Novo eleitor, velhos políticos
As eleições municipais deste ano serão as primeiras sob vigência das regras que proíbem doações empresariais e encurtam o tempo de campanha. Mas as mudanças em 2016 devem ir além: o país estará diante de um novo eleitor. Sua primeira característica é o profundo ceticismo em relação à classe política. A desconfiança se traduz em números: 54% dos brasileiros estão dispostos a votar em um candidato sem experiência política, segundo dados de pesquisa Ibope obtidos com exclusividade pelo site de VEJA. Além disso, pela primeira vez o resultado da votação deve refletir um novo ponto de vista do eleitor sobre o Estado. “As pessoas já não esperam que o governo resolva tudo. Ao contrário, querem políticos que lhes garantam oportunidades para exercer seu potencial de crescimento”, diz o cientista político Rubens Figueiredo, que conduziu estudo sobre o tema.
Mais bem-informado e crítico, o novo eleitor brasileiro é resultado das mudanças socioeconômicas dos últimos vinte anos, iniciadas com a estabilização da moeda pelo Plano Real – e que ganharam força com a explosão do consumo e a ascensão da chamada “nova classe média” ao longo dos últimos doze anos. O acesso a itens como smartphones representa não apenas um avanço nos padrões de consumo, mas também nos de comunicação. Também a popularização do ensino superior contribuiu para a elevação da autoestima dos brasileiros. Pais pobres conseguiram formar seus filhos, quebrando padrões de gerações anteriores. O eleitor brasileiro sente-se, portanto, senhor daquilo que realiza – e menos dependente das benesses do Estado. Este é um processo que se dá em todo o país, avalia Figueiredo, mas com mais força nos grandes centros.
Somem-se a esse quadro a crise política e os esquemas de corrupção desvendados pela Lava Jato e o Brasil tem hoje um eleitor menos disposto a comprar promessas eleitorais. “O eleitor hoje decide com mais reflexão, justamente porque enxerga sua vida descolada da presença do Estado. E quer candidatos que entendam seus problemas e apresentem soluções que possam ser construídas – sem discursos milagrosos”, explica Figueiredo.
O ceticismo do eleitorado ante a classe política é reforçado pela sucessão de esquemas de corrupção a que o país assiste. Com Executivo e Legislativo imersos em escândalos, o brasileiro não se vê hoje representado por aqueles que elegeu. A crise de confiança poupa apenas instituições como Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, responsáveis por fazer avançar as investigações e punições contra políticos pilhados em esquemas corruptos. Parte significativa dessa visão se deve à atuação da força-tarefa da Operação Lava Jato. Fica para os brasileiros a sensação de que as instituições funcionam a despeito dos políticos. Como resultado, os eleitores tendem a levar mais tempo para escolher um candidato – e ficam menos propensos a reeleger os atuais prefeitos. Resume Figueiredo: “A informação empodera”.
Novamente, os números corroboram o quadro: 40% dos brasileiros pretendem votar em um candidato de oposição em outubro, segundo pesquisa Ibope, enquanto 16% dos entrevistados avaliam votar em branco ou nulo e outros 15% estão indecisos. Apenas 22% dos eleitores pretendem votar no atual mandatário. A pesquisa foi feita com 2002 pessoas em 143 municípios das cinco regiões do país. “Esta é uma clara indicação de que a agenda nacional está impactando as eleições municipais. Existe uma repulsa, uma desilusão em relação à política”, avalia Carlos Pereira, pós-doutor em ciência política pela Universidade de Oxford e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas.
Dada a quantidade de informações à mão, o brasileiro passou a se preocupar mais com temas que, no passado, eram distantes da sua realidade, como as pedaladas fiscais. “Desde as manifestações de junho de 2013, o eleitor tem uma postura diferente, uma cobrança maior. Quer mais transparência, mais responsabilidade com o gasto do dinheiro público. Nós temos um cenário totalmente diverso da eleição passada”, avalia a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari Nunes. Em 2014, o temor de colocar em risco as conquistas sociais e econômicas da última década acabou por favorecer a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Mas o desmoronamento do discurso de campanha da petista nos meses seguintes ao pleito hoje forçam a ruptura do ‘acordo’ entre o PT e o eleitorado. A avaliação é reforçada pelo cientista político Rui Tavares Maluf. “O governo federal vai estar em pauta. A polarização anti e pró Dilma se reproduzirá nas eleições das grandes e médias cidades”, afirma. Como resultado, até mesmo uma característica comum às eleições municipais – o foco em questões próximas ao dia a dia dos cidadãos, como coleta de lixo, vagas em creche e trânsito – será afetada pelo noticiário de Brasília. E fará deste pleito um tubo de ensaio para 2018.
O sentimento de decepção em relação à classe política, contudo, não poupa partidos. De acordo com o Ibope, 33% dos eleitores de cidades administradas pelo PT pretendem votar em um candidato de oposição. Os números sobem para 49% e 45% em municípios sob comando do PMDB e do PSDB, respectivamente. Mas um dado em especial revela o descontentamento da população com o partido que comanda o país: 29% dos eleitores de cidades com prefeituras petistas não pretendem votar em ninguém em outubro, ante 13% dos municípios sob comando do PMDB e 10% em cidades de administração tucana.
Os números reforçam a avaliação consensual entre os especialistas ouvidos pelo site de VEJA: nenhum partido ou político conseguiu captar essa massa insatisfeita. Isso se dá porque o país tem hoje um novo eleitor, mas os políticos de sempre. “As mudanças na política não se dão de maneira tão rápida, justamente porque renovação não é palavra de ordem nesse setor. Caberá aos eleitores optar por aquilo que representa uma mudança significativa na vida da cidade em que vivem”, diz Figueiredo. Ao que tudo indica, esse processo já começou.