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26 November 2024

Por que os jovens pintam os cabelos de azul? O que há por trás desta e outras modas?

Você que está lendo essa matéria é bem provável que já tenha cruzado com um jovem de cabelo pintado de azul pelas ruas da cidade. A “mania” ganhou força em 2014, após o lançamento de “Azul é a cor mais quente”, filme do diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche.

Na história, uma adolescente de 16 anos se apaixona por uma mulher mais velha, que tem como traço marcante a tonalidade dos seus cabelos. Desde então, pintar as madeixas com essa coloração virou, de certa forma, sinônimo de comportamento gay — muito embora não possa ser resumido a isso.

Potencializado pelo longa, a profusão do arco-íris de um único tom ganhou força. Para o psicólogo e mestre em Cultura e Sociedade, Gilmaro Nogueira, esse é o catalisador mais comum neste tipo de movimento. “Geralmente tem um acionador, alguém da TV, da música, da web. No caso em questão, algum comportamento entendido como diferente, subversivo, que possa de alguma forma singularizar esse jovem”.

Nogueira aponta ainda que esta postura transgressora de normas e conceitos é algo típico desta faixa etária. “Há, nos jovens, certo prazer em ir de encontro às regras e normas sociais. O que não significa que não as obedeçam, mas que, de fato, há muito mais desobediência, contestação. Se expressar livremente, sem normas sociais, é impossível, pois sempre estamos atrelados às regras, a código morais que vão sendo contestados. Isso produz mudanças sociais e muitas delas positivas, pois produz-se novos lugares humanos, novas formas de comportamento”.

Ele diz que a importância destes comportamentos se reflete na construção da ideia de diversidade como algo natural, inserida no processo social. Ao invés de se sentirem estranhas, peixes fora d’água, “os contestadores” passam a enxergar o diferente como normal, em uma espécie de política de humanização.

Lineker

Esse comportamento, inclusive, é algo revolucionário dentro do próprio movimento gay que, como acontece em praticamente todos os setores de organização coletiva, lida com embates ideológicos próprios, internos.

“Muitos jovens estão muito além do movimento gay. São pessoas que produzem novos códigos e novas formas de sociabilidade para além do instituído. Se fosse pelo movimento gay dominante, todos iriam à igreja de gravata e vestido, ou seriam gays e lésbicas padrão. O movimento gay é normativo, higienizado e representa uma parte do comportamento dos gays. Há uma parte de gays que não cabe no movimento gay e uma parte de pessoas que não cabe em nenhum movimento, principalmente porque os movimentos, muitas vezes, perdem as singularidades e deixam de valorizá-las”, diz Nogueira.

Para ele, há novos grupos, menos institucionalizados, que talvez sejam mais representativos. Bons exemplos são o “Batikoo” (que reúne pessoas em festas com signos da negritude) e os jovens do “Tardal” (que se encontram em praias, se beijam, ficam e desobedecem às categorias de hetero ou homo), entre outros. “Nenhum desses precisa de um CNPJ, uma eleição para escolha de representante, o que os torna mais singulares e menos normativos”.

Para além do cabelo azul, o uso de roupas sem gênero é outra importante marca da juventude gay. Brincando com a imposição de gêneros na moda, eles demonstram, à sua maneira, a discordância com a separação entre o universo masculino e feminino. Esse “embaralhamento” aponta o dedo para o problema e sugere que, para eles, há algo de errado com o conceito estabelecido hegemonicamente.

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“Este é um novo grupo para o qual os códigos de gêneros não são binários, nem opositores. Assim, ele desobedece a regra que ter um pênis significa ser homem, macho, viril, etc, o que fazia com que muita gente que não se enquadrasse nesse perfil sofresse constantemente”.

Para além disto, ele acrescenta que, ao demandar reconhecimento social, o movimento de recodificação contribui para a disseminação das ideias de respeito e tolerância ao outro, àquele que é diferente de você.

“Muitos desses grupos não apenas questionam a sexualidade, mas a etnicidade/racialidade, o que os tornam mais subversivos. Não quer dizer que tudo seja respeito entre esses jovens, pois ao se questionar questões de classe e raça, podem reiterar padrões de sexualidade, e vice-versa, mas que esses movimentos podem ser potentes formas de questionamento do instituído, ou melhor, podem ser afirmações de pontos identitários de diferença, de contestação de padrões culturais mais hegemônicos ou hierárquicos”.