MPF denuncia caseiro da “Casa da Morte”, em Petrópolis, por estupro e sequestro
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro denunciou nesta segunda-feira (5) o caseiro do local que ficou conhecido como “Casa da Morte” durante a ditadura militar. Conhecido como “Camarão”, o ex-sargento do Exército Antonio Waneir Pinheiro Lima é acusado pelos crimes de estupro e sequestro da militante política Inês Etienne Romeu em 1971.
Na época dirigente das organizações Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, VAR-Palmares e Polop -, Inês foi sequestrada por militares em São Paulo. Ela foi levada para a chamada “Casa da Morte”, um centro de prisão e tortura clandestino situado em Petrópolis, na região serrana no Rio, em maio de 1971.
De acordo com o MP, entre 7 de julho e 11 de agosto de 1971, Camarão manteve a vítima contra sua vontade dentro do centro ilegal de detenção, ameaçando-a, afirmando que a mataria, e utilizando recursos que tornaram impossível a defesa da vítima. “Em razão de sua militância estudantil e política, Inês Etienne Romeu tornou-se alvo do governo ditatorial brasileiro, tendo sido perseguida e monitorada por órgãos de inteligência, sequestrada, presa ilegalmente, torturada e estuprada conforme demonstram várias provas amealhadas na investigação”, afirmam os procuradores da República Antonio Passo Cabral, Sergio Suiama e Vanessa Seguezzi na denúncia.
“Além das torturas reconhecidamente aplicadas como padrão aos presos políticos no regime militar (choques elétricos, pau de arara, cadeira do dragão, espancamento), Inês ainda sofreu com a maldade de seus carcereiros, que a maltratavam apenas para seu divertimento. No inverno de Petrópolis, onde a temperatura podia chegar a menos de 10°C, era obrigada pelos carcereiros a deitar nua no cimento molhado”, narram os procuradores.
Segundo o MP, Inês tentou se suicidar quatro vezes durante o cativeiro. Em seu relato, ela descreve: “Por não ter me suicidado, fui violentamente castigada: uma semana de choques elétricos, banhos gelados de madrugada, ‘telefones’, palmatórias. […] A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões físicas e morais. ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Este mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar em seu pênis enquanto se contorcia obscenamente. (…) Durante este período fui estuprada duas vezes por Camarão e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”.
Inês morreu ano passado, em Niterói, na região metropolitana do Rio, aos 72 anos. Ela foi a única pessoa a ser libertada Casa da Morte. Pelo menos 20 pessoas teriam morrido após torturas no local durante a ditadura.
Os torturadores a liberaram acreditando que depois de três meses de tortura e cativeiro na Casa da Morte, ela não participaria mais da luta armada e até passaria a colaborar para o regime militar. A revelação foi feita pelo tenente-coronel Paulo Malhães, morto em 2014.
De acordo com o MPF, Camarão admitiu ser o caseiro da Casa da Morte, mas disse que não houve tortura no local e nunca viu entrada e saída de presos, posição questionada pelos procuradores. “O que um militar da Brigada Paraquedista estaria fazendo em serviço em uma casa em Petrópolis, e não em uma unidade militar, como um quartel? Todas as provas dos autos, documental e testemunhal, com o próprio depoimento da vítima, o reconhecimento do acusado por foto, a confissão de Camarão de que realmente era o vigia da Casa da Morte, passando pelas quebras de sigilo, busca e apreensão e interceptação telefônica, tudo mostra que o acusado é culpado pelos crimes que lhe são imputados”.
Inês não pôde depor à Comissão Nacional da Verdade por um problema na fala. Mas a sua ida às reuniões do grupo possibilitou a identificação de seis torturadores da casa, ente eles “Camarão”. Todo o reconhecimento foi feito com base em fotografias apresentadas pelos integrantes da comissão