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24 September 2024

Pessoas em situação de rua são alvo de censo

Patrick Novaes, 44 anos, é um homem que perambula entre dois mundos. Há quatro meses, ele retornou para as ruas, após perder o emprego em um restaurante e no galpão onde atuava. Mais do que isso: ele é o retrato de um processo que vai da perda de direitos sociais, dificuldade de conseguir emprego, construção de uma relação com a rua e chega ao ponto de usá-la como espaço de sobrevivência e atividades cotidianas.

O próximo censo que será realizado pelo Projeto Axé, em parceria com a prefeitura de Salvador, previsto para iniciar em agosto, deve confirmar a percepção da direção e educadores do projeto, de que, nos últimos meses, o número de pessoas em situação de rua aumentou na capital baiana. De acordo com o último censo do projeto, em 2017, estima-se que existem entre 14.513 e 17.357 pessoas em situação de rua em Salvador.

Ao mesmo tempo, o coordenador geral da entidade, Marcos Antonio Cândido, avalia que Salvador está na contramão de outras capitais e tem melhorado as atuações de abordagem e acolhimento com políticas públicas. “Em 2016, quando temos o começo das alterações no sistema de seguridade social, de políticas públicas, distribuição do bolsa família, as pessoas que tinham apenas saído da linha da pobreza foram afetadas, pois, na hora que esse benefício cessa, há um fluxo migratório para a rua, em várias modalidades”.

Nesse sentido, é importante destacar que esse processo não é imediato, o próprio Patrick explica que entre idas e vindas já está na rua há quatro anos. Mesmo quando trabalha de maneira informal, depende do bom funcionamento econômico do local para não retornar à rua. “Atualmente, estou trabalhando com reciclagem. Quando consigo emprego, tenho local para dormir. Quando não, volto à rua”.

Marcos reforça que, nesse fluxo migratório para a rua, em várias modalidades, ele encontrou pessoas durante o último censo que, há três meses, tinham perdido benefício ou emprego e buscavam locais que dão comida para ter uma refeição diária. “A pessoa em situação de rua não vai imediatamente morar na rua, ela vai buscar alternativas de sobrevivência. A situação de rua não é uma oposição a uma pessoa que teria uma moradia. A rua vira um espaço privilegiado no processo de socialização, de busca de sobrevivência, recreação, ela passa a ser o elemento que determina as práticas cotidianas de vida dessa pessoa”.

Aposentado por invalidez e pai de cinco filhos, Arnaldo Neves, 61 anos, há cinco meses circula pela região da Pituba e pede dinheiro nas sinaleiras. Diz ele, consegue até R$ 20, nos dias bons para completar as necessidades de casa, no subúrbio. “Venho todos os dias. Peço moedas. As pessoas já me conhecem e não há problemas por aqui”, revela Arnaldo.

A situação econômica do País, com perca do poder aquisitivo e 13 milhões de desempregados, é o principal fator para o aumento das pessoas que usam a rua como espaço para conseguir sobreviver, segundo o presidente do Projeto Axé, Cesare de Florio La Rocca.

“Nos últimos meses, temos percebido um aumento da população de rua. As pessoas perdem suas condições de sobrevivência e vão procurar outros meios, vão para as ruas. Há 29 anos, o compromisso do Projeto Axé é está na rua, com educação de que começa nesse espaço, mas não deve terminar nele”, destaca Cesare.

Acolhimento

Com investimento de R$ 64 milhões, a prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre), lançou, em maio, programa de serviços e ações de suporte ao público em situação de rua.

Dentre as ações estão o aumento de 10 para 12 Unidades de Acolhimento Institucional (UAIs), ações de educação financeira, programa de qualificação de trabalho e implantação de uma UAI para a população de LGBT.

 

Questões de segurança pública, onde pessoas dormem na rua com medo de terem as mercadorias roubadas podem ser resolvidas mais facilmente, ressalta a nova titular da Sempre, Ana Paula Matos. Esse parâmetro, inclusive, é importante para entender parte das diferenças na colheita de dados da administração municipal e do Projeto Axé.

Os dados da prefeitura de Salvador divulgam uma população de 5.900 pessoas em situação de rua. Com atualizações no conceito desse público, ambulantes que dormem na rua por medo de terem as mercadorias roubadas, acabam sendo englobados no estudo do Projeto Axé, o que agrava as diferenças numéricas entre o município e a entidade.

“O maior problema, hoje, das pessoas em situação de rua é o uso de substâncias psicoativas ou pessoas que já nascem na rua. O indivíduo perde autonomia, estruturação social. Não estou discordando dos números do projeto Axé, apenas temos parâmetros diferentes, o que não impede de trabalharmos em conjunto”, destaca

Para chegar a tal ponto de dependência da rua, o censo de 2017 do Projeto Axé revela que dentre algumas razões estão procura de sustento para si mesmo (44,5%); 29,4% foi por causa de conflitos familiares; 19,9% teve problemas com drogas.

Quem possui um sonho é Patrick. Ele espera reencontrar a família biológica. “Eu era evangélico. Ninguém vai para a rua porque quer. E nem todos são drogados. Às vezes, a pessoa está na rua, mas tem casa ou acabou de perder o emprego e passa muito tempo na rua. Eu acredito que vou encontrar minha família e mudar de situação”, sonha Patrick.