‘Não troco minha dignidade pela minha libertação’, diz Lula
Ex-presidente escreveu carta para ato internacional organizado pelos Metalúrgicos do ABC pela sua liberdade em que destacou seu pedido por um julgamento justo. “Não quero favores, quero simplesmente justiça”
São Paulo – Representantes de partidos políticos, movimentos sociais e apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniram-se nesta segunda-feira (10) na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na região metropolitana de São Paulo, para defender a liberdade de Lula, preso há oito meses na Superintendência da Policia Federal em Curitiba (PR). Em resposta à manifestação de solidariedade, o ex-presidente reiterou em carta o seu pedido por justiça.
“Hoje tenho certeza de que tenho o sono mais leve e a consciência mais tranquila do que aqueles que me condenaram. Não quero favores; quero simplesmente justiça. Não troco minha dignidade pela minha libertação”, escreveu Lula.
O Ato Internacional Lula Livre, uma iniciativa também da Fundação Perseu Abramo como parte da programação da Conferência Internacional em Defesa da Democracia promovida pela instituição, marcou as comemorações pelos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que, para o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, no caso de Lula, vem sendo constantemente violada.
“Li hoje a declaração e fiquei imaginando para o presidente Lula qual seria o artigo dela que ele gostaria que estivesse vigente no seu caso. A declaração diz que cada ser humano tem direito a um julgamento justo e eu acho que esse é o artigo que Lula gostaria que fosse aplicado a ele, que ele tivesse direito a um julgamento justo”, afirmou Greenhalgh durante o ato ao repórter Jô Miyagui, do Seu Jornal, da TVT.
Em sua carta, o ex-presidente também reafirmou a arbitrariedade de sua prisão que vem sendo criticada por organizações internacionais e juristas do mundo todo, e relembrou também as perseguições e ameaças que sofrem aqueles que se arriscam na luta pela democratização dos direitos no Brasil, entre eles, os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino, da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes e do mestre capoeirista Moa do Katendê .
“Em nome deles vamos defender as conquistas do nosso povo, pelo direito à vida em sua plenitude, contra a intolerância, o preconceito e o arbítrio”, destacou Lula.
Confira a carta na íntegra:
“Meus amigos e minhas amigas,
Esta é uma data muito especial para a humanidade. Há 70 anos, consagramos na ONU uma carta de direitos inspirada na solidariedade, no respeito ao semelhante, no reconhecimento às diferenças, no primado do direito e da liberdade, na busca da paz e do entendimento entre homens e mulheres e nações. Hoje é dia de celebrar o quanto avançamos, desde então, para implementar esses direitos.
É dia de recordar os heróis dessa luta em todos as frentes: Martin Luther King, sacrificado pela defesa dos direitos civis; Nelson Mandela, que viveu 27 anos encarcerado pelo regime do apartheid; Mahatma Gandhi, que ainda antes da carta dos Direitos Humanos fez da não-violência a mais forte resistência ao regime colonial, e tantos outros que lutam no cotidiano por um mundo melhor.
Aqui no Brasil, tivemos a oportunidade de colocar em prática muitos dos preceitos da carta, como a liberdade de organização e de expressão, o fim da censura, o reconhecimento dos direitos das mulheres, das pessoas LGBT. Começamos a resgatar a dívida secular com os negros e os indígenas. E condenamos firmemente a tortura.
É muito triste, para mim, saber que nesta data temos de homenagear dois novos mártires da luta pelos direitos: os companheiros José Bernardo da Silva (Orlando) e Rodrigo Celestino, do MST, assassinados neste fim de semana no acampamento Dom José Maria Pires, na Paraíba.
Peço a todos que prestem uma homenagem a esses heróis do povo brasileiro e da luta pelos direitos humanos. Eles foram vítimas do mesmo discurso de ódio e violência que atingiu Marielle e Anderson, mestre Moa do Katendê e o jovem Charlione Albuquerque, entre tantos outros que foram e são perseguidos e ameaçados.
Estes heróis vão continuar vivendo em nossa luta. Em nome deles vamos defender as conquistas do nosso povo, pelo direito à vida em sua plenitude, contra a intolerância, o preconceito e o arbítrio.
Oito meses atrás eu estava aí no Sindicato dos Metalúrgicos, cercado pelo carinho e solidariedade de milhares de companheiros e companheiras que não se conformavam com minha prisão arbitrária e injusta. Quero dizer que continuo com vocês e todos os dias penso no futuro do nosso povo.
O Brasil e o mundo sabem que os procuradores da Lava Jato, o Sergio Moro e o TRF-4 armaram uma farsa judicial para impedir que eu fosse eleito presidente mais uma vez, como era a vontade da maioria dos eleitores. Fui condenado por “atos de ofício indeterminados”, ou seja: por nada. Não apresentaram uma prova contra mim e desprezaram todas as provas de minha inocência.
Hoje tenho certeza de que tenho o sono mais leve e a consciência mais tranquila do que aqueles que me condenaram. Não quero favores; quero simplesmente justiça. Não troco minha dignidade pela minha libertação.
Agradeço profundamente a solidariedade que recebo todos os dias, de pessoas do Brasil e de outros países. Agradeço aos companheiros da vigília Lula Livre, aos que mandam cartas ou me visitam em Curitiba, aos que fazem manifestações, redigem petições, atuam nas redes sociais exigindo o julgamento justo a que tenho direito.
Estou consciente de que, mesmo nas condições difíceis que estamos vivendo, não só no Brasil mas em muitos países, a luta pela efetivação dos Direitos Humanos vai seguir adiante. Ainda iremos construir um mundo de paz e fraternidade, onde todos e todas, sem exceção tenham direito a uma vida digna.
Até o dia do nosso reencontro. Um abraço do companheiro,
Luiz Inácio Lula da Silva.”