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26 November 2024

Olhar Cidadão: Benefício preocupa pacientes

Até chegar em Salvador, Bruno Henrique, de 16 anos,  precisa enfrentar um percurso cansativo. Um trajeto que tem início no terminal ferryboat de Bom Despacho, em Itaparica, e que termina em um núcleo de apoio a criança com paralisia cerebral, em Ondina. Nos últimos três meses, o tratamento que inclui assistência psicológica e aulas de hidromassagem duas vezes na semana tem ficado cada vez mais comprometido, isso porque o auxílio dado pela prefeitura da ilha a pacientes e acompanhantes que precisam se deslocar até outras cidades em busca de serviços de saúde de que o município não dispõe tem sido pago com atrasos. O auxílio é garantido pela lei nº 302/2015, sancionada em 2015.

A legislação determina que a ajuda de custo deve ser dada para que pessoas consideradas de baixa renda e usuárias da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) possam custear as suas viagens e a alimentação até as cidades onde realizam os tratamentos médicos. Em alguns casos, quando comprovada a dependência dos pacientes, o repasse também deve cobrir as passagens dos acompanhantes. Os valores variam de acordo com a quantidade de viagens e a distância entre os municípios. Vão de R$ 45 até R$ 1,8 mil.

A lei foi criada para atender pacientes que não se enquadram no Tratamento Fora do Domicílio (TFD) do Ministério da Saúde, que apenas prevê o repasse para pacientes que moram a mais de 50 km das cidades onde recebem tratamento. Salvador, por exemplo, cidade mais próxima de Itaparica e com o maior número de especialidades, fica a cerca de 30 km.

Itaparica

PERFIL
115,9 km² de área territorial

População 
20.725 habitantes, último censo de 2019

PIB per capita
R$ 9.227,69  em 2016

A tia de Bruno, a dona de casa Nilza Maria, 47, conta que os atrasos têm atrapalhado a rotina da família que precisa muitas vezes tirar do próprio bolso para pagar o deslocamento até a capital.

“Em Salvador, dispensei o carro que me leva até o centro porque estou devendo. Os ônibus  vêm sempre lotados e eu acabo desistindo de pegá-los. Hoje perdi o horário do primeiro tratamento porque um deles acabou não parando. Mesmo com tantos problemas não deixo de levar meu sobrinho”, contou.

Mesmo diante de tantos problemas como esses, não deixo de realizar o tratamento do meu sobrinho

Nilza Maria, costureira

Soma-se a Bruno outros 30 pacientes que recebem o TFD intermunicipal, de acordo informações de uma tabela de custo publicada no Diário Oficial do município. Calculando todas as despesas, a prefeitura pagou neste mês cerca de R$ 32 mil para cobrir o atraso de setembro. A Secretaria de Saúde, por meio da assessoria de comunicação, informou que o benefício foi efetuado na sexta-feira (1°). Não foi informado, no entanto, o motivo dos atrasos.

Somando a receita própria  e recursos transferidos pela União e o Estado, Itaparica contou, em 2018, de acordo com o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM/BA), com cerca de R$ 61,6 milhões. Desse total, foram gastos 6,93 % na área da saúde (R$ 4,2 milhões). Neste ano, de janeiro até setembro, segundo dados informados pela gestão ao Sistema Integrado de Gestão e Auditoria (Siga), foram investidos R$ 3,2 milhões.

A gestão afirma que o município não recebe nenhum repasse do governo federal para ajudar a pagar o TFD, que mantido exclusivamente com saldo municipal, e que, além disso, foi ampliado o acesso ao auxílio nos últimos anos, sinal de uma série de investimentos que a pasta da saúde vem promovendo na área. “Em janeiro de 2017, início da gestão, o município investia R$ 4.538,00 com TFD. Atualmente, a prefeitura investe por mês uma média de R$ 30 mil. Em todo o ano de 2017, o custo total foi de R$ 135 mil, enquanto que em 2019, somente até setembro, já foram investidos R$ 385 milhões”, informou, em nota.

Mandado

O ativista de controle social Alex Cruz, que acompanha um grupo de mães, pretende impetrar um mandado de segurança para garantir que os atrasos não continuem.

“São pessoas que têm câncer , que precisam fazer hemodiálise diariamente ou que possuem microcefalia. Todos precisam fazer seus tratamentos mas acabam ficando sem dinheiro. Há pessoas que pegam dinheiro emprestado. E com juros. Uma situação muito constrangedora”, relatou Alex.

Existem pessoas que estão pegando dinheiro emprestado. E com juros. Uma situação muito constrangedora

Alex Cruz, ativista

Uma mãe, que preferiu não se identificar, relatou à reportagem que para dar continuidade ao tratamento da filha em Salvador tem pedido dinheiro emprestado aos amigos e vizinhos. “É uma falta de respeito com a gente porque é o direito que nossos filhos têm de continuar se tratando”, disse.

UBS é alvo de críticas de moradores

Em Itaparica há, atualmente, nove  unidades destinadas ao atendimento da Atenção Primária. Uma delas, a Unidade Básica de Saúde (UBS) Maria Lucia dos Santos Barbosa, na localidade de Marcelino, no distrito de Bom Despacho, é alvo de críticas dos moradores. O espaço, de acordo com eles, inaugurado há cerca de um ano, além de apresentar visíveis problemas estruturais, como mofo na recepção e alagamentos em dias de chuva, oferece um serviço longe de ser considerado adequado.

Moradores reclamam do atendimento prestado pela UBS | Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE
Moradores reclamam do atendimento prestado pela UBS | Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE

A moradora Andra afirma que no equipamento de saúde não há dentista disponível para atender os pacientes. A única profissional, ainda de acordo com ela, vem de uma outra unidade, a de Manguinhos. Medicamentos nem sempre estão disponíveis.

“É uma raridade conseguir nesse posto. Tem vezes que nem o remédio mais básico como ASS infantil está sendo repassado”, relata.

Cledson Gerreiro, presidente da União dos Moradores de Bom Despacho (Unibom), afirma que no período chuvoso a água que vem de uma construção na rua enche uma fossa localizada ao lado do equipamento de saúde. A água fétida acaba chegando à recepção.

“Quando chove, a água que fica excedente. Infelizmente não houve um planejamento e tudo isso verificamos durante a construção. Esse é apenas um exemplo de como toda a estrutura do município é precária. Serviço público tem de ser feito com excelência. Queremos que as pessoas sejam tratadas com respeito”, reivindicou.

Resposta

A pasta, por meio de assessoria, contestou as informações afirmando que as acusações são “infundadas”, uma vez que a unidade é recém inaugurada e que “atende a um pleito antigo da população, já que a antiga unidade era precária e sem condições de ampliação”, acrescentou.

Atualmente, são mais de 100 atendimentos diários, entre consultas médicas, de enfermagem, odontológicas, de fisioterapia, vacinação, entrega de medicamentos, curativos, dentre outros. Jamile dos Santos, 18 anos, esteve duas vezes na unidade na terça, 29, para marcar uma consulta com um pediatra para o seu filho de apenas um mês. Ouviu de um atendente que, por lá, não havia um profissional responsável por realizar o procedimento. Voltou para casa sem uma certeza.

Secretária foi acusada de fraude

Em 2013, a secretária de saúde da cidade de Itaparica, Stela dos Santos Souza, que também é presidenta do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde (COSEMS/BA), foi alvo de uma ação civil por improbidade administrativa quando esteve à frente da pasta em Jequié, entre os anos de 2009 a 2012.

Mãe tenta marcar consulta com pediatra, mas não tem resposta | Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE
Mãe tenta marcar consulta com pediatra, mas não tem resposta | Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE

Por lá, ela, o ex-prefeito Luiz Carlos Souza Amaral e outros dois servidores municipais foram acusados de integrar um esquema que era responsável por fraudar licitações de medicamentos.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o grupo deu um prejuízo de R$ 395 mil aos cofres públicos. Não há nenhuma acusação contra Stela referente ao seu mandato em Itaparica.

Ainda de acordo com informações do MPF, os servidores comandaram um esquema de fraudes voltado ao desvio de recursos vindos do Sistema Único de Saúde (SUS) na compra de medicamentos que eram  adquiridos com valores que chegavam a ser  10.000% maiores do que preços praticados pela mesmas empresas em cidades vizinhas.

Para se ter uma ideia da gravidade da denúncia, medicamentos como Alprazolar eram adquiridos por mais de cem vezes o seu valor normal de mercado.

“Os desvios de verbas implementados por meio desses sobrepreços foram inúmeros. Cada nota fiscal superfaturada representou um desvio e apropriação de recursos públicos, em que os agentes públicos pagaram aos particulares mais do que devido, promovendo a franca apropriação de bens e lesão ao erário”, relatou à época o MPF,  à Subseção Judiciária de Jequié.

As investigações apontaram também que a gestão municipal fez o descarte de quase metade de tudo que foi adquirido em pleno depósito de lixo à margem de uma estrada. As duas empresas também foram citadas no processo.

A investigação concluiu que Stela era responsável pelos pedidos de fornecimento, tendo ciência do superfaturamento, além de assinar todos os documentos.