Pais congelam menina que morreu de câncer por esperança de fazê-la renascer
No início deste ano, uma menina tailandesa de dois anos de idade tornou-se a pessoa mais jovem a ser congelada por criogenia. Seus pais recorreram à técnica, que preservou seu cérebro no estado em que se encontrava momentos após sua morte, na esperança de que um dia ela possa ser trazida de volta à vida.
O quarto onde Matheryn Naovaratpong passou seus últimos meses está quase vazio. Nele, só permanece seu berço e o suporte que ajudava a manter a menina de pé.
Em meio às paredes brancas, o único traço de cor do ambiente austero vem de uma pequena estátua budista dourada, de alguns de seus bichos de pelúcia favoritos e um enorme retrato dela pendurado na parede.
Hoje, é mais parecido com um altar para uma criança cuja vida foi interrompida tragicamente. Matheryin, ou Einz, como sua família a chamava carinhosamente, desenvolveu um tipo raro de câncer no cérebro logo após seu segundo aniversário. Ela morreu em 8 de janeiro passado, pouco antes de completar 3 anos.
Quando isso ocorreu, seus pais, ambos engenheiros biomédicos, tinham optado pelo procedimento que eles esperam permitir dar a sua filha uma nova chance de viver.
“Assim que ela ficou doente, surgiu imediatamente a ideia de que deveríamos fazer isso por ela, por mais que seja impossível hoje”, diz seu pai, Sahatorn. “Fiquei realmente dividido quanto a esta ideia, mas precisava me agarrar a ela. Então, expliquei tudo para minha família.”
Sua proposta era preservar Einz por meio de uma tecnologia conhecida como criogenia. O corpo, ou apenas o cérebro, no caso de Einz, é colocado em um estado de congelamento profundo até que, em algum momento no futuro, avanços extraordinários da medicina permitam que um novo corpo seja criado para ela e seja possível revivê-la.
“Como cientistas, temos 100% de confiança de que isso acontecerá –só não sabemos quando”, diz Sahatorn. “No passado, poderíamos pensar que levaria 400 ou 500 anos, mas, agora, podemos imaginar que será possível em 30 anos.”
‘Renascer’
O pai de Einz conta que, a princípio, foi difícil para o restante da família aceitar sua visão, mas quando a saúde da menina piorou, eles começaram a mudar de ideia.
“Ela tinha algo especial desde que nasceu. Ela manifestava seu amor mais do que outras crianças, sempre querendo fazer parte de nossas atividades”, diz ele.
Sahatorn e sua mulher, Nareerat, têm outros três filhos. Nareerat teve de retirar seu útero após o primeiro parto, então, Einz e seu irmãos mais novo foram concebidos com a ajuda de fertilização in vitro. A tecnologia, eles dizem, teve um papel central na vida da menina desde o início e pode ajudá-la a “renascer”.
Os Naovaratpong escolheram a Alcor, uma ONG do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, provedora dos chamados serviços de “extensão da vida”, para cuidar da preservação do cérebro de Einz. A família se envolveu nos preparativos, criando um caixão especial que pudesse ser transportado até o outro país.
Um time da Alcor foi até a Tailândia para supervisionar o resfriamento inicial do corpo de Einz. No momento em que o óbito da menina foi declarado, a equipe da ONG deu início ao que chama de “crioproteção”, removendo fluídos corporais e os substituindo por um líquido anticongelante que permite que o corpo possa ser congelado sem comprometer os tecidos.
Após sua chegada ao Arizona, o cérebro foi removido e preservado a uma temperatura de -196ºC. Ela é a 134ª paciente da Alcor e de longe a mais nova.
Personalidade preservada
A forma como Sahatorn descreve o procedimento, que parece ter saído de um filme de ficção científica, é extremamente técnica, ainda mais levando em conta que tudo ocorreu logo após perder uma filha muito amada. Mas a família tem muita clareza de seus sentimentos.
“Ainda a amamos. Lutamos para ser fortes, mas, quando ela morreu, não nos comportamos diferente do que outras famílias. Choramos todos os dias. Ainda precisamos de um tempo para nos acostumar”, diz o pai da menina.
Em sua opinião, os pensamentos e personalidade de Einz serão preservados com seu cérebro e podem ser, em algum estágio futuro, o suficiente para que sua vida seja reconstruída. Ele e sua mulher também planejam ter seus corpos preservados com criogenia, apesar de ele reconhecer que há poucas chances de que eles se encontrem com sua filha em suas novas vidas.
O casal também planeja visitar as instalações da Alcor para ver o recipiente de aço no qual o cérebro de Einz é mantido em “biossuspensão”, segundo o termo usado pela ONG. Eles ainda dizem terem doado o mesmo valor gasto com a preservação do corpo de Einz para pesquisas relacionadas a câncer na Tailândia.
‘Morte verdadeira’
A Alcor diz que sua operação é “um experimento no sentido literal da palavra”. A ONG não promete uma segunda chance de viver, mas diz que a criogenia é um “esforço para salvar vidas”.
A Alcor afirma que a “morte verdadeira” só ocorre quando o corpo começa a parar de funcionar e seus componentes químicos ficam tão “desorganizados” que a tecnologia médica não pode recuperá-los.
Depois que o óbito é declarado, o corpo é mantido vivo com ajuda de aparelhos. O sangue é trocado por preservantes para que seja possível o transporte de qualquer parte do mundo para a sede da empresa.
O corpo é inundado com químicos chamados “crioprotetores”, que resfriam as células a -120ºC sem formação de gelo, um processo conhecido como vitrificação. Depois, é resfriado ainda mais, até -196ºC, e armazenado indefinidamente em nitrogênio líquido.
Certeza desconcertante
Mas e quanto ao futuro? A família está reunido fotos e gravações suas e de Einz, para que ela possa saber de sua vida passada. Por sua vez, a Alcor promete supervisionar cuidadosamente a readaptação de seus pacientes.
Essa certeza de que no futuro será possível trazer alguém de volta à vida deixa muitas pessoas desconfortáveis. Pode não ser fácil entender ou aceitar os argumentos de uma família para seguir este caminho.
É impossível não pensar que isto possa ser apenas uma forma de evitar o enorme sofrimento de perder uma criança tão nova. Ou questionar se as promessas da Alcor são válidas e se esse procedimento todo terá algum sucesso em questão de décadas ou mesmo séculos.
Mas Sahatorn e Nareerat obviamente estão sofrendo, enquanto ao mesmo tempo se apegam à esperança de um futuro que a maioria de nós sequer consegue imaginar, no qual Einz viverá novamente. Eles pensaram muito a respeito e se dizem confortáveis com sua decisão.
“Foi nosso amor por ela que nos levou a este sonho da ciência”, diz Sahatorn. “Com certeza, nossa sociedade está avançando a uma nova forma de pensar em que isso será aceitável.”
Por: BOL