O dia em que a pressão política foi capaz de tirar a caneta da mão de Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro esteve com a caneta na mão pronto para assinar a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Antes mesmo de ele dar a prometida canetada contra integrantes do governo que virassem estrela, o burburinho já causava estragos à sua ameaça. Forte reação da cúpula do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal) e a influência dos militares do governo, no entanto, foram capazes de fazê-lo mudar de ideia.
A segunda-feira (6) foi um dia de instabilidade e incerteza. O ministro chegou a ter esvaziadas suas gavetas no ministério. Mandetta, inclusive, confirmou a demissão a governadores e outras pessoas que telefonaram para ele ao longo do dia para saber sobre informações que circulavam pelos bastidores.
Isso ocorreu porque, por volta de 12h, Bolsonaro chamou o deputado Osmar Terra (MDB-RS) para participar de uma reunião, da qual até então participava somente o núcleo militar palaciano: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Na ocasião, deu poderes ao seu ex-ministro da Cidadania de falar pela Saúde e determinou a um dos ministros palacianos que começasse a avisar empresários da área de saúde que se reportassem ao deputado do MDB.
A notícia chegou a Mandetta. Em uma reunião no Palácio do Planalto no fim da tarde de segunda, ele e o presidente protagonizaram mais um bate-boca – no sábado, dia 28 de março, em uma reunião no Palácio da Alvorada, os dois já haviam trocado farpas e elevado o tom de voz. Com posições sabidamente divergentes, em meio a um clima de tensão elevadíssimo, Jair Bolsonaro chegou a dizer ao ministro que ele “estava fora da equipe”.
A situação, porém, foi contornada pela turma do “deixa disso”. O Planalto havia recebido um alerta. No meio da tarde, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, telefonou para o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e avisou: “Se o Mandetta for demitido, a situação com o Congresso ficará bastante ruim”.
O presidente do STF, Dias Toffoli, já havia feito chegar, no fim de semana, um recado à cúpula palaciana destacando que os ministros estavam unidos em torno do entendimento de que nenhuma medida por meio de “canetadas” do mandatário passariam. O Judiciário “está atento”.
A “saída”
Antes de seguir para o Planalto para a reunião em que discutiu com Bolsonaro e chegou a ser demitido, Mandetta conversou com sua equipe mais próxima no ministério para comunicar sua saída e recebeu apoio interno. Todos os secretários afirmaram que o acompanhariam e também deixariam o governo, caso isso de fato se concretizasse.
A demissão de Mandetta da Saúde ainda é uma expectativa para os próximos dias. O tom usado pelo ministro no pronunciamento que fez à imprensa ao lado de seus secretários para comunicar que permaneceria no cargo não agradou o presidente. Entre cobranças para que o ministério seja livre para fazer um trabalho técnico e focado na ciência, afirmou: Hoje foi um dia emocionalmente muito duro para todos”.
Hoje foi um dia emocionalmente muito duro para todos.Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde
Além disso, tem pelo menos três semanas que o presidente Jair Bolsonaro quer “se ver livre”, em suas palavras, do chefe da Saúde. Ele se sente incomodado com o protagonismo e os elogios que o ex-ministro vêm tendo sobre sua atuação no combate ao novo coronavírus.
Na última quinta-feira (2), Bolsonaro disse que Mandetta deveria ter “mais humildade” e que nenhum de seus ministros é “indemissível”. Neste domingo (5), o presidente afirmou que “algumas pessoas” do governo “viraram estrelas e falam pelos cotovelos”, acrescentou ainda que não teme “usar a caneta contra eles”.
O descontentamento do mandatário aumentou e os embates tomaram corpo depois do sábado, 28 de março, quando Mandetta confrontou o discurso que o chefe vem adotando. Quatro dias antes, em especial o pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, Bolsonaro havia se posicionado totalmente contrário às orientações sanitárias oficiais de seu próprio governo.
Desde aquele dia, houve elevação na tensão política, mas o ministro, com retórica técnica e científica e diretrizes de combate ao coronavírus semelhantes aos protocolos internacionais, tinha apoio interno.
Na semana retrasada, os comandantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) procuraram o vice-presidente Hamilton Mourão para externar preocupação e manifestar apoio caso o presidente Jair Bolsonaro saia do governo. Mourão é mais uma voz dissonante do mandatário.
A principal preocupação de quem defende a manutenção de Mandetta no cargo gira em torno da semelhança dos pensamentos de Bolsonaro com um dos mais cotados para ocupar a pasta, Osmar Terra, ambos contra o isolamento social.
Mandetta vem repetindo que as pessoas “fiquem em casa”, diferentemente do presidente, que defende que a população retorne ao trabalho. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), restringir a circulação é a única forma conhecida de evitar contaminação em massa pelo vírus.
Números incomodam
Ajudou a enfurecer o presidente a divulgação dos números do Instituto Datafolha. A pesquisa, divulgada na sexta-feira (3), mostra que a aprovação do Ministério da Saúde na condução da crise do coronavírus é mais que o dobro da registrada pelo mandatário.
A aprovação à pasta subiu de 55%, entre 18 e 20 de março, para 76%, entre 1º e 3 de abril. Jair Bolsonaro, por outro lado, manteve estável a aprovação: 33% na pesquisa anterior e 35% nesta mais recente. O mesmo com a avaliação regular: passou de 26% para 25%. Mas a reprovação subiu de 33% para 39%.
O discurso contrário ao de seu próprio governo tem feito o presidente perder a credibilidade, justamente o contrário ao que tem acontecido com outros líderes mundiais que se fortaleceram nesta crise. É o caso do presidente dos EUA, Donald Trump, que após acatar as diretrizes da OMS começa a acreditar que o enfrentamento da crise pode auxiliar em sua reeleição. O francês Emannuel Macron também tem visto sua popularidade crescer.
Exposição demais
Jair Bolsonaro, que começou a minar seu ministro por ciúme de seu protagonismo na pasta, incomodou-se com as aparições de Mandetta em shows on-line no último sábado (4), durante as quais ele defendeu o isolamento social no combate ao coronavírus.
Além da dupla sertaneja Jorge e Mateus, o cantor de forró Xand Avião exibiu o vídeo do ministro. “Artistas populares, que estão fazendo lives de todo o Brasil, você, Xand, eu sei que depois vão ter Jorge e Mateus, tem vários artistas Brasil afora que estão fazendo. É importante que a música chegue, mais importante que a gente não aglutine, que a gente não coloque várias pessoas no mesmo lugar”, disse ele.
E ainda completou: “Os shows são feitos de casa. Porque o show não pode parar, mas a aglutinação tem que parar. A gente tem que proteger um ao outro e proteger o sistema de saúde, para que depois a gente possa se abraçar.”
A live de Xand Avião foi assistida simultaneamente por 600 mil pessoas e teve mais de 6 milhões de acessos. Na live de Jorge e Mateus, a mensagem de Mandetta foi exibida duas vezes. A dupla contou com 3,4 milhões de espectadores simultâneos na noite de sábado.