses leitos inoperantes há nove meses por conta de cortes de custos. Na sexta-feira, outros seis leitos estavam vazios no CTI do Centro de Tratamento para vítimas de queimaduras, no nono andar do hospital, com apenas um, entre os sete disponíveis, ocupado.

A ação pública requer a reabertura dos leitos no prazo máximo de 30 dias. Em vistoria realizada no dia 30 de julho, a Defensoria constatou que há 34 leitos de UTI instalados no Pedro II e que quatro deles foram fechados pelo município. Outros 30 estão previstos no contrato de gestão firmado com a organização social responsável, mas mesmo assim dez foram bloqueados (não recebem pacientes) – embora as OS recebam verba para isso –, restando apenas 20 em funcionamento.