“Não como banana por comparação com macacos”, diz vítima de racismo
Da sala de aula ao transporte público, casos de discriminação ficaram gravados na memória de homens e mulheres negras
Aos 49 anos, Valderi de Oliveira Moraes deixou de comer banana quando ainda era uma criança. Ela diz sentir enjoo a cada vez que prova a fruta, mas acredita que a sensação seja provocada por um trauma de infância, e não propriamente pelo seu paladar.
“Lembro que foi na primeira série. A professora perguntou para todos os alunos qual era sua fruta preferida. Na minha vez, eu nem pude falar, a sala inteira gritou ‘banana!'”, relata Valderi, que já naquele momento entendeu que estava sendo comparada a uma macaca.
“Foi uma coisa que tirou um pouco da minha inocência e eu comecei a perceber que a cor da minha pele fazia com que as pessoas tivessem uma reação diferente do que se fosse uma menina branca”, comenta.
Valderi trabalha hoje na Faculdade Zumbi dos Palmares, localizada na zona norte de São Paulo. A faculdade é a única instituição de ensino superior de maioria negra no País – apesar de a maior parte da população brasileira (53%) ser formada por negros ou pardos.
Circulando pela Zumbi, não foi difícil encontrar histórias de homens e mulheres que se recordam com detalhes de situações em que foram vítimas de discriminação racial.
E o racismo se expressa de diversas maneiras. Ele pode ser silencioso, como no dia em que Maria Iranildes Santos foi perseguida por um segurança pelos corredores de uma faculdade. Incomodada, ela decidiu sair do prédio e cancelar sua matrícula.
O racismo pode ainda ser flagrado ocorrendo de maneira discreta, como ressalta a estudante Anielly Farias, de 22 anos. “Acontece todos os dias quando eu pego ônibus: As pessoas vão sentando pelos bancos e sempre, sempre, sempre o meu lado é o último a ser preenchido. E se não for o meu, é o de outra pessoa negra”, conta.
Quando dito, o racismo machuca. “Peguei o ônibus para ir trabalhar e um grupo de jovens começou a fazer comentários discriminatórios. Falaram do meu celular, que eu só poderia tê-lo roubado. Na hora que fui descer, uma menina do grupo disse: ‘Vai mesmo sua preta desgraçada’. E todo mundo via o que estava acontecendo, mas ninguém falava nada. Quando o ônibus foi embora, eu chorei muito”, narra Adriana Maciel, de 30 anos.
Perguntados se acreditam que um dia viverão em uma sociedade livre do racismo, os entrevistados pela reportagem do iG se dividiram. Entre aqueles que acreditam que sim, todos destacaram que a Educação desempenha um papel fundamental nesse processo.
“Eu acredito em um país em que as pessoas não tenham esse problema cultural. Mas para isso, é necessário que as pessoas sejam melhor educadas, porque a base de uma sociedade melhor está na Educação”, opina Anielly.
Já Valderi de Oliveira vê a hipótese de um mundo livre do racismo mais como um sonho do que como algo que esteja próximo. “Ainda estamos começando a caminhar para um mundo melhor, mas ainda há muito a ser feito. Como diz Martin Luther King: Eu tenho um sonho. Um sonho de um mundo melhor, sem racismo e sem qualquer tipo de preconteito.”